quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Darfur independente?

Não sabemos ao certo quantos, mas são milhares as pessoas que morre(ra)m e milhões as deslocadas. No terreno, há várias centenas de militares africanos cujo reforço está a ser preparado. O conflito, além das reportagens na comunicação social, tem dado origem a manifestações, campanhas, petições, filmes, documentários, discos, e até a uma televisão. Portugal pode ter, entretanto, uma palavra a dizer ao receber, em Dezembro, a II Cimeira Europa-África, pela mão da União Europeia e União Africana.

Texto Dina Cristo 

Desde há mais de cinquenta anos que o Sudão vive em conflito, entre o norte e o sul. Depois da primeira guerra civil entre 1955 e 1972, a segunda, a partir de 1983, não tem visto o seu fim. Apesar dos Acordos de Paz, assinados no Quénia, em 2005, e na Nigéria, em 2006, no terreno o desacordo impõe-se. Apesar das assinaturas no papel, as organizações humanitárias internacionais na região denunciam crimes contra a Humanidade como, por exemplo, o comércio de escravos ou genocídio.
Os conflitos étnicos sudaneses têm repercussões no Darfur, a terceira província, Ocidental, do Sudão, com meia dúzia de milhões de habitantes. Vive em guerra há quatro anos, quando o Movimento de Justiça e Igualdade e o Exército de Libertação Sudanesa, motivados pelo exemplo do Sul (cuja independência será decidida por referendo em 2011) pegaram em armas contra o Governo sudanês, acusando-o de privilegiar os pastores árabes em detrimento dos agricultores negros e de negligenciar a região da Casa dos Fur.
Por sua vez, Omar el Bashir respondeu com as milícias Janjawid, árabes aliados do Governo que tem massacrado a população Darfurense. Os ataques armados às comunidades já mataram milhares de pessoas, sobretudo civis, mulheres e crianças, destruíram centenas de aldeias, fizeram milhões de deslocados e mais seres humanos ainda a necessitar de ajuda para sobreviver. Segundo Desmond Tutu, Darfur regista hoje a maior concentração mundial de sofrimento humano.
Vítimas
Segundo o relato do jornalista da revista “Além-Mar”, Franco Moretti, o campo de refugiados de Kalma tem cerca de 170 mil pessoas, já pegado a Bileil, onde «os pobres, chegam em bicicleta, para adquirir a baixo preço óleo vegetal, algumas rações de cereais e pacotes de leite em pó fornecidos pelas ONG e pelo Programa Alimentar Mundial; os ricos, com carroças e camiões, sobre os quais carregam sacos, caixotes, fardos de roupa… para vender na cidade». Para proteger-se, nestes duas enormes fossas, os refugiados criam povoados de milhares de pessoas, que então enfrentam a falta de água e comida.
As mulheres, por exemplo, são várias vezes vítimas: são elas que vão buscar lenha e água para a família, são elas que são violadas e violentadas física e sexualmente e são ainda elas que depois são estigmatizadas socialmente e abandonadas pela família, vêem inviabilizada a sua futura realização. Por isso, os Médicos Sem Fronteiras apelam para que as vítimas sejam devidamente tratadas em vez de rejeitadas.
No Darfur está montada uma operação humanitária, com milhares de funcionários das Nações Unidas e da União Africana, cerca de cem ONG e missionários. O que sobra em assaltos e doenças falta em alimentos e medicamentos. Segundo o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, há apoio humanitário ao nível da alimentação, saúde e até educação, mas falta a segurança e a protecção. Em entrevista à Missão Press, em Junho de 2007, António Guterres explicou as dificuldades na aplicação do acordo da “responsabilidade de proteger” os cidadãos, por parte do Estado ou da comunidade internacional, cujo segundo aniversário se comemorou no dia 16 de Setembro, Dia Mundial por Darfur, celebrando o momento em que vários Governos se comprometeram a acabar com os genocídios e massacres em massa.
Causas
