quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Viver em paz



O auto-conhecimento é a via que equilibra a externa, da acção, com a interna, do recolhimento. Antes do Dia Mundial da Paz, vemos como cultivá-la no interior antes que a possamos colher fora de nós.

Texto Dina Cristo

São três os caminhos que se dispõe para atingir a paz interior. Um, típico da infância e inocência, é o da auto-afirmação, a via do combate, das conquistas e aquisições. É a estrada do guerreiro da luz, que luta pelo bem: amor, altruismo, combate a mentira e manipulação. Nessa via de manifestação no plano externo é-lhe indispensável o bom senso e o desapego.
O guerreiro em luta é codajuvado pelo silêncio, gratidão e perdão, fortalece-se através da disciplina, da paciência, da vontade e da capacidade de ver oportunidades. São suas armas a vida simples, o estudo e a actuação correcta. Guiado pela sua consciência, cumpre o dever e corrige os erros.
Este ser de acção investe em vencer a sua própria ignorância; reconhece fora e em si o conflito entre os desejos do corpo e a vontade da alma. Fiel à verdade, precisa de coragem e independência. Concentra a sua energia no impessoal, tentar fazer o melhor que pode e, apesar de preparado, evita a luta.
Saber e prescindir
A segunda via é a do auto-conhecimento, própria da juventude e da independência, em que se fortalece a ligação com o Eu Superior. Ao elevar o foco da consciência são necessários, além da dedicação, discernimento e confiança, a sinceridade e o esforço. Desenvolve-se, assim, uma inteligência espiritual, consciente da inter-ligação entre a corpo e a alma - nomeadamente através do cérebro, coração, sangue, figado e glândulas.
A consciência ânimica equilibra a atitude afirmativa (descrita em primeiro lugar) com a terceira via, característica da maturidade e discernimento: um caminho de negação, renúncia ao que é errado, nocivo, falso, ilusório ou supérfluo - uma via de esvaziamento, aceitação das perdas, silêncios e desilusões, condutora à plenitude.
Este caminho de recolhimento e realização interior implica a presença da luz espiritual. São habitualmente quatro as formas de lhe aceder: estudo, auto-observação, trabalho altruísta e meditação. A focalização na libertação de remorsos e cobiças, a austeridade, o enfrentar a verdade (aceitando a vida) e assumir a responsabilidade - cumprindo o dever - são instrumentos inspiradores.
No seu livro, publicado em 2002, pela Editora Teosófica, Carlos Cardoso Aveline, editor de “Filosofia Esotérica”, salienta que os três caminhos para a paz interior, indispensáveis para que a objectiva se manifeste, são simultâneos e inseparáveis.

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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Árvore de Natal


Próximo do Natal, concentramo-nos no significado de um dos símbolos mais usados: a árvore.

