quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Voz do céu


Este Domingo fará cem anos que nasceu Omraam Aivanhov. Por isso, hoje recuperamos uma das suas obras, dedicada ao poder, natureza e formas de ouvir o silêncio.

Texto Dina Cristo

O silêncio é um lugar - imenso, profundo e intenso, habitado por seres celestiais que falam, cantam e revelam (soluções) - de onde o Universo saiu e para onde um dia regressará. É uma região de luz (cósmica) e vida (abundante), para além das sensações físicas, dos sentimentos e pensamentos vulgares.
Vivo e vibrante, o silêncio é, na verdade, a voz da alma que fala baixo e, docemente, avisa, aconselha, protege e dirige, de forma terna e melodiosa, breve, contínua, mas sem insistir. Expressão da essência divina, manifesta-se pela sensação de liberdade, expansão e vontade desinteressada. É sinal de bom funcionamento (a própria dor é um ruído) e aperfeiçoamento: «quanto mais evoluído se é, mais necessidade se tem do silêncio»[1] .
Princípio feminino, estado receptivo por excelência, um esvaziar (do supérfluo, complexo e periférico) – característico da via da renúncia também descrita por Carlos Cardoso Aveline – é capaz de colocar em funcionamento os centros subtis, através dos quais se entra em contacto com o mundo espiritual.
Apesar das suas potencialidades, o silêncio é muitas vezes rejeitado por uma grande parte dos seres humanos: «(...) o silêncio físico obriga-as a tomar consciência das suas dissonâncias e das suas desordens interiores, e é por isso que elas têm tanto medo»[2]. O mais comum é encobrir os demónios interiores com barulho. E então fala-se como forma de afirmação da personalidade ou atracção da atenção.
Outras vezes o silêncio é sentido como vazio ou solidão - um equívoco que Omraam Aivanhov desfaz: «Se não quiserdes ser pobres nem estar sós, procurai o silêncio»[3]. Na verdade, a voz interior não só «(...) é, por vezes, mais eloquente do que a palavra»[4], como é a própria «(...) expressão da paz, da harmonia, da perfeição»[5].


Escutar o silêncio
O verdadeiro silêncio, o interior, não se atinge sem esforço. «O essencial», dizia Omraam aos seus discípulos, «é a vossa decisão de entrar nesta via e de nela perseverardes»[6]. Para conseguir ouvir a voz do silêncio é necessário, antes de tudo, eliminar o ruído; primeiro o externo, depois o interno, que advém dos conflitos entre as vontades da mente e os desejos físicos, passando pelos anseios do coração. «Enquanto continuardes a alimentar as necessidades comuns, não conseguirás libertar-vos»[7].
Estas agitações, desordens e dissonâncias, próprias da paixão, interesse, intolerância e carência humana, provocam desafinações (desalinhamentos), que só agoniam, destroem, intoxicam e conduzem ao erro. Com tal algazarra dentro de si, o ser humano não passa da experiência meramente formal, superficial, opressiva, independente e exclusiva, que se limita à palavra, ao intelecto, ao conhecimento, à interpretação e ao medo. Uma vivência da personalidade desatenta, densa, contraída, estranha, pessoal e particular – uma via lunar, de ambição desmedida.
Para conseguir a pacificação, a ordem, a consonância - própria do Amor, desinteresse, tolerância e abundância humana, que produz afinação, alivia, nutre e conduz, construtivamente, à correcção - é necessária preparação. Com uma tal tranquilidade dentro de si, o ser humano ultrapassará os distúrbios corporais e poderá então chegar a experiênciar uma vida anímica, substantiva, profunda, centrada, livre, interdependente e inclusiva, ao nível Verbal (inaudível), do pensamento, sabedoria, compreensão e coragem. Uma vivência do seu Ser mais íntimo, subtil, atento, impessoal, forte, íntegro, expansivo e Comum.

