quarta-feira, 27 de março de 2013

Vida ilusória

 


A anteceder o Dia das Mentiras, mergulhamos nas causas, condições e efeitos de (não) expressar a verdade.

Texto e fotografia Dina Cristo

Uma parte significativa da vida real é constituída pelo sonho e ilusão, em que se baseia, aliás, muito entretenimento. Por vezes é mesmo difícil distinguir onde acaba uma e começa outra dimensão. Nos tempos actuais de transição, a mistura aumenta e a confusão cresce tal como a necessidade de as distinguir.
O sonho, embora difícil, pode ser concretizado, depende por isso da acção, esforço e talento do sonhador. É ele que dá qualidade, humanidade e sentido à vida e impulsiona a evolução, lembra Carlos Cardoso Aveline. Por seu lado Omraam Aivanhov recorda que “Os verdadeiros progressos sempre foram obra de utópicos”[1].
Quando, apesar de ausente, no presente, o sujeito ou objecto permanece na memória de alguém, está-se perante uma imaginação. Pode ser uma fonte de alegria, criativa e construtiva - é o caso das fantasias artísticas, nomeadamente as musicais. Em relação ao deslumbramento e encantamento, de carácter emocional, próprio do fascínio, pode e deve ser corrigido pelo âmbito mental.
Já a ilusão não depende do iluso para a sua concretização. A pessoa ou objecto ilusor não está e nunca esteve presente. De carácter mental, pode ser reequilibrada com o nível emocional, nomeadamente através do amor. É um engano, uma esperança sem fundamento, que constitui uma distorção da realidade.
Muitas vezes uma fuga, a ilusão pode ter, entre as suas principais causas a dureza da realidade (social) e o egoísmo. Resulta também da astúcia e do ódio. O seu objectivo é o interesse, proveito e conveniência pessoal (como o aumento da posse), o desejo de dominar (pessoas e situações) e de ganhar tempo. Conduz, com frequência ao envelhecimento, à tristeza, à dor, que temia, e mesmo à infelicidade, miséria e, inevitavelmente, à desilusão.
A confusão mental provoca cada vez mais enganos, equívocos, erros, sofrimentos e intranquilidade emocional, que, por sua vez, pode levar à depressão ou (co)dependências – um ciclo vicioso que só aumentará a sombra e o aprisionamento. Se a curto prazo os efeitos parecem atrativos, em pseudo-realidades mais agradáveis, confortáveis ou prazerosas, a médio e longo prazo tornam-se desgastantes e destrutivas, uma espécie de pântano que alimenta a escravidão, como um vampiro que se sustenta do sangue da sua própria… presa.
A resposta mais comum é o prolongamento de uma ilusão com outra (nomeadamente casa, emprego, relação), a substituição do optimismo pelo pessimismo (o desânimo e o desespero, a crença de que não há saída) ou a troca deste por aquele. Poucos aproveitam a oportunidade para se sintonizarem com o realismo ou se elevarem a um plano real mais duradouro.

Quem (não) tem medo de expressar a verdade?