Texto João Gomes* fotografia Dina Cristo

«Toda a vez que encontres nos nossos livros, uma narrativa cuja história te pareça impossível, um conto que é repugnante tanto à razão como ao senso comum, tem então a certeza que a parábola contem uma profunda alegoria, velando uma misteriosa e profunda verdade e, quanto mais absurda é a letra, mais profunda é a sabedoria do espírito.»
Moisés Maimonides -Teólogo Judeu, médico, historiador, talmudista e filósofo (1135-1205).
Todos os anos, por altura do Solstício de Inverno, celebramos o nascimento do deus menino, o salvador da humanidade sofredora. Muito poderia ser dito acerca desta criança divina, deste sol espiritual que deverá, mais tarde ou mais cedo, emergir em cada um de nós para nos salvar, para nos libertar, para nos emancipar. Todavia, não é este o âmbito deste trabalho, fica talvez, para uma próxima oportunidade.
Um dos elementos simbólicos mais poderosos da quadra de natal é, seguramente, a árvore. Não há casa, não há lar, por mais modesto que seja, que não tenha a sua árvore de natal, alegrando e encantando os nossos e os corações das crianças, com as suas tímidas e volúveis luzes.
A árvore é já por si só, na dimensão simbólica, um mundo. Encontramo-la em inúmeras tradições mitológicas e religiões. Logo nos primeiros capítulos da Bíblia, no Jardim do Éden, deparamos com a referência a duas árvores especiais: a da vida e a da ciência do bem e do mal. Foi a ingestão dos “frutos” desta que tornou o homem um deus. Encontramos no Génesis, depois do episódio da queda de Adão e Eva, o seguinte: “O Senhor Deus disse: «Aqui está o homem, que pelo conhecimento do bem e do mal, se tornou como um de nós.»”
[1].
O episódio relata simbolicamente o despertar da mente no ser humano. A fruta da árvore representa o intelecto. É a mente que nos permite distinguir o bem do mal e fazer ciência. Uma criança, um animal, que têm a sua mente ainda imatura e infantil, não estão prontos para discernir o bem do mal. Por outro lado, o despertar da mente permitiu também ao homem criar cultura, as “túnicas de pele”, referidas no texto sagrado[2], são uma personificação dessa capacidade.
Por sua vez, na vida de Buda, os acontecimentos mais importantes ocorrem debaixo de árvores. Ele nasce no jardim de Lumbinî
[3], debaixo de uma enorme árvore sâla. Atinge a iluminação sentado em meditação sob a árvore de boddhi[4] e desencarna, no bosque de Upavattana, deitado à sombra de duas árvores gémeas sâla[5].
No cap. 15 do Bhagavad Gittâ (sagrada escritura hindu) vem descrita a árvore Ashvatha (ficus religiosa), cujas raízes se encontram viradas para cima e a copa para baixo. Esta árvore invertida simboliza o Universo nas suas duas dimensões: a metafísica e a material. As raízes ligadas ao céu, personificam os mundos espirituais que alimentam a árvore – é o espírito que anima a matéria e lhe dá vida. A copa, dirigida para baixo, representa o plano material, as esferas mais “baixas” e mais densas. Diz-nos o versículo 3: «Não se pode perceber a verdadeira forma desta árvore, ninguém pode compreender onde ela acaba, onde começa, ou onde se alicerça.»
Tendo dado uma panorâmica mais alargada da simbólica da árvore, vamos agora focalizarmo-nos no simbolismo da árvore de natal. Em primeiro lugar, tal como Ashvatha, a árvore de natal, corporifica o nosso Sistema. O Sistema Solar na sua dimensão física e espiritual. A parte mais larga, a base da árvore, personifica os mundos mais densos e mais materiais; a secção mais estreita representa as esferas mais elevadas e espirituais. Encimando a árvore encontramos a estrela que simboliza o Logos, a Divindade Suprema do nosso Sistema: Deus dos cristãos, Allah dos muçulmanos; Ishvara dos hindus e Amon-Rá dos antigos egípcios. Penduradas na árvore colocamos as bolas coloridas, que corporificam os astros e os planetas. Enrolando à volta da árvore penduramos as luzinhas que representam as estrelas cintilantes que iluminam o céu. Completamos algumas vezes o quadro, prendendo anjos, fadas e gnomos, que personificam as Hierarquias Criadoras. A árvore torna-se assim um microcosmo, um reflexo do Cosmos em que “vivemos, nos movemos e temos o nosso ser”.
Ela representa em última análise, a unidade da vida, a unidade de todo o organismo vivo cósmico. Nada está morto, tudo pulsa com a vida divina. Do mais gigantesco astro à mais ínfima partícula subatómica tudo está prenhe do Espírito Santo.


* Teósofo e holista

[1] Génesis 3. 22. Repare-se na utilização do prenome plural “nós”(3) em vez do singular. Em rigor, não é Deus, o Senhor Supremo do Sistema, que cria o homem mas, as Hierarquias Criadoras, (Anjos, Arcanjos, Principados …) que criam o homem. Adão e Eva, personificações da humanidade colectiva, ao comerem o fruto da Árvore da Ciência do Bem e do Mal tornaram-se deuses. Ou seja, o despertar da mente na humanidade, tornou-a uma Hierarquia Criadora capaz de cultura, de ciência e de ética (distinção entre o bem e o mal). [2] Génesis 3. 21 [3] Paul Carus. Open Court. «The Gospel of Buddha» 4.5 [4] Ibid. 11.1 [5] Ibid. 96. 1-2

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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Cristo Maitreya


Perto da comemoração de mais um nascimento de Jesus e sessenta anos depois do desaparecimento de Alice Bailey detemo-nos num dos seus livros, escrito em 1948, onde afirma que estão reunidas as condições para a segunda e última vinda de Cristo.