Qualidade de vida interior
Para além da indispensável harmonia dos diferentes deuses e deusas nos homens e mulheres, da pacificação entre os diferentes padrões psicológicos, é necessário ouvir aquela que é, no fundo, a voz de Deus, e trilhar o caminho solar, da renúncia, do Vazio, desenvolver o auto-domínio, ser capaz de controlar as palavras, as reacções e os gestos. Omraam Mikhael Aivanhov aconselha a aplicar os exercícios à mesa, quando se deve comer no máximo silêncio, incluindo o dos próprios talheres.
Na ajuda ao desapego, à distanciação em relação aos desgostos (do passado) e às preocupações (com o futuro) é útil fazer um retiro de alguns dias, para repousar e descansar. A libertação das inquietações prosaicas, o afastamento em relação às solicitações e agressões do mundo exterior, sempre foi, aliás, praticado por eremitas e sábios, que se isolaram em grutas, desertos ou montanhas. Contudo, não se resgata o pensamento nem se concentra no bem comum sem se jejuar e respirar adequadamente, sem oração, meditação e contemplação (nomeadamente das estrelas), que possibilite o abandono dos estímulos externos e permita uma vida profunda, centrada no sol interior.
Difícil de atingir, o silêncio traz inúmeros benefícios. Força, magnetismo, energia, serenidade, delicadeza, flexibilidade, clareza, lucidez, atenção e concentração são alguns exemplos: «Se estivésseis mais atentos, se tivésseis mais discernimento, sentiríeis que, antes de cada empreendimento importante da vossa vida (uma viagem, um trabalho, uma decisão a tomar), há uma voz suave que vos aconselha»[8]. Além da purificação, sublimação, libertação, organização, integração e expansão que promove, a voz do céu franqueia a passagem à certeza, à paz, ao amor, ao bem-estar, à felicidade, à plenitude e a uma vida correcta.
A «(...) maioria dos humanos vive a maior parte do tempo à periferia do seu ser»[9], ensinava o mestre búlgaro, discípulo de Peter Deunov. O silêncio, ao submeter a personalidade ao Eu Superior, que doravante nele se expressa e o comanda, permite desenvolver o terceiro ouvido e escutar a voz do Senhor, o Silencioso: «(...) fazer o silêncio é, de algum modo, fazer em nós o vazio, e é nesse vazio que recebemos a plenitude»[10].

[1] AIVANHOV, Omraam Mikhael – A via do silêncio, Edições Prosveta, Colecção Izvor, 2000, p.13. [2] Idem, p.16 [3] Idem, p. 143 [4] Idem, 14 [5] Idem, 16 [6] Idem, p.163. [7] Idem, p.22. [8] Idem, p.143. [9] Idem, p.159 [10] Idem, p.161

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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Telefonia de sessenta III



Depois da interrupção em Dezembro (devida ao Natal), retomamos a história da rádio portuguesa no primeiro ano da década de 60, quando o Governo enfrenta dificuldades como a Abrilada.


Texto Dina Cristo

O plano de Salazar é resistir militarmente em Angola. O ministro da Defesa, Botelho Moniz, contudo, defende mudanças e tem a aprovação dos Estados Unidos, mas opta pelas vias legais e anula o factor surpresa do golpe de Estado em preparação.
Na análise de Mário Soares, Júlio Botelho Moniz compreende que a política salazarista estava esgotada e “não fazia sentido envolver Portugal numa guerra colonial sem saída, que importava encontrar uma solução alternativa, mais ou menos democrática, substituindo Salazar”
[1]. Júlio Botelho Moniz tinha consigo, além do apoio discreto americano, os principais comandos militares. Mas o ministro terá errado duplamente: quando confiou em Américo Thomaz, a quem exigiu a demissão de Salazar, e depois ao conceder-lhe um prazo de reflexão. “Thomaz avisou Salazar e, com a ajuda da PIDE e da aviação (Kaulza de Arriaga), decapitaram a conspiração, prendendo, em prisão domiciliária, Botelho Moniz e neutralizando os seus homens de confiança”[2].
Kaulza de Arriaga põe a Força Aérea de prevenção e Salazar a Marinha de Guerra. O Presidente do Conselho reserva para si a pasta da Defesa e nomeia o novo chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas. Manuel de Araújo dá ordem para os comandantes militares não comparecerem na reunião convocada pelos rebeldes. Elbrick, embaixador americano em Portugal, não fala com Botelho Moniz e este desanima. No dia 13 de Abril Salazar demite, por carta, o ministro da Defesa e do Exército.
Pela rádio, os ouvintes ficam apenas a saber as notícias das remodelações, incluindo a nova pasta de Salazar. A justificação é Angola. Os radiouvintes nada mais sabem e mais nada lhes é explicado. “Cerca das 15 horas, a Emissora Nacional interrompeu a programação normal para anunciar a demissão de Botelho Moniz e a sua substituição na pasta de Defesa Nacional por Salazar. As demissões de Almeida Fernandes e de Beleza Ferraz foram também noticiadas (…). O poder intimidatório da mensagem radiofónica fez-se sentir no campo rebelde. Botelho Moniz ficou a partir daí, e para efeitos da opinião pública, situado fora da legitimidade. Era sumariamente demitido sem que o incidente provocasse, como observou Elbrick, qualquer atenção da opinião pública”
[3].
Os novos membros tomaram posse às 17h 30m. Às 21 horas, Salazar discursava ao país, através da rádio (e também da TV): “Se é precisa uma explicação para o facto de assumir a pasta da Defesa Nacional, mesmo antes da remodelação do Governo, que se verificará a seguir, a explicação pode concretizar-se numa palavra e essa é Angola. Pareceu que a concentração de poderes da presidência do Conselho e da Defesa Nacional, bem como a alteração de alguns altos postos noutros sectores das Forças Armadas, facilitaria e abreviaria as providências necessárias para a defesa eficaz da província e a garantia da vida, do trabalho e do sossego das populações. Andar rapidamente e em força é o objectivo que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão. Como um só dia pode poupar sacrifícios e vidas, é necessário não desperdiçar desse dia uma só hora para que Portugal faça todo o esforço que lhe é exigido a fim de defender Angola e, com ela, a integridade da Nação”
[4].
O comunicado é lido e a emissão é retomada. A oposição, liderada por Botelho Moniz, não merece qualquer palavra. Para todos os efeitos, nunca existiu. Angola é a única justificação para a tomada da pasta da Defesa por Salazar. Todas as movimentações para o retirar do poder não chegam a público. Os ouvintes nada sabem e nada mais a rádio se permite ‘dizer’.
(In)estabilidade até ao fim (do ano)

