quarta-feira, 30 de maio de 2012

Terra louvada



Assinalamos os 40 anos do Dia Mundial do Meio Ambiente, Terça-Feira, com algumas palavras.

Texto e fotografia Dina Cristo


Água,

Bendita sejas,

Pelo que me refrescas.



Sol,

Bendito sejas,

Pelo que me aqueces.



Ar,

Bendito sejas,

Pelo que me purificas.



Terra,

Bendita sejas,

Pelo que me acolhes.



Bendito sejas Tu,

Senhor,

Porque os criaste


21/08/2003



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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Rádio Clube de Moçambique I


A chegar aos 80 anos, em Julho, aproveitamos para rever um pouco da história do Rádio Clube de Moçambique, entre 1958 e 1973, com base na sua revista "Rádio Moçambique"*. Nas vésperas do Dia de África, comecemos por uma breve contextualização e caracterização (d)e recuros deste Palácio da Rádio.

Texto Dina Cristo



Em 1932 eram ouvidas, em Moçambique algumas estações estrangeiras. O interesse no radioamadorismo fez com que dois ouvintes, Augusto das Neves Gonçalves e Firmino José Sarmento, tentassem montar um posto emissor. Após a legislação reguladora dos receptores particulares, a eles se juntaram algumas empresas vendedoras dos aparelhos e Aniano Serra. A primeira reunião teve lugar no Grémio Náutico no dia 5 de Junho de 1932.

Em meados de Julho, numa reunião no Teatro Scala, é fundado o Grémio dos Radiófilos da Província de Moçambique, cujos estatutos são aprovados ainda nesse mês, no dia 23. Firmino José Sarmento é eleito presidente da Assembleia Geral. O posto, CR7AA, foi montado e, a parir do dia 18 de Março de 1933, passou a emitir com maior regularidade. Os seus primeiros técnicos foram Alberto José de Morais, Augusto das Neves Gonçalves, com a colaboração de Luís Rodrigues (CR7AD).

Em 1934 dispõe de noticiários diários e música ligeira às Segundas e Quintas-Feiras. Em 1935 abre concurso para novos locutores e em Março de 1939 muda-se para instalações, alugadas, na Rua Araújo, na capital, altura em que se inicia, na Matola, a montagem do principal centro emissor. A 29 de Julho de 1937, passa a designar-se Rádio Clube de Moçambique (RCM).

Em 1939 faz a primeira grande reportagem do exterior, aquando da visita do General Carmona Rodrigues a Moçambique, cobrindo as cerimónias, sessões e espectáculos de gala, depois enviadas para a Emissora Nacional (EN), em Lisboa. Em 1943, as 1041 emissões preenche 2 663 horas de programação, numa altura em que a estação dispunha já de um trio, de um quinteto, de uma orquestras de cordas e de uma orquestra de variedades privativa.

O 18º aniversário da estação, em 1951, é comemorado nos novos estúdios, o luxuoso Palácio da Rádio, um edifício com sete pisos, com estúdios-salões e um restaurante privativo. Em 1957, a sede recebe mais de 20 mil visitantes, a grande maioria estrangeiros; em 1959 são 35.841 os que a visitam. A sua discoteca possui, em 1958, mais de 50 mil discos, atingindo, em 1970, os 120 mil.

Funcionam com a estação emissora várias orquestras - de concerto, sexteto, octecto, ligeira, e coro feminino, sendo privativas as orquestras de salão, de variedades e típica. Mais tarde, o RCM coloca em funcionamento um Centro de Preparação de Intérpretes de Teatro Radiofónico e um Centro de Preparação de Cançonetistas.

Em 1958, quando comemora 25 anos de existência, o RCM - uma instituição particular de utilidade pública, que também foi criada por colonos, como referiu o Vice-Presidente da Direcção da Associação dos Velhos Colonos - é já um símbolo e síntese da vida de Moçambique, um dos maiores, mais respeitados e ouvidos elementos de radiodifusão, segundo António Eça de Queirós, Director da EN. A estação recebe o grau de Oficial da Ordem Militar de Cristo e, entre outras, a Medalha de Ouro de Serviços Distintos da Câmara Municipal de Lourenço Marques, pelo «(…) trabalho magnífico de divulgação e propaganda (…)».

Em termos de estrutura, a seguir aos órgãos superiores (a Assembleia Geral e o Conselho Fiscal) surge a Direcção (que compreende um Presidente, Vice-Presidente e vários Vogais), logo seguida da Gerência, órgão coordenador dos diferentes serviços, sob a sua dependência: Serviços Centrais (onde se inclui as Informações e Propaganda); de Contabilidade; de Produção (que inclui os noticiários); de Rifa e Competições e os Serviços Técnicos (onde estão inseridos os exteriores). Cada uma destas cinco Divisões tem um chefe que superintende as diversas secções e as liga à Gerência.

A 5 de Julho de 1973, Augusto das Neves Gonçalves é substituído, na Presidência da Direcção do RCM, por Humberto Albino das Neves, Director das Alfândegas de Moçambique, numa altura em que se comemoram os 40 anos de existência (com uma exposição histórico-iconográfica na Sociedade de Estudos, que integra oito painéis), os mesmos do seu fundador à frente da emissora, ora como Gerente-Geral ora como Director e depois como Presidente da Direcção, retirando-se, às vésperas do 25 de Abril, tendo sido, então, proclamado Sócio-Honorário.