Texto Dina Cristo

A antecipação da vinda de Cristo foi decidida entre 1936 e 1945. A necessidade humana, por um lado, e o apelo invocativo da humanidade, por outro, cria(ra)m as circunstâncias para o reaparecimento de Cristo e dos seus discípulos. «Aparecem, unicamente, quando o mal predomina; ainda que seja somente por esta razão, podemos, na atualidade, esperar um Avatar. O cenário adequado para o reaparecimento do Cristo está preparado»
[1].
O espírito de colaboração e paz mundial, após a Grande Guerra, são dois dos efeitos da aproximação dos seus Colaboradores, a Hierarquia de Mestres, que se exteriorizará: «O Filho de Deus está a caminho e não vem só»
[2]. Contudo, parte da preparação do seu regresso depende da Humanidade, da educação para a cidadania mundial, em boa vontade e em correctas relações humanas.
Em 1945 Cristo recitou e os Seus Colaboradores transcreveram a Grande Invocação. Difundida pela rádio, estava traduzida em quase 20 línguas, dois anos depois. Este trabalho de invocação das massas e da evocação da Hierarquia espiritual, a par da ordem e da aceitação de certas verdades, é fundamental na preparação do regresso de Cristo.
Ao longo do devir colectivo, a certas ideias difundidas, a Humanidade responde com ideais que, mais tarde, se materializam numa nova cultura, inaugurando uma nova civilização: «(…) a história é o registro da reacção cíclica da humanidade a alguma energia divina, que flui através de algum dirigente inspirado ou de um Avatar»
[3].
Síntese aquariana

Em cada nova Era, um novo Mistério é revelado por um Instrutor. Foi assim em Gémeos, com Hermes, em Touro, com Mithra, em Carneiro, com Buda, em Peixes com Cristo (Jesus) e agora Aquário, com Cristo (Maitreya). Depois da Luz de Buda, a mente, o Deus imanente do Oriente, e do Amor de Jesus Cristo, o coração, o Deus transcendente do Ocidente, vem de novo Cristo para fundir o primeiro e segundo aspectos em Vontade para o Bem, através do serviço.
Cristo Maitreya vem estimular o princípio crístico em todos os corações humanos e desenvolver a intuição. Mediador entre a Divindade e a Humanidade, Mensageiro que vem pela última vez antes de retornar à casa do Pai, Shambala, o Logos planetário, onde a Vontade de Deus é conhecida. Mestre dos Mestres, Instrutor mundial do reino angelical e humano, é desde 1945 o Precursor, Dispensador e Sustentador da Era de Aquário, durante mais de dois mil anos.
Aquela será uma Era de Boa Vontade, de correctas relações humanas, de uma nova religião mundial e de Restauração dos antigos mistérios. Com ela a fascinação (plano emocional) e ilusão (plano mental) serão dissipadas e a ciência desvelará verdades fundamentais (re)conhecidas, como a unidade essencial do Ser humano ou a evolução, inscrita em rituais, números, símbolos e palavras.
Cristo tem como Associados o Espírito de Síntese (Poder), o Espírito de Paz (Amor) e Buda (Luz). O Salvador está vivo e, embora não se saiba quando nem como, actuará no plano físico: «Desta vez o Cristo não virá só; fá-lo-á com Seus colaboradores. Sua experiência e a deles serão diferentes da anterior, pois todos os olhos O verão, todos os ouvidos O ouvirão e todas as mentes O julgarão»
[4].
[1] BAILEY, Alice – O reaparecimento do Cristo, Pensamento, p. 10. [2] Idem, p. 50. [3] Idem, p. 12. [4] Idem, p. 48.

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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Palavras integra(da)s

Ao entrarmos na nossa terceira época de frio e chuva, concentramo-nos em palavras duplas, que contêm em si outros signos linguísticos.