Os motivos são vários. A falta de experiência e de reflexão pessoal como a repetição de falsidades e mentiras colectivas, por um lado, a imposição e, ao mesmo tempo, a relativização de verdade(s), ao nível institucional, por outro, dificulta o reconhecimento da ilusão. A mescla entre realidade e ficção dissemina-se. Quantas vezes as mentiras são ditas com ar sério (seja no jornalismo, na história ou na vida quotidiana) e em “on”, utilizando palavras (muitas vezes escritas) e as verdades em (tom, programas e desenhos de) humor, na dita ficção científica, nas lendas, mitos, brincadeiras comuns como no “off”, nas palavras não ditas, no silêncio.
Superar o ‘sincretismo’ mental e discernir entre o que é e aquilo que parece ser é uma tarefa árdua. Exige força, coragem, renúncia às falsidades, reaprendizagem da arte de pensar (menos e melhor), experiência, maturidade, preparação e mesmo precaução para que, dada a sua energia, possa ser recebida sem estragos, como previne Omraam Aivanhov, autor para quem a verdade deve ser assimilada e integrada, experiênciada, vivida e aplicada antes de ser transmitida. Para Neale Donald Walsch, a sua expressão deve ser a cinco níveis: de cada um a si próprio e a outra(s) pessoa(s), da(s) outra(s) pessoas a si próprio e a ela(s) e acerca de tudo a toda a gente.
É difícil encontrar a verdade numa sociedade que confunde carência com amor e, como diria Emanuel Kant, o condicionado, as inclinações (patológicas), o sensível e a parte com o incondicionado, o mundo das Ideias, da Razão Pura, o todo; repleta de falsificações, onde as cópias substituem, com vantagens lucrativas, o original, com cada vez há menos alimentos genuínos e mais “do tipo de”, objectos contrafeitos e argumentos falaciosos.
Numa sociedade assim, com os indivíduos a perceberem as realidades de acordo com os seus filtros emocionais (onde predomina o medo e o desejo), como explicou Lucienne Cornu, com pressa(o) de se adaptar, os exemplos de ilusão são inúmeros. Desde (a linearidade de) o tempo, a separação, o isolamento entre seres e a permanência dos fenómenos, a própria ciência, religião e engenharia (segundo Óscar Quiroga), até à convicção de que a verdade não existe, de que se pode obliterar o envelhecimento, a doença e evitar a morte, agir sem quaisquer consequências ou colher sem semear.
Carlos Cardoso Aveline explica como Maya não é literalmente uma ilusão mas um nível de realidade em perpétua renovação, mutante e dinâmica, cíclica e impermanente. Esta dimensão enganosa constitui um nível mais externo de realidade, campo de competição, de carácter mental, e de interesses personalísticos.
A ilusão, que envolve a maioria dos humanos, corresponde às trevas, a objectividade, a superficialidade ou a aparência. Identifica-se com os pensamentos e palavras, da mente concreta, que controla, manipula, oprime, oculta, bloqueia, mente, desconfia, analisa, esconde, separa e, insegura, precipita a própria destruição, ao invés da sobrevivência para a qual encontra todas estas estratégias de defesa.
O intelecto é um meio de conhecimento, embora limitado, pois julga a partir das aparências, conclui a partir de visões parciais sem conseguir captar elementos subtis, o que origina erros, enganos e incorrecções, lembra Omraam Aivanhov. Amigo da crença, da fé e dos desejos, muitas vezes omite, resiste ou rejeita a realidade.
A mentira, denunciada em fados e canções, nacionais e internacionais, além de livros, é coadjuvada pela velocidade de informação, eufemismos e fingimentos. Amiga do joio, da preguiça e da anestesia, é cúmplice da submissão, susceptibilidade e estagnação bem como da cosmética em que tenta imitar e, ao mesmo tempo, encobrir e maquiar a realidade mais pura.

