Vida grupal

Texto Dina Cristo
A macro-economia, da sociedade industrial, deverá dar lugar à micro-economia, da era da informação e da ajuda mútua. O pressuposto da escassez de recursos, da sociedade patriarcal, e a ideia de luta, de espécies, de classes e de atenção no seio famíliar (considerada a única fonte legítima de contacto e que se reflecte no complexo de Édipo e de Electra) favoreceu a sociedade baseada na competição. A repressão emocional (carência expressa pela arte) e sexual (de modo a evitar o incesto) gerou separatividade e frustração. O poder é, então, exercido contra o outro, num modelo hierárquico, de dominação e manipulação.
O jornalista brasileiro mostra como, ao contrário desta percepção e citando os estudos de Kropotkin, de 1907, a selecção natural, entre os mais aptos, se deu entre aqueles em que a ajuda mútua venceu (o egoísmo e a preguiça). A competição enfraqueceu as espécies, ao contrário da cooperação, inata, que lhes aumentou a possibilidade de sobrevivência e lhes proporcionou um mais alto desenvolvimento. Referindo casos concretos, o autor afirma «Os mais astutos e inescrupulosos, que alguns darwinistas descreviam como vencedores, são eliminados para dar lugar aos indivíduos que compreendem as vantagens da vida social e do apoio mútuo» .
A sociedade que promove o distanciamento, a desconfiança, a inimizade, na tradição dos grandes impérios, impôs a padronização, a uniformização, a concentração, a centralização (nomeadamente da produção) e gerou uma vida escravizada, sem sentido (de que são efeito as taxas de suicídio), fragmentada, isolada e de sobrevivência. Espalhou a destruição, do Ser Humano (individual e colectivamente), da Natureza e da própria Terra.
O autor, ecologista, explicou algumas das principais ameaças ecológicas e o desequilíbrio ambiental entretanto gerado. De forma documentada decifrou as interacções entre a desmineralização dos solos, o excesso de substâncias químicas, como o CO2, a desflorestação e o perigo de uma Nova Era Glacial (para regeneração dos solos, entretanto esgotados neste final de Era Inter-Glaciar, temperada) e os sinais ora de frio e seca, com desertificação, ora de inundações, nas zonas tropicais, gerando mais refugiados e o colapso agrícola.
Como problema central, a fome (também de nutrientes e de afecto), a desnutrição dos países do Terceiro Mundo, por falta, mas também do Primeiro, por excesso. A necessidade de alimentação, lembra no início do seu segundo livro editado, ou o medo da fome é uma fonte de conflito que, para além de desvitalizar o Ser Humano, lhe provoca sofrimento, faz aumentar a fertilidade (como mecanismo de compensação e de sobrevivência da espécie), conduz à guerra e provoca inúmeras mortes.
A sociedade de imposição, que obrigou a pagar impostos aos Senhores, niilista e sem esperança, exclui o Ser Humano da própria vida e da vida em si, envenena-o, literalmente, e sujeita-o a integrar exércitos de guerra, até à irracionalidade geral. «Não há sentido em trabalhar dentro das máquinas burocráticas que dificultam, com regulamentações e controles inúteis, a vida do cidadão comum de carne e osso. Não tem sentido manter uma civilização que engendra doenças degenerativas pela má alimentação sistemática da população e produzir remédios químicos que tendem, a longo prazo, a piorar ainda mais a saúde do povo. Não faz sentido produzir tantos automóveis particulares que, primeiro, desperdiçam o petróleo cada dia mais caro; segundo, poluem o ar lançando o CO2 que nos ameaça; terceiro, criam crises de engarrafamento no trânsito; e quarto, matam milhares de pessoas em acidentes de tráfego (…)» .
Alternativas
O cenário de catástrofe levou o autor a procurar soluções, teóricas e práticas. Primeiro, a constatação de uma nova percepção do mundo, mais variada. A visão holística, mais integral, ecológica, mais inter-relacional, e informática, mais reticular, levaram a uma nova concepção da realidade, do mundo, da Natureza e da Humanidade. Com o aumento dos perigos, cresce também o conhecimento sobre as ameaças à vida e começa a nascer uma nova consciência sobre (o respeito pela) biodiversidade e, ao mesmo tempo, unidade dos seres vivos - concepções que facilitam o (re)surgimento do princípio da cooperação.
Actualmente editor do site de Filosofia Esotérica desenvolve a sua presença ao longo da evolução humana. Desde as tribos, passando pelas aldeias livres de povos como os Celtas, até às cidades-livres na Idade Média ou mesmo aos cantões da Suíça. Em comum, a vida comunitária, autónoma, baseada na co-gestão, co-operação e entre-ajuda, na decisão e construção colectiva - paciente, humilde e anónima. Um modelo democrático, abafado pela sociedade industrializada e burocrática, da série e dos números, que parte do princípio de que o Ser Humano é mau e o mundo não presta, correspondente ao dos deuses-Céu, de Jean Shinoda Bolen, assente no medo e na coação.