Selecção e fotografia Dina Cristo

Aces(s)o, (A)ceder, (Abó)boda, (A)creditar, Adia(nta)r, (Ad)orar, Ador(n)ada, Adult(er)o, (A)feição, (A)filha(do), (A)guardar, Ala(r)gar, (A)lia, Am(b)as, Amado(r), Ámen(izar), (A)moroso, Arras(t)ados, Arte(sanato), Airo(sãmente), A(l)ta, (A) mar, (A) preço, (At)ar, (A)trair,
B(r)anco, Bo(r)la, B(r)aço,
Ca(l)ma, (C)alma, Cama(da), Cama(ra), Casa(l), (C)ativar, Ca(u)sa, (Clan)destino, Co(i)ma, (C)oito, (Com)provar, (O)dor, Ca(n)sada, (C)asa, Casa(l), Ca(n)sado, Ci(u)mento,(C)oração, (Co)mover, (Com)vento, (Com)traída, (Com)solar, (Con)ferir, Con(s)ta, Contradição, Co(r)po,(Corr)ida, (C)ouro, (Cosm)ética, Cru(el), (C)urso,
(D)aqui, D(ecic)ar, (D)efeitos, Defen(d)ida, (D)eficiente, (De)puta(dos), (De)safio, (Des)moral(izado), Despe(de)-se, (Des)prezar, (Des)via, De(v)a, Dev(i)a, (Di)agnóstico, (Di)fama(cão), Dig(n)a, Di(n)a, (Dis)puta, Div(in)a, (Di)vulgar, (Do)minados, Dom(in)ar, Douto(rado),
(E)feito, (E)m(anu)el, (Emen)dar, (E)missão, (En)cantar, (En)cont(r)ar, E(r)ra, (Es)forçar, Espera(nça), Estád(i)o E(sté)tica, Esti(g)ma, (Estu)dar, E(sto)u, (Ex)citar, Ex(p)orta, (Ex)pressão,
(F)actos, Fa(la)do, Fal(h)ar, Fal(t)a, Fam(ilí)a, Fe(i)ra, Fei(t)a, Fe(i)to, Feit(i)o, Fi(lh)o, For(mat)ar, F(r)a(l)da, Fra(n)queza, F(r)ase, F(r)icção, F(r)io, Fri(s)o, (F)rota, Fun(da)ção, Funda(menta)r, Fund(ament)o,
Ga(s)to, (G)astronomia, Geni(t)al, G(r)ama,
Habi(li)tados,
(I)móvel, (Im)por, (Im)puta(do), (In)diferente, In(dif)erente, (In)gerir, (I)solar, Insol(v)ência,
Lei(te), Leito(r), Limi(t)ar, (L)imitadora, Lúci(d)a, Lu(g)ar, Lu(i)sa, Lu(v)a,
(M)água, Ma(i)s, Ma(n)g(a)nésio, (Man)ter, Ma(r)ia, Mar(ido), Medi(c)ação, Medi(d)a, Medi(t)ar, (M)editar, Mediat(izad)o Mel(ga), Me(n)te, Mí(s)tico, Mo(n)cão, Mor(t)ais, M(u)ito,
(N)amora, (N)am(or)ar, (Nam)orar (N)amor(ar), (Neg)ócio, No(i)va,
Object(iv)o, (O)culto, (On)dina, (O)pressão, Orga(ni)smo, Orga(sm)o, (O)usar, (Ou)viste,
(Pa)ciência, (Pai)xão, Par(t)ir (P)assar, Pá(t)ria, Pass(e)ar, Pe(d)ido, (P)ela, Pe(n)sar, Perd(iç)ão, Pe(r)di, (Per)durar, Pe(n)sei, Pe(s)cador, Pi(c)adas, Plan(e)ar, P(l)ano, (P)ódio, Po(l)vo, (Pré)carie(dade), Premi(a)da, Preci(o)so, Pre(te)nde, (P)reservar, P(r)o(f)eta, (Pro)lixo, Puta(tivo),
(R)amo, Recu(s)ar, Re(l)ação, Re(mo)ver, Repu(tacão) Rega(ta), Re(l)ações, Re(li)gião, (Res)peito, (Re)ter, (Re)traído, (Re)tratar, Ri(s)cos,Ri(t)o, Ra(s)to, Român(t)ica, Ro(n)da, Ro(s)to, Rui(m),
(Sa)cana, (S)aturar, Saú(da)de (S)em, Sé(r)io, Sete(nta), Solt(eir)o, Sonda(gem), (Sur)preso,
(T)écnica, Te(m)or, Temp(l)o, T(r)a(ba)lhador, Tra(d)ição, Tra(z)ida, T(r)eme, Tumul(t)os,
(V)adio, Ve(ne)noso, Vi(r)agem, (V)ida, Vi(n)da, Viola(da), Viol(ent)ar, Vir(a)gem, (Vi)ver, (Voc)ação, Vo(l)tar.