Da ilusão à iluminação

Mas aquilo que é objecto de ilusão pode, despoletado por uma desilusão e uma fraqueza, que leva ao crescimento, tornar-se um propulsor de iluminação e de franqueza, para um punhado de almas que procuram ultrapassar os limites da ignorância, da opacidade e da parcialidade e atingir um nível mais interno, anímico, intuitivo e unitário da realidade.
A verdade vai além do intelecto e concilia o conhecimento mais profundo, a sabedoria, com o amor, o que lhe permite penetrar instantaneamente no íntimo das coisas e dos seres e conhecê-los na totalidade, sem nada lhe ser ocultado e nunca se enganar, explica Omraam Aivanhov. Este nível mental abstracto ao integrar o significante, o corpo, a matéria visível e também o significado, a essência e o espírito invisível permite-lhe obter a visão do todo e não se reduzir a uma parte dele.
Ao contrário da mentira, tem pernas cumpridas e transcende o tempo e o espaço. Está para além das conveniências pessoais e dos interesses personalísticos. É, por isso, de seguimento raro e difícil mas criativo este caminho, em que a estética está ao serviço da revelação e descoberta da realidade, em direcção à transparência, à frontalidade e à aceitação, cujo desfecho é a correcção, confiança e segurança. Como escreveu Óscar Quiroga[3] «Belas ilusões se tornam indigestas e promotoras de problemas ao longo do tempo. Enquanto isso, cruas realidades enfrentadas com coragem tornam o panorama claro e transitável com muita rapidez»[4].
Satya, a verdade, é uma luz que dissolve as barreiras, um raio fulminante, sensível, breve e profundo; uma força de vontade que liberta e cura, e cujos frutos são o discernimento mental e a serenidade emocional; o autêntico poder mág(ic)o de revelar e manifestar a realidade oculta(da), qual “iceberg” desconhecido. «Verdade é» segundo Óscar Quiroga «o que se vive interiormente, é o que resiste a quaisquer argumentações; verdade é aquilo que geralmente não se discute nem sequer nos momentos em que nossa humanidade decide ter conversas sérias».


[1] AIVANHOV, Omraam - Pensamentos quotidianos. Edições Prosveta e Publicações Maitreya, 2013 (27/3/2013). [3] 28/06/2011. [4] QUIROGA, Óscar – 6/6/2011

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quinta-feira, 21 de março de 2013

A Comunicação Oculta V




Neste quinto artigo falamos do canal de comunicação a nível cósmico, como Fohat.