Em Agosto, o Forte de São João Baptista de Ajudá é ocupado pelo Daomé. O único residente, antes de vir para Lisboa, lança fogo às instalações.
A 12 de Outubro é aberta, formalmente, a campanha para as eleições dos 130 deputados à Assembleia Nacional. Mas sem pluralidade política. “A lei eleitoral restringia a campanha aos distritos de onde os candidatos eram naturais, interditava o acesso dos candidatos à televisão e à rádio nacionais, instaurava uma rigorosa censura a matérias militares, proibia a entrada da imprensa estrangeira em Portugal, impedia os membros do PCP e grupos similares de se candidatarem e de votarem”
[5]. A oposição não tem acesso ao Rádio Clube Português, à Rádio Renascença e à Emissora Nacional e acaba por retirar as suas candidaturas no dia 7 de Novembro.
Ainda antes do final do ano, há, contudo, mais tentativas de oposição ao Governo. A 10 de Novembro, um dia depois do apelo radiofónico de Salazar ao voto, a operação Vago, liderada por Henrique Galvão, apodera-se de um avião da TAP e lança panfletos de propaganda sobre Lisboa e Sul do Tejo, numa operação de marketing, que será bem sucedida mas que ‘obriga’ a tripulação a seguir para Marrocos, onde pede exílio.
No dia 15 de Dezembro, inserido no plano de evacuação do Estado da Índia, começam a chegar a Portugal refugiados goeses. A Emissora Nacional faz a cobertura do aeroporto de Lisboa. Em tom paternalista, o repórter centra-se na descrição de estados de alma, pressupostos. Os “óculos” com que vê os acontecimentos têm sempre o mesmo filtro: os territórios dominados por Portugal são terras portuguesas. Goa é também Portugal. “Podemos dizer-vos, entretanto, senhores ouvintes, como primeira impressão que, todas as pessoas que chegaram, as senhoras e mesmo as crianças, não reflectem, de maneira nenhuma, o pânico, a intranquilidade, o pavor das horas perigosas. Há efectivamente nelas, na sua expressão, a tranquilidade, sobretudo, a confiança, de que tudo corra pelo melhor, a confiança de que estão bem entregues à protecção das autoridades portuguesas, diremos mesmo, à própria espontânea e sincera e natural protecção do povo português, que as acolhe como portugueses que são”
[6]. O repórter dirige-se a uma das refugiadas, Camila Ataíde Lobo, mas, para além de repetir as respostas, apenas coloca as seguintes perguntas [7]:
Minha senhora, muito boa tarde. Fez boa viagem?
Fiz boa viagem, muito obrigado.
Quer fazer o favor de dizer o seu nome?