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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Cantautor


Faz esta Sexta-Feira 40 anos que se estreou como cantor, no Teatro Villaret para o programa de televisão “Zip Zip”, transmitido quatro dias depois. Desde o seu primeiro disco, “Trova-dor”, em 1970, até ao seu mais recente CD, “Sensual Idade”, DVD, “Pedro Barroso - 40 anos de músicas e palavras”, e livro, “Contos de um anarquista”, o último trovador do 25 de Abril, que junta palavras inteligentes em música bonita, fala-nos, nesta entrevista, originalmente publicada no jornal "Trevim"*, da sua indignação perante o desprezo pela música e cultura nacionais.


Entrevista Carlos Sêco fotografia Dina Cristo


Porque é que não vemos o Pedro Barroso na televisão e não o escutamos mais na rádio?
Isso também eu gostava de saber. Tenho 40 anos de carreira e sempre cantei em sítios normalmente alternativos. São coisas relacionadas com semanas culturais, são convites de universidades. Nunca estive naquele circuito de grande “hit”, nem nacional nem internacional, mas este ano {2008], por acaso, posso dizê-lo com algum orgulho que tem sido um ano de muita solicitação para concertos, entrevistas, exposições, palestras. Ando por uns espaços e a convite de um determinado tipo de pessoas de bom gosto neste país, onde o bom gosto começa a ser cada vez mais raro. A rádio e a televisão não querem uma pessoa com ideias, uma pessoa que chateie.
Em 2002 deu voz ao manifesto sobre o estado da música portuguesa. O que é que mudou desde então?
O manifesto é da minha autoria e depois telefonei ao Manuel Freire, companheiro de estrada e também de certa maneira um último trovador tal como eu, que me disse: “isto está bem escrito. Vamos tentar fazer circular isto por mais meia dúzia de amigos, para ver se isto aparece com mais umas assinaturas, para que isto tenha outro peso”. Entretanto, começou a circular na Internet e a coisa foi subscrita por centenas de músicos de todas as áreas, desde o jazz à clássica, ou seja, por todas as pessoas que se sentiram solidárias com uma situação de menoridade cultural, que fazem crer que o músico em Portugal tenha que viver dentro desse défice permanente contratual e até de dignificação de carreira.
Dá-me a sensação que na altura foi útil, foi uma pedrada no charco. Fomos atendidos por todos os grupos parlamentares. Demos azo a várias discussões parlamentares. Lutou-se para reemplementar a Lei da Rádio e fomos inclusivamente recebidos pelo Presidente da República da altura. Foi uma luta datada, mas hoje em dia continuo a notar uma certa desunião. Para se fazer uma lei da Rádio em que se passe 25 por cento de música portuguesa, acho que perdemos uma boa oportunidade de estarmos quietos e de não fazer nada.
Em Espanha, há um orgulho nacional, que faz com que se passe 95 por cento de música em língua castelhana ou, pelo menos, numa das línguas oficiais das regiões. Em Portugal, 25 por cento torna-se uma percentagem ridícula. Não está a adiantar grande coisa. Além disso, os lobbies que estão instalados fazem com que, nas rádios nacionais, muitas vezes ao longo do dia, acabemos por ouvir só as coisas de uma ou duas editoras. Não existe só o “apito dourado”, também há o “microfone dourado”. Dificilmente se pode cumprir os 25 por cento de música portuguesa, passando afinal sempre as mesmas pessoas das mesmas etiquetas.
O efeito que se pretende é que haja um espaço aberto, abrangente, até porque as rádios, pressupostamente generalistas e que são pagas com dinheiro dos contribuintes, têm que passar fado e música popular de alguma qualidade. Tem que haver uma selecção baseada no mérito e na qualidade daquilo que se faz. Ora, eu tenho 40 anos de música. Sei o que poeticamente estou a fazer, sou uma pessoa da literatura, da escrita e da cultura. Por isso, não admito ser julgado por pessoas cuja envergadura intelectual ou cultural ou a nível poético nada fizeram. Quem é que determina afinal essa qualidade? Quem é que constrói essas “playlists”? Com que base é que é feita essa selecção? Não haverá compadrios?
A televisão que temos também está aquém daquilo que exigiríamos culturalmente. A televisão galega, por exemplo, é deliciosa, com uma atenção à natureza, às profissões e ao património. Nos dois canais oficiais e dois privados portugueses raramente temos programas realmente interessantes para uma pessoa minimamente atenta às questões da cultura portuguesa. Alguns anos depois desse manifesto, a rádio e a televisão continuam a ter um lamentável défice de qualidade perante os portugueses.
Os artistas de um país são tão ou mais importantes do que o ministro da Cultura. Pergunto: quem era o ministro da Cultura no dia em que morreram o Ary dos Santos e o Zeca Afonso? Ninguém sabe. Mas o Ary dos Santos e o Zeca Afonso ficaram para toda a vida e é isso que o político não suporta no artista. Não suporta que o artista congregue três mil pessoas à sua frente, para lhe bater palmas. Para ter três mil pessoas à sua frente, o político tem de oferecer alguma coisa. Eles têm o poder e ganham todos os tachos do mundo, mas nós temos o poder da opinião.