Entre 1958 e 1973, têm expansão o transístor, que permite, com pequenas pilhas, cerca de 450h de audição autónoma - os portáteis que acompanham os ouvintes enquanto se deslocavam: «É tão vulgar encontrar-se nestes nossos dias uma pessoa transportando consigo um aparelho de rádio, de transístores, para ouvir o programa da sua emissora enquanto trabalha, passeia, descansa ou, até, conversa com amigos, familiares ou conhecidos, que não deve haver praticamente ninguém que não conheça essas pequenas maravilhas desta época em que vivemos».

Os magnetofones, gravadores portáteis, cujo aparecimento deu origem à Federação Internacional dos Caçadores de Som, com sede em Bruxelas; a Frequência Modulada (FM), livre de interferências e os auto-rádios, isentos de taxa de radiodifusão são algumas das maravilhas técnicas do período em estudo.

A partir de 18 de Março de 1963, Lourenço Marques é a terceira zona do mundo a estabelecer emissões estereofónicas, de alta-fidelidade, aplicado nomeadamente ao teatro, com audições públicas devido ao reduzido número de ouvintes com receptores estereofónicos em 1964, ano em que, em média, se transmite dez discos estereofónicos no programa C.

Em 1972, no Centro de Lourenço Marques funcionam 20 emissores, com uma potência total de 525 kw; no Centro Beira/Dondo, sua extensão, possui sete emissores com 215 kw e nos Emissores Regionais de Quelimane, Nampula e Porto Amélia 16 emissores num total de mais de 280 kw.

Depois de 1974, o RCM defende abertamente a independência, passa a designar-se por Rádio Moçambique, sob os auspícios da FRELIMO, integra a Rádio Pax e a Rádio do Aero Clube da Beira (que em 1958 transmie habitualmente entre as 11.30 e as 22h) intensifica o uso das línguas nativas e expande ainda mais a cobertura às províncias e distritos, como relata Eduardo Namburete.

Colaboram com a estação nomes como Luís Pereira de Sousa (correspondente em Lisboa), que entrevista, por exemplo, o jornalísta de rádio crítico, Luís Filipe Costa; Carlos Pinto Coelho, que participa no “Jornal da Noite”, ou António Luís Rafael. Locutor de primeira classe e quadro do RCM desde 1963, é enviado especial a Lisboa aquando da doença do Presidente do Conselho, Oliveira Salazar; entrevista Edmond T.S. Brown, presidente do consórcio Zamco, a quem foi adjudicada a construção da barragem de Cabora-Bassa e, em 1969, entrevista o Governador-Geral de Moçambique, Balthazar Rebello de Sousa, sucessor do almirante Sarmento Rodrigues, está entre os 565 funcionários que a emissora detém a 18 de Março de 1973, alguns caricaturados nas páginas da sua revista.

Ao longo dos anos 50 e 60, o Rádio Clube de Moçambique apresenta o seguinte índice de desenvolvimento : «Considerando como 100 o valor correspondente ao ano de 1935, desenha-se a seguinte curva: 85 (1940), 91 (1945), 535 (1950), 691 (1955), 777 (1960), 1056 (1965) e 2204 (1968)».

Em termos financeiros, a estação apresenta, continuamente, uma situação desafogada, o que lhe permite investir 140 mil contos em instalações em (vias de) funcionamento, em 1970, totalizando, em 1972, os 160 mil contos. Segundo o relatório da Direcção referente ao exercício de 1969, o saldo positivo da conta é distribuído 5% para o Fundo de Reserva, 5% para o Fundo de Renovação e 90% para o Fundo de Melhoramentos.

Em 1970 o RCM é, segundo Virgílio Rodrigues, uma emissora financeiramente sólida, mas passados dois anos, pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, o RCM apresenta, um saldo negativo de 1 776 907$77, mesmo após a criação do programa D, com objectivos comerciais. São apontadas como principais causas a desvalorização do Rand, a redução da receita dos juros e da publicidade comercial bem como o aumento de encargos com a exploração e administração dos novos investimentos realizados.

Além do Centro Emissor e Centro de Comando do Dondo, Central Técnica e Estúdios da Beira, Centro Cultural e a instituição da Caixa de Pensões, no final do Estado Novo, intensifica-se, já no Marcelismo, o investimento nos ER o que, embora muitos dos equipamentos sejam construídos nos próprios laboratórios e oficinas do RCM, implica um grande esforço financeiro e humano, em consequência do alargamento dos tempos de emissão, com aumento das despesas em colaboradores e horas extraordinárias.

* Fotografia: capa da revista "Rádio Moçambique", nº 259, de Fevereiro de 1958.

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Vida africana

Antes do Dia de África, evocamo-la através da imagem.

Fotografia Catarina Tagaio


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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Comunicação maravilhosa


Este Domingo, em várias cidades portuguesas, vai-se sentar e caminhar em paz - precisamente no mesmo Dia Mundial das Comunicações, dedicado ao silêncio, cuja criação vamos espreitar.

