quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Suástica: o lado desconhecido

Perto do fim do ano e começo de um novo, eis um dos signos tradicionais de boa sorte: a cruz suástica (no cimo deste símbolo da Sociedade Teosófica).

Texto Susana Nunes

Quando a maioria das pessoas olha para uma suástica, a primeira coisa em que pensa é na Segunda Guerra Mundial, no Nazismo e no Holocausto. Em perseguição, tortura, sofrimento e morte. No entanto, este símbolo é considerado uma das mais remotas formas da Cruz, já que as mais antigas suásticas datam de 2500 ou 3000 a.C. (Índia e Ásia Central). Assim, para além de ser dos mais encontrados, considera-se que é um dos mais antigos símbolos místicos da Humanidade. A palavra “suástica” vem do sânscrito e significa “aquilo que traz boa sorte”. A sua raiz, “Svas”, quer dizer bondade.
Universalidade
Seria de estranhar o facto de este símbolo ser encontrado em diferentes culturas sem contacto entre elas, mas, na verdade, existe uma explicação muito simples: desenhar duas linhas rectas perpendiculares sobrepostas no seu centro, com um braço em cada extremo, é básico. Então, tal como o círculo, por exemplo, é de se esperar ver-se este símbolo repetidamente, em diferentes lugares e épocas, devido à sua simplicidade.
Assim, se explica também a enorme variedade de suásticas que existem e a sua diversidade a nível de simbologias. A nazi, por exemplo, tem os braços voltados para a direita, sendo que um deles fica no topo. Várias suásticas são constituídas por três linhas e outras nem sequer têm braços, consistem em cruzes com linhas curvas. Portanto, os símbolos designados por suásticas são, muitas vezes, bastante distintos. A chamada suástica celta, por exemplo, dificilmente se assemelha a uma.
A suástica ou cruz gamada, como também é conhecida, é usada há milénios por diferentes povos. Faz parte da cultura dos budistas, dos hindus, dos aztecas, dos celtas, dos japoneses, dos chineses, dos gregos, dos dinamarqueses, dos escandinavos, dos saxónicos, dos nativo-americanos e até mesmo, quase ironicamente, dos judeus.
Simbologia
Na China, este símbolo místico representa a orientação quádrupla que segue os pontos cardeais, o infinito, a saúde, a felicidade e a perfeição cósmica.
No Tibete, é um talismã, signo da fortuna.
Na Índia, é um dos símbolos mais sagrados místicos e tem exactamente o mesmo valor que o “sinal da salvação” tem para os cristãos. Para os hindus, é símbolo do poder fertilizante da natureza, da sua regeneração característica, e os seus quatro braços representam os diversos planos de existência (o mundo dos Deuses, o dos Homens, o dos animais e o Mundo Inferior).
No Budismo, a cruz suástica é o selo sobre o coração de Buda e é um símbolo tão importante que ainda hoje é usado com frequência.
Para os escandinavos, é designada de “o martelo de Thor” e era usada como protecção contra as forças maléficas por guerreiros ou heróis que lutavam até à morte por justiça, pelo seu próprio povo.
A mais conhecida suástica, que também pode ser chamada de Roda Solar, porque simboliza o ano solar, com as suas quatro estações, representa a energia do cosmos em movimento, o que lhe confere dois sentidos distintos, consoante o lado para qual estão os braços: o horário, com os braços voltados para a direita (tal como o símbolo nazi), e o anti-horário, com os braços voltados para a esquerda.
A suástica em sentido horário representa o movimento evolutivo do Universo, as forças da criação. A cruz em sentido anti-horário remete para uma dinâmica involutiva, significa Entropia (as forças naturais que trabalham para o fim do Universo, para a destruição). Numa análise superficial, poderiam ser entendidas como a representação do Bem e do Mal, no entanto, considera-se que os dois lados da suástica têm o seu lado bom e o seu lado mau, tal como tudo na Natureza. Assim, os dois lados não se opõem, mas complementam-se, num equilíbrio dinâmico, sem tendências para a criação nem para a destruição.
“Omnipresença” no pré-nazismo
Antes de ter adquirido uma extrema conotação negativa no período do Nazismo, a suástica “estava em todo o lado”, tanto no sentido horário, quanto no sentido anti-horário, até nos EUA: a conhecida Coca-Cola lançou um pingente com este símbolo e a cerveja Carlsberg tinha-o gravado nas suas garrafas. Durante a Primeira Guerra Mundial, a 45ª Divisão da Infantaria americana usava a suástica laranja como emblema no ombro. Até mesmo os escuteiros distribuíam este símbolo como distintivo.
Até 1939, a Força Aérea Finlandesa tinha suásticas nas asas dos seus aviões. Mesmo as medalhas militares e civis emitidas pelo governo finlandês nessa época tinham a suásticas na sua concepção gráfica.
No entanto, desde que o exército alemão invadiu a França, em 1940, a suástica deixou de ter este carácter tão omnipresente e “desapareceu”, com a óbvia excepção das bandeiras Nazis.
“Usurpação” por parte dos Nazis