Portugal continua a cuidar mal dos seus artistas?
Poderia agora lembrar o Camões, que tinha uma tença miserável do D. Sebastião. Aqui está um homem com uma cultura universal fantástica e que tem de ir ler os “Lusíadas” ao D. Sebastião, que era uma criança, para lhe ser aprovada uma pequena tença e que, praticamente, morreu de fome. O Zeca Afonso, meu querido companheiro, numa altura em que ele tinha tratamentos muito caros, por causa da doença que acabou por matá-lo, tinha descoberto umas injecções, mas que eram caríssimas. Houve uma escola em Azeitão que o contratou para dar aulas, mesmo sabendo que ele já não estava em condições de o fazer. Muitas vezes, éramos nós que fazíamos várias iniciativas, aqui e acolá. Eu cantei, por exemplo, em Madrid com o José Mário Branco, para darmos notoriedade à situação que o Zeca Afonso estava a atravessar e, sobretudo, trazer dinheiro.
Recentemente, morreu o Carlos Paredes, génio da guitarra portuguesa, ele que, imagine-se, teve de ser arquivista de radiologia, no Hospital de São José durante não sei quanto tempo, para conseguir sobreviver. Eu fui aluno de latim de Vergílio Ferreira, a quem sonegaram um prémio Nobel. Ele era um homem de uma genialidade universal, que nunca foi professor universitário. Portugal tem sido padrasto ou a cultura portuguesa tem sido madrasta para si mesma, sobretudo a governação.
A administração tem sempre desconfiança de uma pessoa que tenha um discurso coerente, seguido, cultural e isento. Não é o Pedro Barroso que está aqui a falar, mas também eu me sinto incompreendido e injustiçado. Fiz pela primeira vez uma exposição ao Ministério da Cultura e não queira saber os meandros, os becos e as vielas por onde eu andei. “Ah, isso é melhor ser dirigido para o tal departamento”. De segmento em segmento, de beco em viela, acaba-se por dar em coisa nenhuma. Este é o país hieroglífico que temos, no sentido de resolução de problemas que são prementes.
Hoje não me posso queixar, mas há artistas que, no ano inteiro, têm quatro ou cinco contratos, o que não dá para viver. Os artistas, neste país, fazem muito mais numa hora no palco pela cultura e pelo nome de Portugal do que muitos cônsules e embaixadores numa vida inteira jamais farão. Não custava nada apoiar-nos, nesse sentido de mantermos a dignidade até ao fim das carreiras.
Em 2005, publicou um livro “A história maravilhosa do país bimbo”. É o que realmente pensa de Portugal?
É um exercício de ironia. Deu-me imenso gozo escrevê-lo. É um desabafo. Em 2009, vou publicar “Os contos anarquistas”. Em Outubro, vou lançar “Sensual Idade”, o meu novo disco e que demorou de Abril a Agosto a orquestrar e a gravar. É um disco lindíssimo que eu gosto muito de ter feito, com amigos aqui da zona, como o Manuel Rocha, director do Conservatório de Coimbra. São discos, são livros, eu disperso-me imenso. Sou um poço de ideias e de energia.
Há ainda o seu heterónimo Pedro Chora…
O Pedro Chora diverte-se imenso. Desenha mulheres, por quem é doido. É muito perverso, muito louco. O Pedro Barroso é um tipo apolínio, sabedor e com muitos estudos. O Pedro Chora não. Tem um traço muito espontâneo.
Como é que reage quando o consideram o último trovador do 25 de Abril?
Fico com muita pena de o ser, mas depois da elevação do Manuel Freire a presidente da direcção da Sociedade Portuguesa de Autores, que passou a estar incumbido de defender a música portuguesa e os autores de todas as áreas, sobra-me para mim essa escola, embora ainda haja alguns companheiros que andam por aí. A linguagem que eu falo é uma linguagem que este país desaprendeu. É a linguagem da dignidade, da sensibilidade, da poesia, do gosto pelo gosto e não do catchapum-catchapum. Andamos todos a consumir o mesmo produto e ainda por cima avariado, em que não há afinação, nem harmonia, nem musicalidade, nem contraponto, nem carga poética, nem intenção. É um produto chiclete, música de elevador, para consumir no aeroporto.
Quando me perguntam que tipo de música é que eu faço, eu respondo que não sei. Só sei que tento juntar palavras inteligentes em música bonita e é tudo o que sei que faço. Tranquilamente, faço a minha carreira. Comparo-me com o Obélix: sou eu a lutar ainda e sempre com o invasor. Que invasor é esse? É o mau gosto e é o consumismo do que se gasta por aí em termos musicais e televisivos.
É a insatisfação que o continua a inspirar?
Limito-me a estar atento. É observarmos o que está à nossa volta e que andamos a perder. Andamos a ficar com a sensibilidade embotada por um produto que nos dizem ser muito bom, mas que é uma porcaria. Essa cultura amoraganda que existe em Portugal não é coisa nenhuma. É preciso que haja alguém que denuncie isto, olhos nos olhos. Enquanto eu existir, eu denuncio. A TVI tem 15 anos e só por pedido expresso do Ruy de Carvalho eu fui pela primeira vez cantar na TVI pelos seus 80 anos.