Texto Manuel Oliveira de Sousa fotografia Dina Cristo



A história da comunicação poder-se-á confundir com a história humana(1). Porém, a comunicação de massa considera-se, genericamente, que teve o seu início em Guttenberg, com a invenção da imprensa. Aos livros produzidos em série a partir do século XV e os primeiros jornais no século XVII foi-se acrescentando o cinema, no fim do século XIX, a rádio e, depois, a televisão no início do século XX. A Igreja, porém, acompanhava tais meios com desconfiança, permitindo assim que muitas pessoas sentissem a sua utilização com fins pouco virtuosos.
O decreto Inter Mirifica (2) (IM) surgiu como que uma necessidade para orientar os cristãos e convocá-los para um uso correto dos meios de comunicação. Foi uma maneira de reconhecer a importância da comunicação de massa como meio capaz de movimentar indivíduos e sociedades e o seu valioso auxílio para o desenvolvimento do ser humano e para a evangelização.
Inter Mirifica é o segundo dos dezasseis documentos publicados pelo Vaticano II. Aprovado a 4 de dezembro de 1963, assinala o primeiro momento em que um concílio da Igreja aborda a problemática, a comunicação. Este documento revestiu-se, e reveste-se, de particular importância pela oportunidade, por dar escala, e por alguns elementos cujo conteúdo projetou ad intra, no seio da própria Igreja Católica, mas também ad extra, para a sociedade, para o mundo. A Igreja assegura a obrigação e o direito de utilizar os instrumentos de comunicação social. Além disso, este decreto apresenta a primeira orientação geral da Igreja para o clero e para os leigos sobre o emprego dos meios de comunicação social. Passou a existir uma referência sobre a posição oficial da Igreja na matéria.
Porém, desde o primeiro momento, o tema não foi pacífico de tratar o que, só por si, releva, a esta distância, a importância dada à compreensão sobre tal assunto, o texto e contextos naquele período histórico da Igreja e do Mundo.
O decreto Inter Mirifica foi preparado antes da primeira sessão do Vaticano II, pelo Secretariado Preparatório para a Imprensa e Espetáculos (novembro de 1960 a maio de 1962). O esboço do documento foi aprovado pela Comissão Preparatória Central do Concílio. Posteriormente, em novembro de 1962, o documento foi debatido na primeira sessão do concílio e o esquema, aprovado, mas o texto foi considerado muito vasto. A drástica redução do texto deu espaço a conotações e margem para as mais variadas conclusões. Durante o primeiro período conciliar, os 114 artigos foram reduzidos para 24 e submetido novamente à assembleia, em novembro de 1963. A apuração dos votos registrou 1598 "sim" contra 503 "não". Inter Mirifica foi o documento do Vaticano II aprovado com o maior número de votos contra, o que demonstrará um pouco da singularidade.
Pode-se ainda sublinhar, para encerrar este enquadramento, que os resultados do Concílio Vaticano II deixaram, de modo geral, a maioria dos católicos satisfeitos; porém, também houve contestação. Os conservadores censuraram o concílio pelas suas tendências ecuménicas e modernistas, e insistiram na continuidade do passado. Por outro lado, os progressistas queixaram-se de que, embora o concílio tenha feito algum progresso, falhou no tratamento das estruturas hierárquicas da Igreja. E argumentaram que o sentido real do concílio estaria na sua inovação, aplaudindo a decisão do Vaticano II de romper com o “juridicismo”, o clericalismo e o triunfalismo dos tempos pré-conciliares.
O texto conciliar, desde logo antecipado nos dois números do proémio, possui uma organização interna do texto e dos respetivos conteúdos assente no binómio importância e subsídios do Decreto para a sociedade e comunicação – ad extra – e assunção da transformação do pensamento e ação da Igreja – ad intra. Isto mesmo é refletido nos dois capítulos que, nos seus 24 números, como foi referido anteriormente, tratam o pensamento da Igreja Católica, pela primeira vez, ao nível pontifício, sobre a comunicação de massa e aponta para várias iniciativas que ao longo dos anos se foram concretizando: criação do secretariado pontifício e secretariados nacionais, dia mundial da comunicação social, instruções pastorais, associações internacionais.
O primeiro propósito está no acolhimento que o Vaticano II dá aos instrumentos de difusão da comunicação em massa, IM, 1: “Entre as maravilhosas invenções da técnica que, principalmente nos nossos dias, o engenho humano extraiu, com a ajuda de Deus, das coisas criadas, a santa Igreja acolhe e fomenta aquelas que dizem respeito, antes de mais, ao espírito humano e abriram novos caminhos para comunicar facilmente notícias, ideias e ordens”.
Sucede, a este primeiro propósito, o contributo concetual, novidade até então, acerca destas maravilhosas invenções da técnica. Há um elemento concetual. O documento refere-se aos instrumentos de comunicação, tais como imprensa, cinema, rádio, televisão e outros meios semelhantes, que também podem ser propriamente classificados como meios de comunicação social (IM, 1). Estava encontrada a matriz para expressar na generalidade o que só se sabia dizer na especificidade.
Reconhecida importância e “batizada” a essência da maravilha que se abre à humanidade na reprodução mecânica, surge, na segunda parte da nota introdutória, os desígnios axiológicos e teleológicos que convém cuidar, com a convicção que “aproveitarão não só ao bem dos cristãos, mas também ao progresso de toda a sociedade humana” (IM, 2).
Legitimando a utilização destes instrumentos numa dialética permanente entre a importância e o reto uso, estabelece as normas necessárias a esse fim.
Porém, provavelmente a maior contribuição do Inter Mirifica, foi a sua assertividade sobre o direito de informação. É intrínseco à sociedade humana o direito à informação sobre aqueles assuntos que interessam aos homens e às mulheres, quer tomados individualmente, quer reunidos em sociedade, conforme as condições de cada um (IM 5). Residirá aqui a mais importante declaração do documento; este trecho demonstra que o direito à informação foi visto pela Igreja não como um objeto de interesses comerciais, mas como um bem social. Dezassete anos depois o Relatório MacBride(3) iria além do "direito à informação" ao defender o "direito à comunicação".
O primeiro capítulo ainda aborda temas como a opinião pública, já considerada anteriormente por Pio XII. E dirige-se ao público em geral, não apenas ao que está ativamente envolvido com os meios de comunicação, mas também ao recetor das mensagens.
