quarta-feira, 2 de abril de 2008

Moinhos ao vento


Quase ficavam reduzidos aos actuais moinhos de café. Testemunhos de uma importância económica e influência social, estão hoje a ser inventariados, preservados e revalorizados. Lembramo-los quando se aproxima o seu Dia Nacional, Segunda-Feira.



Texto e fotografia Dina Cristo

Na memória colectiva, os moinhos, com os seus provérbios, lendas, selos e moleiros, fazem parte do nosso património cultural. Estão espalhados por todo o território (inter)nacional: os de vento, mais no litoral, os de água (azenhas), sobretudo no Centro e Norte, e, na montanha, os mais pequenos (rodízios) - são os mais conhecidos. Há, contudo, outros, como as atafonas, moinhos puxados por burros e cavalos, que ainda funcionam nos Açores, ou os sazonais, que existem nos rios Guadiana e Zêzere.
Há milhares de moinhos no nosso país. Se, ao longo dos últimos tempos, foram sendo desactivados, abandonados, tornando-se ruínas, há, no entanto, actualmente um movimento no sentido da sua
inventariação e recuperação. São já algumas as organizações, uma ou outra empresa, vários os interessados na sua revitalização, animação com alguma fidelidade à sua função produtiva, no aproveitamento, como museus, na dinamização dos mais diversos projectos (turísticos, educativos, profutivos) e divulgação.
As suas mós, movidas pelo vento (energia eólica) ou pela água (energia hidráulica) fragmentam, trituram, filtram, seleccionam, peneiram, refinam os grãos de cereais. Separam o trigo do joio, o farelo de trigo, tradicionalmente considerado uma substância mais rude e por isso habitualmente dada a animais (hoje valorizada pelo seu valor nutritivo). Tudo, sem poluição ou desperdício. Hoje, as centrais de energia eólica, com as suas hélices, já não moem os grãos, apenas produzem energia.
A peneira era o instrumento por onde passava a farinha. Nos nossos dias, a expressão “peneiras” está relacionada quer com atitudes de orgulho (a vaidade de ter passado o crivo da fineza), quer com ilusão, a aparência exterior que engana ao contrário do interior (já refinado). Tal pode ser altamente simbólico. Paulo Ramalho pergunta, no caso das adversidades serranas, «Conseguiremos nós peneirar o passado no crivo do presente até lhe retirar o joio espúrio da pobreza e da miséria? E que destino dar a todo este grão, enfim limpo?», e conclui: «uma coisa é certa, cada geração come o
pão que outra antes amassou».
Tradicionalmente constituído por quatro velas, mais os respectivos espaços, representam, na interpretação de Humberto Álvares da Costa, os oito passos de Budha: concentração, contemplação, meditação, acção/existência, pensamento, palavra e compreensão justa.
Séculos de história
A 'época' dos moinhos em Lisboa foi entre meados do séc.XVIII e do séc.XIX. Segundo Jorge Miranda, presidente da Associação Portuguesa de Molinologia, com mais de vinte anos de investigação na área e referido pela agência Lusa, existiam, no final do séc.XVIII, cerca de cinco centenas. Começaram depois a encerrar, por motivos tecnológicos (a industrialização veio permitir a concentração da produção em fábricas de moagem) e mercantis (havia o acesso ao trigo importado, mais barato).
Desde há dois séculos, portanto, que a capital se tornou dependente do estrangeiro em cerca de oitenta por cento do trigo que consome. Eram seus proprietários burgueses, ordens religiosas e pessoas endinheiradas. Estas entregavam o seu investimento aos moleiros, que necessitavam de uma carteira profissional.

Em Cernache, onde foi criado um bairro dos moinhos, o primeiro documento que faz referência à sua existência, segundo Marco Paulo Cruz, data de 1086, «altura em que o presbítero Sendamiro Moniz doou à Sé de Coimbra metade dos seus moinhos que possuía em Anobra (…) no princípio do séc. XX, existiam ao longo das ribeiras de Cernache, Casconha e Pão Quente (estas afluentes da primeira), 58 assentos de moinho, com 112 casais de mós. No entanto, com o tempo, os moinhos de água começaram a parar e os açudes deixaram de fazer represa, as levadas e aguieiras entupiram e os rodízios a seco empenaram e deformaram-se».

A introdução de electricidade, nos anos 60, foi, como explica aquele assistente administrativo camarário, uma das razões para a alteração da sorte dos moinhos de água: «A grande indústria, sobretudo as moagens indus­triais, a alteração dos hábitos alimentares, o surgimento das padarias, a migração das popu­lações rumo a outras paragens, são outros tantos factores que contribuíram para a derrocada desta economia cujos pilares assentavam na moagem do milho (inicialmente, do arroz) e na distribuição da farinha pelos fregueses habituais - o carreto - para a confecção da tradicional

broa de milho, então, elemento essencial de sobrevivência das famílias e, subsidiariamente, à alimentação dos animais.» Moinhos ancestrais - uma herança cultural que ainda pulula pela nossa paisagem (mais) rural.

Etiquetas: ,