Olhando para os problemas globais, o autor propõe uma transição, pacífica, construtiva, de baixo para cima, no âmbito da responsabilidade individual, como salienta Johannes Hasenack, em posfácio. O objectivo é gerar confiança na capacidade colectiva de transformar a realidade, devolver a esperança e mobilizar para a acção efectiva, aqui e agora. Ensaiar experiências de novos modos de vida, mais humanos, desde o quintal ao local de trabalho, passando pelo bairro, correspondentes ao emergir do paradigma dos deuses-Terra, da referida autora, apoiado no amor, na coragem, na liberdade e na solidariedade.
Antes de mais a alteração da premissa para a abundância de recursos: há terras disponíveis suficientes para que todos tenham uma dieta adequada. A fome é resultado de uma capacidade alimentar má distribuída e não motivada por constrangimentos técnicos, como enfatiza actualmente o Projecto Vénus. Os países do Terceiro Mundo, ao produzir o que interessa às grandes potencias, descuraram a agricultura de subsistência. África, onde há milhões de pessoas a agonizar, possui mais de metade das terras cultiváveis sem utilização da Terra.
A resposta está, segundo Carlos Aveline, na descentralização da produção. Uma escala mais próxima, ao nível local e regional, municipal ou comunitário, que permita a identificação entre produtor e produto, evite os meios de transporte e produza mais e melhores alimentos. As hortas têm um papel de destaque. Caseiras, comunitárias, escolares ou hospitalares, os horticultores actuam simultaneamente ao nível da agricultura, da saúde, da educação e da alimentação; o excesso é doado, a outros grupos, ou escoado para as cooperativas, estruturas essenciais no sistema comunitário, algumas fundadas pelos antigos trabalhadores de fábricas falidas. As empresas familiares, como as fazendas europeias, também são revalorizadas.
Economia solidária
Trata-se da retoma da produção doméstica, trabalho - e não emprego - que se conjuga com lazer e prazer, devolvendo não só ao homem mas também às crianças, às mulheres e aos velhos liberdade, criatividade, tempo e significado daquilo que fazem. Resultados mais eficientes e uma atitude mais construtiva, sustentável, solidária e também mais simples, em que a pobreza é vista como a via moderada e desejável, entre a miséria e o luxo.
Praticando uma agricultura natural, localizada e de subsistência garante-se a saúde, o sustento e a preservação do meio ambiente. O reequilíbrio ambiental através, sobretudo, da reflorestação, nomeadamente com árvores nativas, sementes locais e pomares colectivos, e da remineralização, designadamente com pó de cascalho rico em minerais das rochas formadas durante a última Era Glacial. Com o solo esgotado por falta de minerais «(…) as florestas, que além de purificar o ar, evitam a erosão, conservam o solo, regulam o clima, dirigem o ciclo de evaporação e precipitação das águas (…)» enfraquecem, secam, ficam mais vulneráveis aos incêndios e não conseguem eliminar o CO2 da atmosfera.
Funções agrícolas, de protecção ambiental e também de assistência social, como é o caso do Exército da Paz do Sri Lanka, podem passar a ser a actividade normal dos exércitos, que se devem tornar, primeiro, populares, como no caso da Suíça, e, depois, serem reconvertidos para actividades produtivas. Organização autoritária, perigosa e inútil, à volta da guerra, sangue coagulado da ferida da violência, o exército é castrador de jovens, fiéis à Mãe-Pátria e fonte de insegurança internacional, defende Carlos Aveline, para quem a paz se atinge pelo Bem-Estar geral e segurança mútua e não pelo armamento.
Em causa está a revalorização do pensamento de Gandhi, renascido no Movimento Gramdan, liderado pelo seu discípulo Vinoba Bhave, e depois recuperado por A.T. Ariyaratne, através do Sarvodaya Shramadana, um movimento de libertação ao qual estavam associadas, nos anos 80, cerca de dois milhões de pessoas. O desafio é reconstruir a sociedade à margem das instituições burocráticas e do aparelho estatal centralizado. Voltar a viver a virtude, a simplicidade voluntária, o desenvolvimento local, com base na cooperação, no amor e na unidade, sob o princípio da diversidade, da inclusão e da participação.
Hoje parecem-nos naturais, mas estas ideias foram percepcionadas há 25 anos em plena corrida ao armamento e ao capital financeiro internacional. A Economia Solidária, budista como então lhe chamava o autor, teósofo, afirma o valor da vida e reinventa-a de forma mais proveitosa, reduzindo o desperdício, a poluição, as doenças, os acidentes, devolvendo às pessoas a esperança, a confiança, a criatividade, a autonomia, a alegria e a acção. Uma oportunidade para ultrapassar o pensamento bi-polar, superar os modelos europeus ou norte-americanos e fazer a síntese integradora, numa sociedade grupal que exerça o poder (de agir) com o outro, exalte a afinidade e amizade e recupere a unidade profunda com a Natureza, preservando a individualidade entretanto conquistada.
i AVELINE, Carlos Cardoso – Aqui e Agora – para viver até ao século XXI, Editora Sinodal, 1985, pág. 36. ii Idem, pág. 116. iii Idem, pág. 62.
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