O número doze foi um dos mais polémicos. Analisa o dever da autoridade civil de defender e tutelar uma verdadeira e justa liberdade de informação. Este artigo foi interpretado, especialmente por alguns jornalistas americanos, como sendo contra a liberdade de imprensa. Realmente, o Inter Mirifica justifica a interferência do Estado, a fim de proteger a juventude contra a "imprensa e os espetáculos nocivos à sua idade" (IM 12).
Em latim civilis auctoritas (autoridade civil) tem significado diferente de publica potestas (poder público). A tradução, em diversas línguas, acabou por reduzi-los a "sociedade civil". No entanto, atribuir direitos e deveres à sociedade civil não parece ser a mesma coisa que atribuí-los às autoridades públicas, aos governos.
Na segunda parte do documento, surgem os contributos para a transformação do pensamento e ação da Igreja – ad intra.
Desde os parágrafos introdutórios que é sublinhado o direito da Igreja usar os instrumentos de comunicação social. Só por si, este elemento, potencia e universaliza as potencialidades da comunicação. Mas desde logo reivindica, como direito inato, o uso e a posse de todos os instrumentos desse género, que são necessários e úteis para a formação cristã e para qualquer atividade empreendida em favor da salvação do homem (IM 3).
Incidindo mais na ação pastoral da Igreja, no uso da comunicação social, tanto o clero como o laicado foram convidados a empregar os instrumentos de comunicação no trabalho pastoral. Enumeram-se então diretrizes gerais, referentes à educação católica, à imprensa católica e à criação de secretariados diocesanos, nacionais e internacionais, de comunicação social ligados à Igreja (IM 19-21). São sugeridas medidas para que se consagre um dia por ano à instrução do povo no que tange à reflexão, discussão, oração e deveres em relação às questões de comunicação - Dia Mundial das Comunicações (IM 18) (4). Do mesmo modo, determinou a elaboração de uma nova orientação pastoral sobre comunicação, "com a colaboração de peritos de várias nações", sob a coordenação de um secretariado especial da Santa Sé para a comunicação social (IM 23).
O Papa Paulo VI relevou a importância do Inter Mirifica. Contudo, percebe-se que, se este decreto tivesse sido discutido mais no final do concílio, após as muitas sessões consagradas à Igreja no mundo moderno e à liberdade religiosa, o texto do Inter Mirifica teria sido particularmente mais enriquecido. O decreto olhou para o passado e não para o futuro, olhou mais para dentro e pouco para fora. Não aproveitou as realizações criativas do profissionalismo e da prática secular em comunicação de massas, como forças que articulam os meios de comunicação. Por exemplo, anúncios, marketing, relações públicas e propaganda.
Em síntese, apesar das limitações, ressaltam aspetos positivos que é sugestionável destacar.
Transformou em objeto de atenção por parte da Igreja e suscitou o desenvolvimento em dimensões maiores ou menores, segundo o interesse e a "inculturação" da Igreja nas mais diversas realidades.
Assinalou uma mudança em relação aos media e, um Concílio ao abordar o assunto, a comunicação, deu independência ao tema dentro da Igreja.
Fez algum avanço em relação aos documentos anteriores, ao conferir à sociedade o direito à informação (IM 5), à escolha livre e pessoal, em vez da censura e da proibição (IM 9). Além de reconhecer que é dever de todos contribuir para a formação das dignas opiniões públicas (IM 8), o decreto assume os instrumentos de comunicação social como indispensáveis para a ação pastoral; o Inter Mirifica oficializa o Dia Mundial das Comunicações (5), o único indicado por um concílio da Igreja.
Introduziu um novo conceito na abordagem ao fenómeno da comunicação.
Inaugurou um trajeto de reflexão, aprofundamento académico e ação através dos diversos meios de comunicação social e redes sociais. Desatacam-se, a nível pontifício, como resposta pastoral ao decreto Inter Mirifica (1963), a instrução Communio et Progressio (6) que o papa Paulo VI promulgou em 1971.
Depois João Paulo II, com a Aetatis novae (22.2.1992); os documentos do Conselho Pontifício das Comunicações Sociais Ética na publicidade (1997), Ética nas Comunicações Sociais (2000) e Ética na Internet (2002); de referir ainda a Encíclica Redemptor hominis (7.12.1990) e a Carta Apostólica no 40º aniversário da Inter Mirifica (21.2.2005) sobre o grande desenvolvimento dos media, ambas de João Paulo II. Todos os anos, desde 1966, pela Ascensão, se celebra o Dia Mundial das Comunicações Sociais, para o qual o Papa publica, com a data da festa de S. Francisco de Sales (24.1), uma mensagem. São instrumentos de comunicação social da Santa Sé: a Tipografia Vaticana (desde meados do séc. XV), o diário L’Osservatore Romano (desde 1861) e suas edições semanais mais recentes em 7 línguas, a Libreria Editrice Vaticana (desde 1926), a Rádio Vaticana (desde 1931) e o Centro Televisivo Vaticano (desde 1983).
Em Portugal, os Bispos, perante o clima adverso dos inícios do séc. XX e depois no tempo da renovação (a partir dos anos 20), deram particular atenção à imprensa regional de inspiração cristã, tendo sido criados por essa altura a maioria dos jornais diocesanos e o diário Novidades (nas mãos do Episcopado, de 1923 a 1974). Foi também assinalável a publicação de livros católicos (da União Gráfica e outras editoras) e de diversos jornais e revistas, sobretudo dos institutos religiosos. Respondendo a apelo de Zuzarte de Mendonça na revista Renascença (1933), foi lançada, inicialmente sob a égide da Acão Católica Portuguesa, a Rádio Renascença, Emissora Católica Portuguesa (com emissões desde 1937) que, sob a gestão, durante 30 anos, de Monsenhor Lopes da Cruz, passou a ser a estação de rádio mais ouvida.
Mais recentemente, para além de serviços pastorais específicos, como Secretariados Diocesanos e nacionais da Comunicação Social, foi criada a Agência Ecclesia com diversidade de plataformas.
Falharam, porém, as tentativas de um canal de televisão (Canal 4)
Referência bibliográficas:
HABERMAS, Jurgem (1986). Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Biblioteca templo universitário.
MACLUHAN, Marshall (1996). Os meios de comunicação como extensão do homem. São Paulo: Cultrix.
MENDIETA, Eduardo e VANANTWERPEN, Jonathan (Coord.) (2011). The power of religion in the public sphere. New York: Columbia University Press.
BENTO XVI (2006). Os mídia: rede de comunicação, comunhão e cooperação. Em 24 de janeiro.
JOÃO PAULO II (2002). Os meios de comunicação social e a nova evangelização. Em 1 de Março.
JOÃO PAULO II (2005). O rápido desenvolvimento. Em 24 de janeiro
JOÃO PAULO II (2001). Carta apostólica Nuovo Millenio Ineunte. Em 6 de janeiro
VATICANO II (1962-1965). Decreto “Inter Mirifica” sobre os meios de comunicação social (1963), in Concílio Ecuménico Vaticano II (19839). Braga: Editora AO, pp. 42-52.