Camila Ataíde Lobo.

Ataíde Lobo. De onde é natural? É da Índia Portuguesa?
Sou natural da Índia Portugesa.
É mesmo goesa, não é?
Sim, sim.
E de que cidade ou de vila, especialmente?
Sou da aldeia de Sioli.
A sua profissão é doméstica ou é…?
Sou professora primária, em Moçambique
Há! É professora primária em Moçambique, não é?
Estava em licença graciosa em Goa.
Estava de licença, não é? Há quanto tempo?
Só fiquei um mês.
Ficou lá um mês. Traz crianças consigo?
Trago uma filha minha.
É filha, não é? Que idade tem?
Quatro anos.
Tem quatro anos. Como é que…? Qual é a sua impressão do estado actual de Goa, da Índia Portuguesa de uma maneira geral? Como a deixou?
A população está muito calma.
Sim…?
Mas a gente recebeu ordem para se ir embora, para se evacuar crianças e senhoras.
Claro.

E saímos, não é?

Claro, claro. E agora vem confiada. Já tem o seu cartão, não é verdade? Para a conveniente instalação, não é verdade?

Sim, senhora. Tenho cá família da minha cunhada, de modo que, com certeza, que vou lá.

Sim, e está com certeza desejosa de regressar à sua terra?

Pois… À minha terra, agora não sei. O meu marido está em Moçambique, está à minha espera, ele não sabe onde eu estou… É um caso sério!

Entretanto deixou família em Goa?
Deixei a minha mãe, deixei dois irmãos, duas irmãs. Tenho muita família em Goa.
E elas não vieram, porquê? Não quiseram vir? Preferiram ficar na sua terra?
Um irmão padre, outro irmão juiz, e as outras irmãs são casadas, têm os seus filhos e tudo isso…
Persistem em continuar a sua vida lá, não é?
Minha mãe é muito velha de modo que não se resolveram, não sei se virão, porque tem mais gente. Eu vim no primeiro avião, de modo que não sei se virá mais gente.
Sim senhor.

Se as minhas irmãs estejam cá, os meus irmãos e eu não sei de nada.
Mas vai com certeza agora saber novidades e acalmar todas as notícias, pôr as notícias de família em dia, não é verdade? Oxalá que regresse em breve à sua terra, com a paz e a tranquilidade que todos nós desejamos.
À minha terra não posso regressar, eu tenho que regressar é a Moçambique, onde está lá o meu marido e sou lá funcionária.
Pois, sim, mas que possa voltar à sua terra quando quiser em futuras férias, se Deus quiser.
Oxalá.
Pronto. Muito obrigado, minha senhora. Muito obrigado.


[1] AVILLEZ, Maria João – Soares, ditadura e revolução, Círculo de Leitores, 1996, pág.154. [2] Idem, ibidem. [3] ANTUNES, João Freire – Kennedy e Salazar- O leão e a raposa, Difusão Cultural, 1991, pág.224. [4] Arquivo Histórico da RDP, 13 de Abril de 1961, Salazar [5] ANTUNES, João Freire – Kennedy e Salazar- O leão e a raposa, Difusão Cultural, 1991, pág.284. [6] Arquivo Histórico da RDP, Emissora Nacional, 15 de Dezembro de 1961. [7] Idem.

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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Avatar


Os Globos de Ouro premiaram James Cameron e o seu filme, que permite ao espectador ver aquilo que, se o ser humano nada fizer, estará prestes, em 2154, a ser pura realidade virtual: um mundo habitado por indígenas em comunhão fraterna com a Natureza.