Para a Secção portuguesa da Amnistia Internacional «A escassez de terras leva a uma partilha, muitas vezes forçada, das propriedades dos agricultores com os nómadas». Segundo Duarte Ivo Cruz, a guerra surge “na sequência de uma alteração das fronteiras internas do Sudão, que retirou ao Sul a parte das jazidas de petróleo descobertas em 1980. Ora hoje o Darfur é atravessado pelo chamado Bloco 6 de exploração de petróleo, administrado pela China National Petroleum (…)”, escreve na “Tempo livre”. Para António Guterres, uma das principais razões é a falta de outro recurso natural: água: «No Darfur nós temos árabes e africanos, nómadas e sedentários, pastores e agricultores. Estas comunidades viveram durante séculos em harmonia, mas é também verdade que, quando os recursos diminuem, nomeadamente quando a água diminui — e, porventura, aqui as alterações climáticas virão a ser um factor agravante deste problema —, há uma tendência para o conflito. É evidente que, quando essa tendência é manipulada politicamente, pode conduzir àquilo a que estamos a assistir — os Janjauid, os grupos armados que, simultaneamente, conduziam em vez do exército o confronto com os movimentos rebeldes e atacavam aldeias de populações agrícolas para poderem aproveitar os recursos, nomeadamente o acesso aos pontos de água».
Há especialistas que defendem o congelamento das contas sudanesas no estrangeiro, a interdição do espaço áereo do Darfur ou a limitação das viagens dos líderes sudaneses ao exterior. A Rolls Royce, por exemplo, que fornecia motores à indústria petrolífera sudanesa, suspendeu todas as actividades no país como forma de protesto pelo que se passa na região, cujos planaltos superam os três mil metros.
Sudão
A República do Sudão é o maior país de África; ocupa a bacia do Alto Nilo. A mais usual das 115 línguas é o árabe e a população é maioritariamente islamita. Contudo, os conflitos entre duas das três províncias, a do Norte, tradicionalmente constituída por pastores nómadas, árabes e muçulmanos, e a do Sul, por população sedentária, tribal, africana, pagã e cristã, são antigos.
No Sudão, floresceram na Antiguidade, as civilizações Núbia e Kush. Aquando da expansão islâmica do séc.VII foi integrado no mundo árabe, com excepção do sul. Em 1821, grande parte da região norte foi ocupada pelo Egipto. Logo depois entra na influência do Reino Unido e em 1898 fica sob o domínio Egípcio-Britânico. Em 1953 obtém uma autonomia limitada e em 1956 a independência total, mas com ela chega também a instabilidade política.
Depois de uma democracia multipartidária segue-se, em 1958, um golpe militar, e em 1964 um regime civil. Em 1969, Jaafar Nimeiri toma o poder pela força e sobrevive a 12 tentativas de golpe de Estado. Em 1973, depois da autonomia do sul, proclama o Sudão um Estado de partido único. A partir de 1977, procura auxílio, no Ocidente.
O Sudão é rico em petróleo, gás natural, algodão, açúcar e produz sésamo e amendoim. Chegou a ter um plano para o transformar no celeiro do Médio Oriente, mas falhou por falta de apoio. Na década de oitenta, à beira da bancarrota, recebe a segunda maior ajuda a um país africano. Depois, é a seca, na terra e nos rios. Desde a década de setenta que a precipitação diminui e a população afectada, com falta de alimentos, refugia-se nos limites de Cartum, a capital. Junta-se, assim, ao cerca de um milhão de refugiados, que ali fogem da fome e da guerra no Egipto e no Chade, dois países vizinhos.
Em 1983, Nimeiri introduz a Shariri, a Lei islâmica que determina, entre outras medidas, a proibição de bebidas alcoólicas e punições por enforcamento ou mutilação. Acaba por ser derrubado, em 1985, por um golpe militar. A Sul causa a fuga de mais de 350 mil sudaneses para países vizinhos.
Por isso, um dos deslocados sul-sudaneses nas periferias das três cidades que formam a capital disse a Franco Moretti: «Durante vinte anos, Cartum fez-nos a guerra. E os soldados que nos massacraram eram na maioria provenientes do Darfur. Chegou a sua vez de experimentar a política do governo central.»
Em 1986 realizam-se as primeiras eleições democráticas que colocam no poder uma coligação de partidos do Norte cujo líder, Mahdi, enceta conversações com os revoltosos, mas sem êxito, já que o Governo é abortado devido ao falecimento, num acidente aéreo, do Vice-Primeiro Ministro, designado pela oposição.

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