(1) É interessante fazer uma análise sinótica com Walter Benjamin, A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução.
(2) Designado em latim, como é comum nos documentos oficiais da Igreja Católica, por ser a língua institucional da Igreja sediada em Roma, e por, na tradição da Igreja, serem as primeiras palavras dos documentos que os intitulam. No caso, “Inter mirifica…”, isto é, “Entre as maravilhosas…”.
(3) MacBride - Many voices, one world: communication and society today and tomorrow (Unesco, 1980) (Muitas vozes, um só mundo: comunicação e Sociedade agora e no futuro).
A comunicação, atualmente, é material de direitos humanos. Mas é interpretada cada vez mais como um direito à comunicação, indo além do direito de receber comunicação ou de ter acesso à informação (MacBride 172).
(4) Em Portugal, a Conferência Episcopal instituiu o Domingo em que se celebra a Ascensão de Jesus ao céu.
Esta solenidade foi transferida para o 7º domingo Páscoa desde seu dia originário, a quinta-feira da 6º semana de Páscoa, quando se cumprem os quarenta dias depois da ressurreição, conforme o relato de São Lucas em seu Evangelho e nos Atos dos Apóstolos; mas continua conservando o simbolismo da quarentena: como o Povo de Deus esteve quarenta dias em seu Êxodo do deserto até chegar à terra prometida, assim Jesus cumpre seu Êxodo pascal em quarenta dias de aparições e ensinamentos até ir ao Pai. A Ascensão é um momento mais do único mistério pascal da morte e ressurreição de Jesus Cristo, e expressa sobretudo a dimensão de exaltação e glorificação da natureza humana de Jesus como contraponto à humilhação padecida na paixão, morte e sepultamento.
Ao contemplar a ascensão de seu Senhor à glória do Pai, os discípulos ficaram assombrados, porque não entendiam as Escrituras antes do dom do Espírito, e olhavam para o alto. Aparecem dois homens vestidos de branco, é uma teofania, a mesma dos dois homens que Lucas descreve no sepulcro (24,4). Neles a Igreja Mãe judaico-cristã via acertadamente a forma simbólica da divina presença do Pai, que são Cristo e o Espírito.
(5) Em 2011 celebrou-se o 45º, sob o tema, Mensagem do Papa Bento XVI, “Verdade, anúncio e autenticidade de vida, na era digital”.
(6) Trata-se de um documento pastoral da Igreja que não tem caráter dogmático. Não é uma encíclica, nem um documento conciliar da Igreja como o Inter Mirifica. A Communio et Progressio foi escrita pela Comissão Pontifícia para os Meios de Comunicação Social. De fato, o nome completo do documento é "Instrução Pastoral para a aplicação do Decreto do Concílio Ecuménico Vaticano II sobre os Meios de Comunicação Social". O documento, marcado pela abertura que caracterizou os documentos do concílio, mas sobretudo a evolução das mentalidades nos anos seguintes, desenvolve-se em 187 artigos e distingue-se do decreto Inter Mirifica particularmente pelo seu estilo.

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quarta-feira, 9 de maio de 2012

Dedos à mão



Vinte anos depois, recordamos o poema (também com música) de Carlos Paião, “Canção dos Cinco Dedos”.


Fotografia Dina Cristo

São cinco dedos,

Cada qual com seus segredos,

Lado a lado, lado a lado.

Do teimoso polegar,

Que dá dedadas, a agarrar,

Ao mais fininho – o mindinho.



Cinco dedos

São cinco bons brinquedos

Em sincronização.



Um por um aqui estão,

Resguardados no dedal da nossa mão.



O dedo médio

Fica ao meio, que remédio,

É sina sua, capicua…

O altivo indicador

Aponta o bem, indica a dor.

E o anelar dá jeito a quem noivar.



Polegando,

Palmo a palmo palmilhando,

Como um circo em construção.



Um por um aqui estão.

São diferentes, mas, unidos, dão a mão.



E assim como a cinco, sinto os dedos musicais.