Texto e desenho* Dina Cristo

Do ponto de vista universal, o quarto princípio cósmico, que actua na quarta dimensão, a do Aqui e Agora[1], é Fohat, a Electricidade Cósmica que permite projectar ParaBrahman, a Ideação Cósmica, o Espírito Puro, em Mulaprakriti, a Matéria Virgem, as Águas Primordiais: «Fohat é a ponte de energia dinâmica através da qual as ideias existentes no Pensamento Divino (Mahat) se podem chegar a imprimir na substância cósmica»[2].
Fohat é o Fiat[3], a Força dinâmica, o Alento que vai despertar, animar e fecundar a Matéria-Prima Original. É o Movimento Absoluto que vai diferenciar e desdobrar o Espaço e, combinando os seus elementos, dar origem aos sete planos[4] e a todas as formas do Universo. É o Impulso cinético que penetra, dirige e gera toda a manifestação do Espírito na Matéria, como Leis da Natureza.
É esta radiação cósmica luminosa que estabelece a ligação, a relação entre a dualidade, os pares de opostos que, através dela, se atraem e aglutinam. Fohat é, pois, o Elemento mediador, o laço e o elo de coesão, a ponte entre Purusha, o Pólo Subjectivo, emissivo, a Consciência, e Prakriti, o Pólo objectivo, receptivo, a forma.
Trata-se de um meio, um medium, capaz de transmitir, transportar, precipitar, consumar e executar o Plano Universal e as suas Ideias Arquetípicas, materializando-as. É o Facton, a Potência inteligente, activa, criadora e geradora de Vida, o Agente vitalizador, detonador e ordenador da Mente Cósmica, do Pensamento Divino.
Este Elemento de emanação masculino, seu mensageiro junto do pano de fundo, do monitor, onde se vai infundir e frutificar, é o motor e o fermento, a Potência de direcção, que vai agitar, preencher e incubar a tela feminina. Corresponde, de certa forma, ao Eros grego, à Energia amorosa, ao Espírito Santo e é numericamente representado pelo 1,000001.
Akasha
É através de Fohat que Mulaprakriti, a raiz da Substância, a Matéria-Primordial, se assume como Akasha - a Sub-Raiz, a Matéria-Prima, o Zero, o Caos, o Continente que tudo contém, de onde tudo procede e desponta, se resume e actualiza no devir e aonde tudo volta(rá); é o Espaço que o Tempo irá permear, inflamar e fará dar à Luz as Potências Criadoras, o Logos.
Akasha é a Matriz Universal, o quinto Elemento cósmico, ténue e moldável, o Éter Superior, a Essência Espiritual subtil que preenche, penetra e sustenta todo o Espaço[5], a substância em que estão banhadas todas as coisas que são, assim, Akasha condensado.
É a Alma do Mundo, o condutor de Electricidade Cósmica, através do qual se propagam as ondas eléctricas dos pensamentos, sentimentos e acções, registadas pelos escrivães, Lipikas, na Luz Astral, a primeira vibração de Fohat, que permite a propagação à distância: «Por seu intermédio opera-se a comunicação focalizadora de um emissor para um receptor»[6].
A Luz Astral, o seu aspecto inferior, é uma rede de luz interna, etérea e planetária, um mundo de espelhos, sombras e ilusões (como na Alegoria da Caverna de Platão), um arquivo de imagens de onde são devolvidas e reflectidas, ampliadas e intensificadas, como feed-back e Karma, e reproduzidas como imaginário popular ou inconsciente colectivo.
Comunicação cósmica
O plano mental, astral e físico cósmicos (cujos sub-planos são os sete planos já referidos[7]) constituem a origem energética das três grandes constelações: Plêiades, Sírio e Ursa Maior. Esta última é a Fonte que irradia, através das suas sete estrelas - os sete Rishis ou Espíritos diante do Trono[8] - os sete raios[9], as sete energias básicas, retransmitidas e representadas pelas sete estrelas da Ursa Menor.
A Fonte Transcendente emite[10] a sua força para os Destinadores, as doze constelações - com a respectiva faixa energética, os doze signos zodiacais, sete dos quais, de Caranguejo a Capricórnio, se encontram em relação com a Humanidade[11], e cuja força é incorporada pelas doze Hierarquias (uma das quais os Pitris Solares[12]) - que emanam, cada uma, uma qualidade ou virtude - os doze trabalhos de Hércules – atraídas magneticamente, dada a Lei da Afinidade, pelos sete planetas sagrados.
Estes planetas receptores, regentes (esotéricos e exotéricos) e transfiguradores são os responsáveis pela focalização, corporificação, propagação e distribuição, não só da sua vibração como do grau de consciência dos centros anteriores, para o nosso sistema solar, que faz parte, junto com outros seis, de uma das constelações de um Zodíaco maior.
Neste processo de propagação energética, o sol é o grande canalizador, transformador e disseminador sobre a Terra, destinatária. A derramação de radiação cósmica atinge, através dos seus sete principais centros planetários, alguns Seres Humanos, consoante a qualidade do seu veículo e equipamento de recepção (mental).
A capacidade de resposta, feed-back, de retorno das energias à sua fonte de emanação, traduz-se no desenvolvimento psíquico, no despertar ou na elevação do grau de consciência – representado por cada constelação - conforme o nível de sensibilidade à influência energética, quer externa quer interna, mais ou menos estimuladora, coadjuvante, ou obstacularizadora, oponente.
 * Anos 70

[1] Como salientou Carlos Cardoso Aveline, o Aqui e Agora, nome de um dos seus primeiros livros editados, dissolve as barreiras e mostra a unidade de todas as coisas [2] ANACLETO, José Manuel - Transcendência e imanência de Deus, CLUC, 2002, pág. 5. [3] Faça-se. [4] Como aos sete pontos laya de passagem de um para outro plano. [5] Que se diferenciará e separará em sete planos, como vimos em artigo anterior. [6] GOVERNO, Isabel Nunes – Panpsiquis In Biosofia nº 18, Verão 2003, pág.27. [7] Cf. A Comunicação Oculta II. [8] Seres que representam a Vontade Divina no nosso sistema solar. [9] Cf. A Comunicação Oculta II. [10] A emissão de cada um dos sete raios é realizada, segundo explica Alice Bailey, por triângulos, que focalizam e transmitem as influências cósmica[11] As outras cinco têm relação com a evolução supra-humana. [12] Uma das suas Ordens é a dos Senhores Kumaras, os Adeptos Venusianos, portadores da Luz, do quinto princípio, mental.

