quarta-feira, 5 de março de 2008

Terra fria


Próximo do Dia Internacional da Mulher, este Sábado, evocamo-la através de um filme, que estreou em Portugal há dois anos: "North Country” - um ponto de vista feminino da realizadora Niki Caro sobre o assédio sexual.

Texto Dina Cristo

A película conta-nos a história de uma adolescente que depois de violada pelo professor aceita ter o filho. Mais tarde, decide recomeçar a vida, longe do companheiro que a violentava, junto com a sua filha. Pega nas duas crianças e ruma à casa dos pais, no Minnesota. O objectivo é sobreviver. Por isso, vai trabalhar para uma empresa que explora minas de ferro. O trabalho é pesado, mas bem pago, o que permite aos pequenos ensaiarem as alegrias de uma nova vida.
Contudo, tal conforto proporcionado aos filhos resulta num imenso sacrifício para si própria. Além de ter encarado a crueldade dos pais dos seus filhos, a difamação social e a rejeição familiar, enfrenta, naquele trabalho tradicionalmente ocupado por homens, uma humilhação permanente, uma violência - verbal, psíquica, física e mesmo sexual. Enquanto as portas de apoio se parecem fechar cada vez mais, o sofrimento só a fortalece: aumenta a consciência do seu direito a ser mulher e respeitada na sua dignidade, a poder viver e trabalhar sem ser agredida.
Perante a precipitação das acusações sociais de que é alvo, da frieza da família, a principal personagem de "Terra fria" aumenta o sua determinação interior, e com clareza, a força da sua razão. A perversão laboral permitida pela razão da força do dinheiro e do estatuto social sedimenta-se… até à resolução de colocar a empresa em tribunal.
Força ou razão
A princípio, o medo de perder o emprego e a necessidade de garantir o sustento familiar, levam as mulheres a consentirem o constante assédio sexual e humilhação. Desprotegidas pelos homens e pela sociedade, contam apenas com o seu coração que, apesar de tanto abuso e obscenidade, permanece puro e cheio de amor pelas crianças que deram ao mundo. Ainda que lhes atirem pedras, que as insultem e difamem, elas persistem em sacrificar-se. A sua coragem supera qualquer razão que a força possa parecer ter.
Bastou um coração de mãe a desenterrar uma alma de pai (lembrando-o de que a filha não cometeu qualquer crime, apenas deu à luz um bebé) para que, como num castelo de cartas, as pessoas se tocassem quanto à verdade da vitimação em vez de cristalizarem no estereótipo falso. Bastou a sua amiga quase moribunda expressar que estava a favor de Josey (a mulher que levou, através de um advogado, os homens a tribunal, defendidos por uma advogada) para que a minoria silenciosa começasse a manifestar-se. Muito mais do que três (mulheres), puderam assim dar início ao julgamento de classe contra uma empresa por assédio sexual.
O filme, produzido pela Participant, com música de Bob Dylan, foi inspirado em factos reais, relatados no livro “Class Action: The Landmark Case That Changed Sexual Harassment Law”, escrito por Clara Bingham e Laura Leedy Gansler sobre o caso de Eveleth Mines. Eis um produto da sétima arte que nos fala da incompreensão, da ligeireza da crítica social, dos maus tratos, da desumanidade, mas também de como apesar de tudo se preserva a sensibilidade, a honradez, o amor, a esperança, a força de vontade, a aspiração de verdade e de como partindo de um sentimento de impotência, inicial, se pode, afinal, mudar o mundo.

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