E os meus cinco sentidos, em crescendo, já são mais

Cinco dedos sincopados sustenizam num bemol,

Dó ré mi fá sol lá cinco, simples como o sol



E brinco com afinco,

Queria ser um girassol …



(Até para ser dedo é preciso ter unhas …)



São cinco dedos,



São delícias, são enredos

Dedicados, dedilhados …

E, num dédalo de dedos,

Deduzimos a lição:

São amigos que nós temos mesmo à mão!



Sempre à mão …

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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Jornais (im)pre(s)sos



Estamos em vésperas do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa que, segundo José Manuel Tengarrinha em entrevista à Antena 1, não existe, hoje, face às forças ocultas, com interesses camufladas e actuações sofisticadas. Ensejo para redescobrir as suas origens, seguindo a obra clássica do autor octogenário.


A "História da Imprensa Periódica Portuguesa" é uma obra* que nos apresenta a evolução da imprensa portuguesa desde o século XVI. Incide em explicações dos estados sociológico e político que nas várias épocas se foram vivendo e na influência recíproca que esses acontecimentos e imprensa exerciam. Refere ainda as dificuldades técnicas e legislativas existentes.

Primeiras folhas noticiosas

A primeira folha noticiosa de que há registo, em Portugal, data de 1588, com informação sobre a destruição da “Armada Invencível”. Os registos seguintes faziam referência ao tempo e suas implicações na economia. Entre 1640 e 1643 há conhecimento de várias folhas manuscritas, normalmente de gazetas estrangeiras, originais ou traduzidas. Eram então o único meio de informação.

A primeira folha noticiosa impressa remete a 1655. Devido ao domínio espanhol, no segundo quartel do século XVII a circulação de folhas volantes aumentou e também surgiram os pasquins.
Primeiro jornal

As chamadas Gazetas da Restauração foram as primeiras a reunir a periodicidade (a primeira é mensal), a continuidade e o objectivo informativo. A primeira data de 1641. Apesar do seu aparecimento, as relações não diminuíram, e também apareceu o panfletarismo, com o intuito de alcançar o público interessado nos acontecimentos do País, quebrando as limitações encontradas na comunicação pelos livros. Foi neste contexto de agitação política que surgiu o jornalismo.

Nesta época surgiram também os mercúrios. O mais importante foi o Mercúrio Português, que durou de 1663 a 1667, redigido por António de Sousa Macedo. Tinha intenção política, mantendo na mesma o carácter noticioso.

Terminando o Mercúrio Português, não há imprensa periódica em Portugal até ao fim desse século. No início do século XVIII só a Gazeta foi criada, e dela apenas se conhecem dois números. Em 1715 apareceu a Gazeta de Lisboa, dando notícias internas, estrangeiras e das nomeações do governo português. Tornou-se na folha oficial, ao qual mais tarde o governo pombalino deu ordem de suspensão.

Nesta altura surgiram os primeiros periódicos de crítica social. O redactor do Lisboa, Correia Garção, morreu na prisão e alguns periódicos foram suspensos. Nasceu também a Gazeta Literária, considerada a primeira do jornalismo literário em Portugal, com “críticas inteligentes e bem formadas” deixando “um público culto português ao corrente das principais obras sobre literatura, artes e ciência” (p 47). Vários factores vieram dar espaço para nascer o enciclopedismo.

Em 1809 apareceu o primeiro periódico quotidiano, o Diário Lisbonense, saindo todos os dias menos ao Domingo e dias santos. No espaço de quatro meses passou a haver mais quatro diários. Este fenómeno cultivou ainda mais a curiosidade e a vontade de estar actualizado por parte dos leitores. Contudo alguns destes periódicos tiveram um curto tempo de vida.

Periódicos especializados

Apesar de atrasados relativamente a alguns países da Europa, no século XVIII apareceram periódicos que tratavam apenas ou de forma dominante de um certo assunto, sendo que a maioria tratava de assuntos literários, científicos e comerciais. Estes últimos eram caracterizados pelo seu “mau estilo, erros gramaticais e pobreza de vocabulário” (p 53). Os jornais especializados mostravam uma diversificação dos gostos do público, exercendo-se naturalmente uma maior influência. Nesta fase notava-se uma imprensa literária pobre, em grande parte devido ao controlo e repressão desde sempre feitos à literatura e ao jornalismo político.

No fim deste século e início do século XIX houve um grande crescimento dos periódicos humorísticos, também devido a uma vida com condições que poucos motivos de alegria proporcionava, tendo estes jornais bastante saída. Acima de tudo tratava de crítica social, mas há excepções, sendo que alguns tratavam apenas de diversão pura, sem qualquer crítica.

As muitas publicações de pendor sentimental que surgiram eram demonstrativas da tendência pré-romântica, com exageros sentimentais e desapegos aos valores clássicos, originando novas formas de pensamento. Apesar de periódicas, não eram jornalísticas.

Invasões napoleónicas

Até às invasões francesas o jornalismo político em Portugal era escasso, sendo que nessa altura o único jornal político era a Gazeta de Lisboa. É em 1808, já durante as invasões, que começou a haver jornalismo de combate, e aqui tiveram grande importância os papéis clandestinos. Nele havia diversas opiniões, fervilhando o ódio e os comentários apaixonados contra os invasores. Só durante o 1809 publicaram-se 24 periódicos. Neste período foi dada certa liberdade à imprensa devido ao apoio que os poderes portugueses precisavam para combater os franceses, a qual foi retirada novamente mal a guerra acabou. Aliás, entre a segunda e a terceira invasão já era evidente a preocupação dos governantes. Foi também quando se começaram a publicar as ideias liberais, considerando-se o Correio da Península o primeiro periódico liberal português, que logo foi suprimido. No entanto, o dinamismo estava instalado e após as invasões a imprensa não voltaria a ser como antes, pois a diferença era evidente tanto ao nível da atenção no tratamento dos assuntos como ao nível do interesse do público. A política era agora curiosidade de todos.