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quarta-feira, 20 de março de 2013

Recurso vital


Neste que é o Ano Internacional da Cooperação pela Água, e antes do seu Dia Mundial, reflectimos sobre o que nos espelha.
Texto Dina Cristo
Cai do céu e gosta de penetrar profundamente na terra, onde descansa. Depois de repousar, brota como nascente. Corre lentamente pelo leito dos rios, nutrindo as suas margens. Vitalizada, desagua no mar. Eis o grande ciclo, em equilíbrio, sem falta ou excesso de água.
Contudo, hoje, com a deflorestação, sem húmus suficiente, ela desperdiça-se apressadamente pelos vales abaixo. Enquanto deixa o solo seco inunda as margens dos rios, levando consigo detritos e causando destruição. Crescem os riscos de incêndio, aumenta a poluição e o nível do mar. As fontes secam, os caudais diminuem, as reservas escasseiam. Existe cada vez menos água potável e com menor qualidade.

O consumo, esse, aumenta. Durante o séc.XX o uso de água cresceu nove vezes, segundo Janez Potocnik, Comissário Europeu do Ambiente. Quando mais de um bilião de pessoas não possuem abastecimento de água, e Moçambique consome quatro litros diários, no território português, apesar de um Programa Nacional para o seu uso eficiente, utiliza-se cerca de 175 litros por dia, 70% dos quais em autoclismos e em duches.
Em Portugal existe uma legislação quase centenária e uma Lei da Água desde 2005, um Plano Nacional, do qual decorre o Plano de Gestão das Regiões Hidrográficas, além de um Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais (PEAASAR), uma Estratégia Nacional para os Efluentes Agro-Pecuários e Agro-industriais (ENEAPAI), uma Entidade Reguladora e, entre outros organismos, um Instituto da Água, agora integrado na Agência Portuguesa do Ambiente.
Contudo, falta uma gestão articulada e integrada, disse Carmona Rodrigues, em entrevista à “QuercusAmbiente”(1), referindo que um terço da água tem má ou muito má qualidade, que a factura do consumidor se mantém demasiado elevada e que do Plano de Barragens, lançado à margem do Plano Nacional de Água, não constava o do Baixo Sabor, além de não ter sido sujeito ao parecer prévio do Conselho Nacional da Água.

Reequilíbrio
Em Tamera, desde 2007 que Bernd Walter Mueller vem pesquisando e implementando uma paisagem de retenção de água e o grande ciclo. Lagos, com barragens naturais, permitem aproveitar a água da chuva que, de forma lenta e profunda, é absorvida pelos solos. Os lençóis freáticos recuperam-se, a paisagem regenera-se e, além dos três lagos existentes e cerca de uma centena de pássaros, há já uma nascente.
Eis o resultado da cooperação com o espírito da água, de natureza feminina e que gosta de repousar como de se movimentar livremente, em S: «Como qualquer ser vivo, a água precisa de ser livre para se mover de acordo com o seu Ser. A água gosta de se mover sinuosamente, de se enrolar e de descrever curvas e espirais. Desta forma, ela mantém a sua frescura e vitalidade. Através destes movimentos, purifica-se a si própria ao mesmo tempo que abranda o seu ritmo e se infiltra no corpo terrestre» (2), explica Bernd Walter Mueller.