Ao contrário do que se possa pensar, a onda racista e xenófoba já era bem patente na Alemanha, mesmo antes de se consolidarem os ideais nacional-socialistas. Em 1897, por exemplo, Karl Lueger foi eleito em Viena por voto directo, apesar da sua campanha política se centrar na “libertação do povo cristão da opressão judaica”.
Foi, no entanto, com o Nacional-Socialismo (Nazismo), em 1920, que se veio consolidar a adopção da suástica por parte dos alemães, pois era um símbolo que tinha um significado muito importante para a “raça ariana”, o povo proto-indo-europeu.
Segundo os livros "Raízes Ocultas do Nazismo" de Nicholas Goodrick-Clarke e Hitler e as Religiões da Suástica de JeanMichel Angebert, é inegável o misticismo que envolvia o Partido Nacional-Socialista, para além do seu carácter político. De acordo com a ideologia deste partido, um ariano era qualquer pessoa não-judaica, cujos ancestrais fossem nórdicos. A palavra “ariano” vem do sânscrito “arya” e quer dizer “nobre”.
Refere-se a um povo de guerreiros e está associada a um estereótipo físico: os olhos azuis, o cabelo loiro, a pele clara e a robustez. Estes guerreiros julgavam que a suástica era o talismã que os ajudava garantir as suas vitórias nas batalhas. Foi devido a esses grandes triunfos que este povo se tornou ancestral da população que formou a base do que hoje são os diversos tipos étnicos da família europeia.
Muitos comparam toda esta grandiosidade aos nazis, que, em pouco tempo, conquistaram quase toda a Europa, apesar de não terem o exército mais poderoso, e que só perderam a guerra devido a um erro táctico de Hitler, na invasão da Rússia.
Aparente “queda” da suástica nazi
p>A queda da suástica nazi foi, aparentemente, tão rápida quanto a sua ascensão: em 1946, a sua exibição pública foi proibida constitucionalmente na Alemanha. No entanto, verifica-se actualmente que novas ondas de racismo e xenofobia, designadas de neonazis, por ressuscitarem esses mesmos ideais, têm vindo a surgir um pouco por todo o mundo.
No Brasil, por exemplo, em 1994, o presidente Itamar Franco proibiu o uso da suástica em todo o território, com o propósito de desencorajar o crescente neonazismo brasileiro. Nos EUA, tem-se verificado um aumento da divulgação da suástica, como símbolo do regime Nazi. Na Grã-Bretanha, em Maio de 2001, foram detidos cerca de 20 jovens, depois de várias manifestações de violência racista. Em Portugal segundo a revista Visão, também nesse ano se assistiu a uma concentração de skinheads (cabeças-rapadas) na Amadora e, em 2004, a uma grande polémica devido a um site português nazi ter divulgado uma lista de alvos “a abater”, com fotografias, moradas e números de telefone de mais de 20 pessoas.
Incerteza do futuro
A grande questão, actualmente, para aqueles que pretendem ver a simbologia original deste símbolo universal restaurada é se, algum dia, esta deixará de representar todos os crimes perpetrados pelo Regime Nazi. Esta é uma questão complicada, pois, em diversas partes da Ásia, a suástica não possui nenhuma das conotações que contém no Ocidente. Na Índia, por exemplo, existe uma marca de sabão Suástica, na Malásia, um estúdio fotográfico Suástica, e no Japão há cartões dos famosos Pokémon que possuem o “manji”, a suástica no sentido anti-horário.
Mesmo nos EUA, apesar das vagas neonazis, existe quem pretenda restaurar a simbologia original da suástica: a organização Friends of the Swastika (Amigos da Suástica), um grupo bem coordenado, formado em 1985.
No entanto, o futuro é incerto. Ao mesmo tempo que se verifica o ressurgimento de ideais nazis, também se verifica uma maior vontade em restaurar a essência da simbologia suástica, o que não tem sido fácil. Em 2003, por exemplo, a Coca-Cola teve de retirar do mercado um brinde promocional em forma de robot, por ter gravadas no peito duas suásticas, o que originou a revolta por parte da comunidade judaica. Esta não conseguiu compreender que esses símbolos não tinham qualquer ligação com a suástica nazi.
Provavelmente, vai existir sempre este “estigma” em relação à cruz suástica, pois, por mais que se tente explicar que existem duas faces neste símbolo, existe sempre quem não consiga esquecer os horrores que a ela estiveram associados, num dos períodos mais negros da nossa História Universal. Por mais nobre que a herança seja, o símbolo da suástica foi, provavelmente
para sempre, manchado pela associação aos Nazis, no mundo Ocidental.

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1 Commentarios:

Anonymous Anónimo disse...

A vossa citação só me faz lembrar o caso da marinha norte-americana que vai gastar parte do seu orçamento de Estado para 2008 com alterações ao edifício para que disfarce a cruz suástica, que até aqui permanecia oculta. Se a moda pega, muitas construções naquele e em muitos países passarão a ser destruídas.
Basta olharmos para o lado e vermos. Não é preciso indignação, revoltas ou contestações. Será suficiente se estudarmos a história, a antiguidade e o nosso passada humano colectivo.
Agora, atenção, uma coisa são os braços da cruz na direcção dos ponteiros do relógio (a suástica pervertida pelos nazis) outra - bem diferente – são os ponteiros para a esquerda: é que estes, se rodarem, naturalmente não magoam.

Pedro Soares

sexta-feira, 28 dezembro, 2007  

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