Os franceses sabiam do poder que as ideias revolucionárias dos papéis tinham, então assumiram a estratégia de inserir através deles a actividade propagandística nos países que dominavam. Neles se expressava, por exemplo, que a população estava tranquila, que Napoleão trazia benefícios, entre outras. Estes levavam a vantagem de poder espalhar a literatura panfletária e até afixá-la nas ruas.

Pós-Revolução de 1820

Após a Revolução de 1820, houve a preocupação de assegurar a estabilidade, e para tal continuou a existir censura prévia a livros e periódicos. No dia em que se jurou a Constituição foram dadas “instruções quanto à forma de proceder à censura dos jornais” (p 124). Isto gerou controvérsia, defendendo que “A Liberdade de Imprensa é a salvaguarda da Constituição” e que todos têm direito de apresentar as suas ideias. Multiplicaram-se então os periódicos, e houve uma reacção por parte dos homens defensores do Portugal Velho, como José Agostinho de Macedo que considerava a pátria oprimida pelo “flagelo dos periódicos”, notícias falsas, abusos e “projectos loucos”, achando isto incompatível com a ordem e estabilidade do Governo. Em 1821 determinou-se nas Bases da Constituição a criação de um Tribunal que regulasse a liberdade de imprensa: O Tribunal Especial da Protecção da Liberdade da Imprensa. Em Julho desse mesmo ano foi abolida a censura prévia, aparecendo a primeira lei de liberdade de imprensa, que na verdade nunca esteve completamente em prática. Esta medida de liberdade surgiu numa fase em que a população atravessava uma forte agitação, o que facilitou o aparecimento da imprensa de opinião. As mudanças foram inevitáveis e abrangeram tanto conteúdo como apresentação, que muito deveu aos jornalistas da primeira emigração.

Em 1827 a liberdade de pensamento era apenas aparente, e até na actividade tipográfica houve um retrocesso, pois voltou-se ao regime de privilégios. Os que fossem apanhados sem a licença eram presos e condenados. Neste ano foi ainda criada a Comissão de Censura, demitindo os censores menos rigoros” (p 140), mas só durou até D. Miguel ser aclamado rei absoluto, voltando a censura a estar a cargo da Mesa do Desembargo do Paço, o que atrofiou novamente o movimento jornalístico devido a severas punições, tal como a morte.

Em 1834 foi instaurada definitivamente a lei de liberdade de imprensa em Portugal, que garantia a total isenção de medidas preventivas, dando condições ao jornalismo, agora sim, para estar ao serviço do constitucionalismo. Desde esta data até à Regeneração, 1851, houve uma sequência quase contínua de importantes acontecimentos, o que se reflectiu na relação dos jornalistas com os poderes, na influência dos jornais no público e também num desenvolvimento magnífico do próprio jornalismo, sendo considerado pelo autor “talvez a sua fase mais brilhante” (p 148). De 1834 até 1838 foi crescendo o número de periódicos fundados, diminuindo continuamente até à restauração da Carta por Costa Cabral em 1842. Foi então publicado A Revolução de Setembro. Havia uma influência forte e recíproca entre a literatura e a transformação social. Era através dos relatos dos jornais que o público tinha acesso ao que se debatia na Assembleia, havendo o hábito de os ler em alta voz.

Importante foi a data de 1834, a partir da qual os jornais passaram a apresentar novas características.

Os periódicos literários também se desenvolveram bastante a partir desta data. Para além destes serem incentivados, eram reprimidos os jornais de opinião, sendo limitado um público intelectual.

Em 1846, no sentido de contornar as dificuldades de ordem técnica e legal, formou-se no Conservatório Real de Lisboa a Associação Promotora dos Melhoramentos da Imprensa, para defender os seus direitos.

Imprensa ilegal durante a guerra civil de 1846-1847

A partir de 7 de Outubro de 1846, além do Diário do Governo, apenas podiam ser publicados jornais científicos e literários, ordenando Saldanha a prisão de vários jornalistas pertencentes à oposição. Contudo, continuavam a circular jornais e panfletos políticos. Foi então que surgiu O Eco de Santarém, “o jornal clandestino mais importante da nossa história até ao aparecimento do Avante!”. Já O Popular foi o mais violento dos jornais clandestinos desta fase, com má redacção e apresentação. Durante a guerra civil também houve folhas supostamente ilegais mas publicadas por agentes governamentais, que teceram ataques, entre outros, a O Espectro.

Além de Lisboa, os dois importantes centros de publicação nestes dois anos foram Porto e Coimbra. Alguns jornais patuleias foram publicados também no Alentejo, Madeira e Açores.

Esta foi uma época de mau jornalismo a nível ideológico. Houve uma revolta e posição simplesmente negativa, em que não se tomaram diferenças no combate ao poder para não perder a energia das várias forças opositoras reunidas (miguelistas, setembristas, cartistas “puros”). Apesar de nesta fase já começar a ser expressa a vontade de derrubar a monarquia, só no ano seguinte com as revoluções em vários países da Europa é que apareceram jornais com programa republicano.