* SÊCO, Carlos - Cantautor Pedro Barroso contra cultura amorangada in Trevim, edição nº 1132, 25 de Setembro 2008, p.12-13.

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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Preto e branco


Na próxima semana passam dois anos sobre a II Cimeira União Europeia-África, ensejo para fazermos um balanço do que então ficara acordado.


Texto e fotografia Pascoal Carvalho

Sob enorme expectativa multi-sectorial realizou-se na capital portuguesa uma cimeira entre a União Europeia e África em que estiveram juntas diferentes delegações euro-africanas proporcionando o nascer ou renascer a esperança moribunda de que seria desta que a África encontraria a paz, acabaria com a corrupção ou uma educação especializada chegaria aos mais desfavorecidos.
Tal facto não se viu nem tão pouco foi possível. A fome continua a fazer vítimas neste continente que parece ser pequeno demais para ter tantos problemas ou dificuldades a mais para um povo cuja admiração e aptidão física não alinham a capacidade intelectual desejada.
Tudo de mal que tem nome em África existe em demasia. Para os que dele beneficiam encantados estão, enquanto que para os que dele são vítimas ou com ele sofrem desesperados estão e, insistentes na esperança, concentram-se num cada vez mais distante horizonte de melhores dias.
No papel ficaram uma vez mais estampadas propostas e concordantes declarações de parcerias. Enfim, os africanos continuaram a comprar armas para matarem-se uns aos outros e a enviar seus frutos da corrupção para a Europa, enquanto que os emigrantes provenientes daquele desgastado continente continuaram a suportar trabalhos desqualificados nesta Europa de frio e cinismo. Para o velho continente fora continuam a perderem-se grandes cabeças de conhecimentos e saberes, simplesmente porque oferece condições básicas que qualquer ser humano quer neste século de tecnologias e avanços (uma alimentação saudável, cuidados com a saúde e medicamentos, água potável, energia), bens essenciais que todos na Europa têm sabendo que faz falta em África.

(Des)acordos
Politicamente foi um encontro proveitoso e consensual, bastando que para tal se veja os acordos ponderados e deliberados. Para trás ficaram coisas como o verdadeiro papel dos estudantes oriundos da África que por cá se perdem, os que regressam com novas perspectivas ou visões actualizadas de um mundo globalizado.
Contudo foram firmados alianças que interessavam a ambas as partes para o panorama de cooperação e um estender do mercado tanto de consumo como o de novas produções visando um maior combate à actual crise financeira mundial através de novas estratégias de investimentos.
Tem-se visto a África de hoje com uma prosperidade gigantesca, não digna para o próprio africano, mas sim de um novo e mais potencializado neocolonialismo de produção em alta escala informativa e anexações bilaterais.

Continua-se a acreditar que o belo africano se transforme um dia em coisas muito maiores e melhores para este povo sofredor que ainda acredita que esta atrapalhadora ajuda proveniente do continente acima situado e desenvolvido, de igual forma, inverta e passe a ser e fazer jus ao (genuíno) nome de forma desinteressada e fiel.

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