O segredo está em compreende-la, respeitá-la e estimá-la; conhecer a sua essência, por dentro, e não apenas medi-la por fora. Trabalhar com ela, em harmonia, e não contra ela, em concorrência, exploração ou abusos, permite obter nutrição e energia suficiente, reverter o deserto em paraíso, sonhar com mil lagos para o Alentejo e visionar a região como um modelo para o mundo, com direito a acesso livre a água potável de boa qualidade.
Universalmente conhecida como origem da vida, de purificação e de regeneração (a sua capacidade de Memória, ligada à Imortalidade) será, assim - despoluída, cuidada e protegida - capaz de devolver aos seres (humanos) as bênçãos da Graça, da cura e do rejuvenescimento(3). Fonte altamente informativa, capaz de receber e distribuir pela terra inteira informações vitais, restruturando-a, e veículo de comunicação entre todos os seres, ela é hoje também foco de olhares mais (híper)sensíveis e atentos que experienciam outros modos mais energéticos de a purificar, como o pensamento ou a aurosoma.

Matriz
Matéria-prima original, Prakriti, a Mãe do Universo, ligada à Mulher, à Alma, como à Luz, à Águia e a Gabriel, excelente condutora (de Electricidade, Sabedoria, Verbo e Sentimento), é também, segundo Maria Flávia de Monsaraz, filtrada pela Lua.
Manifesta-se como fonte, lago, rio, ribeira, mar, gelo, chuva ou vapor. Pode ser doce (pura) ou salgada (amarga), destilada ou mineralizada, pluvial ou subterrânea, ácida ou alcalina, corrente ou pantanosa, benta e abençoada, termal ou residual, pode estar calma ou raivosa, viva ou adormecida, livre ou engarrafada, limpa ou poluída, em cisternas ou fontanários, aquedutes, açudes ou albufeiras (hoje transformados em praias fluviais).
Depois da herança romana, com os seus balneários termais, e, séculos mais tarde, das termas, com as suas águas caldas, minerais e curativas, um pouco por todo o país e para as mais variadas doenças, ela é hoje não só considerada um elemento vital para a saúde como também para a beleza e bem-estar, como mostram, por exemplo, os SPA, saúde pela água, e a talossoterapia.
Água presa
A água salgada é um importante recurso terapêutico mas quando, devido à secura dos solos, neles se infiltra torna-os inférteis - um perigo sempre que os aquíferos subterrâneos naturais se começam a esgotar. Neste momento, o recurso a barragens ou mesmo mini-hídricas não é, para a Quercus, a solução. As grandes (mais de cem) ou pequenas e médias (cerca de 800) infra-estruturas ocupam 90% dos troços dos rios (4) e afectam a sua conectividade, qualidade, quantidade e morfologia de água, além de, entre outros danos, a livre e efectiva passagem de peixes.
Em vez disso, a Associação Nacional de Conservação da Natureza, que aponta deficiências ao nível da aplicação, fiscalização e gestão das entidades responsáveis e documentação produzida, propõe a poupança do recurso hídrico e a micro-geração como moinhos de água, preservando em vez de destruir o património, como no caso de Alqueva onde «Pastagens, montados, olivais foram engolidos, centenários moinhos do Guadiana e um castelo ficaram cobertos pela água, estradas foram cortadas, conduzindo a lado nenhum, e uma povoação desapareceu para sempre» (5).

«O Programa Nacional de Barragens, onde a Barragem do Foz Tua se destaca como um dos casos mais deploráveis, deve ser cancelado. As nove grandes barragens aprovadas permitiriam satisfazer apenas 3% das necessidades anuais de electricidade em Portugal. Apostar em medidas de eficiência energética é dez vezes mais barato do que aumentar a capacidade instalada de produção de electricidade», escreviam há um ano, a Quercus, o GEOTA, Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, e o CEAI, Centro de Estudos da Avifauna Ibérica (6).