Regeneração

Após a marcante “Lei das Rolhas” o movimento jornalístico em Portugal enfraqueceu bastante. Em 1851, com a Regeneração, a imprensa encontrou grandes facilidades, sendo arquivados os processos por abuso de liberdade de Imprensa que estavam a decorrer. Além disto, em 1866 foram abolidas todas as restrições impostas à imprensa, estendendo-se esta liberdade até 1890, começo do reinado de D. Carlos, o que acabou por ser “a grande época de florescimento do jornalismo” (p 184): na década de 1850, a criação média anual de periódicos foi de 35, e na década de 1880 foi de 184. Não se conseguindo ainda separar das tendências que a guiavam até aqui, conseguiu contudo um maior desenvolvimento ao nível dos processos jornalísticos e dos meios técnicos.

Terceira época do jornalismo português

Em 1856 a actualidade tornou-se na grande preocupação do jornalismo moderno. 1865 assinalou o princípio da terceira época do jornalismo português, em que houve a passagem da imprensa romântica para a fase industrial, surgindo a designação de noticiário. Para acompanhar o ritmo da evolução das máquinas, era preciso interessar todas as opiniões, ser acessível monetariamente e usar a publicidade para as receitas. Com a publicação do Diário de Notícias começou então a dar-se espaço à intenção mercantilista, assim como também marcou o início do jornalismo contemporâneo baseado no carácter informativo. Com o desenvolvimento da comunicação havia processos continuamente mais rápidos e eficazes.

Nesta fase seria impossível que a paixão do jornalista se mantivesse intacta, já que passou a escrever temas com os quais não se identificava. Devido a não ter interesse nas ideias nem nos lucros dá-se a alienação. Ele passou a dividir-se entre o que queria e o que o patrão desejava, transformando-se numa máquina de fazer artigos, com o objectivo de atingir o público.

Imprensa republicana e operária

O Tribuno, aparecido em 1843, pode ser considerado o primeiro jornal republicano, ainda que escondesse a sua doutrina por motivos de prevenção, e afirmava “respeitar o trono mas sem servilismos”. Seguiram-se O Regenerador e O Republicano, estes explícitos mas clandestinos. Um dos mais activos e duradouros foi O Partido do Povo. Em 1881 foi publicado O Século, órgão do Partido Republicano, e que foi um dos mais importantes da história da nossa imprensa. Seguiu-se a criação de O Mundo, o de maior projecção e influência durante a propaganda. Até 1891 a imprensa republicana foi crescendo, até à fracassada revolta desse ano, enfraquecendo-se a partir daí. Desde 1903, ganhou novamente vitalidade, estrutura e dinamismo. Depois de 1906 começaram a assumir as suas posições extremas. A imprensa, juntamente com os comícios, foram as armas de maior efeito na luta dos republicanos.

Em meados do século XIX intensificou-se a imprensa operária, visando a libertação operária e apoio às lutas operárias. Neste contexto foi publicado o Emancipação da Mulher em 1868, o primeiro jornal em defesa dos direitos da mulher. Em 1871 este movimento entrou em conflito com a sociedade, devido à atitude predominantemente ofensiva, e com a ditadura de João Franco intensificou a censura, acabando por sair em 1896 uma das leis mais repressivas da história da nossa imprensa, chamada “dos anarquistas”. A Sementeira foi o jornal anarquista com maior duração, de 1908 a 1919, no entanto a imprensa anarquista não foi tão intensa como o seu movimento. Na primeira década de 1900 foi-se acentuando a separação entre movimento operário e movimento republicano.

Implantação da República

Após grandes repressões, cinco dias depois da implantação da República, a imprensa periódica foi finalmente liberta, sendo então publicados bastantes jornais políticos. Mas com o fim do controlo das ideias políticas abandonou-se a revisão gráfica. Relativamente aos abusos de liberdade de imprensa seriam julgados por um júri, o que em 1926 veio a ser reformulado para passar a ser julgado, em casos especiais, por um tribunal colectivo. Em 1933 a censura prévia foi novamente instituída.

Balanço

Jornalismo nasceu noticioso mas com intervenção política. Nas notícias não havia comentários ou crítica. As principais personalidades da intelectualidade portuguesa dos séculos XVII e XVIII não colaboravam no jornalismo. A técnica jornalística era ainda pouco desenvolvida, não havendo sequer grande preocupação com a informação ser actual e pormenorizada, nem em certificar-se da veracidade das fontes. Só no fim do século XVIII surgiu a preocupação de agradar ao leitor, no entanto a relação entre leitor e jornal era distante, fortalecendo-se a partir de 1808 com o aparecimento de jornais com “opinião própria mais visível” (p 119). Ao longo da história a censura foi sendo banida e voltando, tomando várias formas. Em 1834 foi instaurada a lei de liberdade de imprensa. Desta data a 1851 foi quando a influência na opinião pública foi mais forte. Em 1846 contou-se com um mau jornalismo a nível ideológico e em 1850 saiu a “Lei das Rolhas”, que enfraqueceu o movimento jornalístico.

O antigo jornalismo era uma arma de combate, um agente de propaganda, enquanto que o novo jornalismo se tornou industrial, tanto pela importância dada ao objectivo monetário como pela mecanização dos processos jornalísticos. Aqui o jornalista tornou-se máquina sem paixão e a relação entre público e jornal perdeu vitalidade. Em meados do século XIX deram-se os movimentos republicano e operário com grande influência na imprensa.

Com a implantação da República foi restituída a livre expressão e surgiram bastantes jornais políticos. Em 1933 voltou a ser instituída a censura prévia.

TENGARRINHA, José - História da Imprensa Periódica Portuguesa. Ed. Caminho. 1989.

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