Aguados

Quase a finalizar a Década Internacional de Accção da Água para a Vida, estamos perante um confronto, como na Bolívia, entre os que lutam pelo seu controlo, domínio, privatização e em que a escassez de H2O se transforma em poder e lucro, e os que defendem o seu livre acesso, como um direito fundamental, a um bem indispensável à prossecução da vida e nela vêem a sacralidade, abundância, fertilidade e pacifismo. Em Portugal, Carmona Rodrigues, em entrevista a Carla Graça, afirmou que a privatização das "Águas de Portugal" deveria ser (re)equacionada pois o mais importante é a capacidade reguladora do Estado. O tema é objecto de atenção mediática internacional.
Os humanos, que são seres de água, constituídos essencialmente por ela, em especial o seu cérebro, dela dependem para sobreviver. Este elemento que não se fabrica, está na base do ecossistema, que provê a própria economia, hoje tão desejada. Constituída por elementais, como as ondinas, associada à terra, também ela elemento receptivo, omnipresença constante, em cada ser e objecto, interna e externamente, para tudo é necessária.
Contudo, aos olhos técnicos a água não passa de uma fórmula a controlar, manipular e explorar. O afastamento da Natureza levou a medi-la, a planifica-la estratégica e friamente. E desconhecendo-a, a Humanidade desrespeitou-a. Invadiu o seu próprio espaço, poluindo-a, abusando e desperdiçando-a. A água cai graciosamente e os humanos, além de não a aproveitarem, muitas vezes maldizem-na, quando chove na cidade, mesmo após anos de seca severa.
Cantada, em Portugal e no mundo, ela é hoje peça de Museu, uma prenda acessível, motivo de pesquisa, de invocação e também de atenção em fóruns de discussão real e internacional. Faz parte da pegada ecológica de cada ser humano que a requer pura para primeiro lavar e depois levar as suas máculas. Depois de tão ignorada, mal tratada e poluída, é da sua própria reabilitação que está dependente o futuro e regeneração da própria Humanidade.
(1) GRAÇA, Carla - Recursos hídricos em Portugal in QuercusAmbiente, Janeiro/Fevereiro, 2013, pág.4-5. (2) MUELLER, Bernd Walter - o segredo da água - a base para um novo mundo. Institute for Global Peace Work, pág.6. (3) CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain - Dicionário dos símbolos, Teorema, 1994, pág.41-46. (4) «Não nos sobram muitos rios num território já cortado em fatias por dezenas de auto-estradas», afirmavam Mara Sé, Bruno Caracol e Marcos Pais, na QuercusAmbiente, Maio/Junho 2012, nº52, pág.26. (5) JORGE, José Luís – Alqueva – paisagem de água. Tempo Livre, Setembro 2012, pág.28. (6) Quercus, GEOTA, CEAI – Plano Nacional de Barragens in QuercusAmbiente, Janeiro/Fevereiro 2012, pág.20.

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quarta-feira, 13 de março de 2013

Tecnologia?


Domingo é Dia Zeitgeist. Após o primeiro, segundo e terceiro filmes, dedicamo-nos hoje a um dos temas mais focados na trilogia.
Texto e fotografia Dina Cristo
O universo humano tem evoluído desde a era mitológica, cuja referência eram os Deuses, para a era teológica, cujo sentido era dado por Deus, até à era tecnológica (do retorno da Deusa). Aqui a fé é posta na invenção humana: depois dos utensílios, para produção, e dos instrumentos, para percepção, os dispositivos, para automação, são hoje o centro das atenções, aos quais o Ser Humano se devota e sacrifica, incluindo os seus recursos.
A crença na ordem performativa para resolução dos problemas humanos, o predomínio de técnicos no sistema socioeconómico, o culto e idolatria técn(ológ)ica, dissimulada pela sua “neutralização”, ‘naturalização’ e miniaturização, geraram a dependência técnica, a tecnofilia, a alienação do Ser Humano e a sua separação do mundo natural, como João Afonso retrata em “Ainda há caracóis”, do seu álbum “Zanzibar”, de 2002.
Este conhecimento, que visa o interesse do próprio sujeito e a sua utilidade imediata, ao contrário do desinteresse da “theoria” e do desapego da “aletheia”, recebeu, nos últimos séculos, a confiança de homens e mulheres, que nele depositaram a sua esperança na libertação, incluindo do esforço despendido, das actividades físicas às mais mentais, e de que o uso da máquina de calcular é exemplar.
Este crédito desenvolveu-se de tal forma que aquilo que começou como um meio (técnico) se tem transformado nos próprios fins – que são humanos; quando tal substituição se dá, alertava Max Weber, o mundo torna-se uma “gaiola de ferro”. Ao contrário da promessa de emancipação, ocorre o aprisionamento e, no caso da própria ordem simbólica, do discurso, fica também ela refém da competência técnica, como explica Adriano Duarte Rodrigues, no âmbito da logotécnica.
A penetração, o excesso e a imposição do mundo mecânico sobre o orgânico, dos fenómenos naturais, têm conduzido algumas pessoas e comunidades, pelo contrário, a uma reacção de tecnofobia, à dispensa e rejeição dos objectos técnicos.
Riscos técnicos
Apesar da técnica, como depois a tecnologia, ser sinal de desenvolvimento da racionalidade humana, desde a Revolução do Neolítico, se o pensamento não for devidamente acompanhado pelo aperfeiçoamento emocional e comportamento moral, como aconteceu com civilizações mais antigas, conforme alertou Omraam Aivanhov, tal, além de ser sinónimo de regressão, é perigoso e pode tornar-se igualmente (auto)destrutivo.
O menor esforço exigido, o maior conforto proporcionado, o crescimento da autonomia dos dispositivos e, simultaneamente, mais sujeição dos usuários, pode gerar a preguiça, a desatenção, a imprudência e o descuidar do autodomínio, explicava Omraam; além da menor independência humana, vigilância e discernimento, o mundo artificial contém o risco de promover a irresponsabilidade (como no caso da saúde), da irreflexão e mesmo do enfraquecimento do Ser Humano.
Ao contrário das pedras, plantas, animais e humanos, que se decompõem naturalmente, os resíduos técnicos poluem a Natureza. Além do mais, ao aumentar a quantidade e a velocidade geram excesso e desperdício que muitas vezes é sentido como insuficiência e escassez. O caso da obsolescência dos produtos e as sobras de produção de alimentos depois “enterrados” são disso exemplos.
Uso moderado
Entre a tecnofilia e a tecnofobia, para além da ilusão, da sedução técnica e do seu abuso ou mau uso, há hoje a consciência de que existe tecnologia suficiente para, finalmente, as colocar ao serviço das necessidades humanas e em colaboração com as leis naturais, num vórtex de abundância, paz e amor, com a forma a exprimir a vida, em detrimento da competição, do poder e do desrespeito em relação ao mundo natural.
Para além da alta tecnologia, da alta definição (meio quente) e da digital, há hoje vontade de promover a tecnologia média ou baixa, a “low technology”, livre, de “open source”, em pequena escala, a nanotecnologia, ou de carácter mais social. No caso de Tamera, existem experiências implementadas ao nível da descentralização e do auto-abastecimento, com base nos recursos naturais. Ao nível do movimento Zeitgeist, para além do projecto Vénus, de carácter mais ambicioso, “Aurora” documenta a defesa de uma tecnologia que satisfaça as necessidades de todos os indivíduos, sem desperdícios, através de uma gestão eficaz, científica, dos recursos.
Para além da reprodução, multiplicação, racionalização e reversibilidade, de meios de substituição (as próteses) ou melhoramento (as órteses), pode gerar-se verdadeira evolução e progresso técnico, com realização das potencialidades de (re)crição humana sem colapso, devastação ou desordem. Para o Centro de Pesquisa pela Paz, no Alentejo, o conhecimento tecnológico permitirá (re)unir aquilo que tem vindo a ser separado: o mundo que os humanos herdaram e o que criaram, sob cooperação, doravante, em benefício da Natureza e da própria Humanidade.

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