Texto Dina Cristo

São azuis, têm cerca de três metros, olhos grandes amarelados, vivem em comunidade e em harmonia com a Natureza, em Pandora, onde habitam a “Casa da Árvore”, cuja riqueza espiritual veneram.
Pelo contrário, os humanos cobiçam o seu minério, que planeiam explorar. Indiferentes à sua sensibilidade, invadem a sua Terra Mãe, cujo verde devastam sem piedade, cegos de ambição. Barricados nos seus robôs, metralham território virgem e explodem Árvores sagradas.
De um lado, Neytiri, a princesa dos Na`vi, clã Omaticaya, do outro Jake Sully, ex-fuzileiro paraplégico do exército americano. O amor os unirá e juntos lutarão pela sobrevivência de uma comunidade indígena que respeita, entre outros, os espíritos da Natureza e dos seus antepassados.
Um povo que não mata os animais, antes os comanda mentalmente, e a eles se liga, tornando-os cúmplices na sua defesa da floresta, um gigantesco espaço verde, que os humanos dizimaram do planeta e que, agora desesperados, procuram reservas. Nativos que diagnosticam de imediato a insanidade humana enquanto militares mercenários escarnam da vivência da sua delicada religiosidade.
A tribo de Pandora é constituída por seres pacíficos, obrigados a revelarem-se guerreiros verdes. Adoram as árvores – vivem numa, à qual chamam de “Casa das árvores”, refugiam-se noutra, a "Casa das Almas", e protegem outra ainda, a "Casa das Vozes" – as montanhas (caso da Aleluia), os antepassados (representados em Toruk), os mais velhos (caso do chefe, Eytukan) e, acima de tudo, a sua divindade, Eywa.
Não ignoram os sinais (como a cobertura de sementes da "Árvore da Vida"), não bloqueiam o fluxo energético reticular (‘a energia é-nos emprestada, depois teremos de a devolver’), conscientes de que a entidade divina não toma partido, apenas protege o equilíbrio, que o corpo dos seus fica com o povo mas o seu espírito segue para 'o lugar que o olho não vê'.
Os seus locais de oração são ainda mais reservados e puros. Vivem em total harmonia, consigo próprios, com os outros seres humanóides, celestiais, animais e vegetais, que se revelam no máximo esplendor. Sentem o outro para além da sua diferença corporal: independentemente da raça a que pertencem, são capazes de Ver a semelhança da sua alma: Namastê.
Do ponto de vista técnico, o filme, projectado a três dimensões, proporciona uma profundidade espacial, que capta os movimentos realistas dos actores e interage com o espectador. Uma inovação cinematográfica premiada e apreciada pelo público e também pela crítica.

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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Farol de Alexandria

Está em exibição nas salas de cinema em Portugal o último filme de Alejandro Menábar. Em pouco mais de duas horas, o realizador mostra aquilo que a história deixou esquecido: o modo como a Igreja Católica Romana se impôs à custa da destruição da Sabedoria da Antiguidade; dos seus templos, sábios e obras.
Texto Dina Cristo
Quando o poder de investigar deu lugar ao dogma formal através da força da destruição e assassínio, restou uma mulher que disse “não” aos homens que preferiram deixar de pensar e passar a apontar a espada a quem ousasse discordar da sua crença. Hypatia, filósofa que dirigiu a Escola Neoplatónica de Alexandria e deu a sua vida pela verdade, é, dezasseis séculos depois, recordada pela direcção de um homem espanhol.
Estimulada pelos imperadores da Igreja, vai crescendo a intolerância em relação ao saber filosófico e ao conhecimento antigo. Investigar, reflectir e pensar são doravante cada vez mais consideradas heresias. Sobetudo quando lideradas por mulheres respeitadas por homens de todas as religiões aos quais educava na fraternidade.
Enquanto isso, os “douto(re)s” do Cristianismo exibem milagres que impressionam e lhes vão multiplicando os crentes. A confiança no que é ostentado, por um lado, e na letra, repetida até à exaustão, por outro, tornam a fé (cega), publicamente proclamada, e a perseguição social a quem não se lhe ajoelha realidades.
Mulher virtuosa, para quem a “briga é para escravos ou gentalha”, enfrentará a ocupação da Biblioteca, a sua destruição e, mesmo perante a anulação de qualquer actividade racional, vai procurando incansavelmente respostas para as suas dúvidas. Experimenta, conferencia, deduz. Não sossega só de pensar que a Terra podia ser redonda, movimentando-se em forma de elipse à volta do Sol.
A Biblioteca, antes “local de cura da alma”, reservatório de todo o conhecimento humano, transforma-se, após a sua usurpação cristã, num local sombrio, animalesco e sem vida. A cidade vai-se tornando cada vez mais orgulhosamente só com o seu único Deus verdadeiro. Dela são excluídos e mortos judeus e pagãos.
Dali para a frente, o medo alastra. Deixa de haver condições para a dúvida inteligente e para o convívio são e sereno. Está aberto o caminho para o obscuratismo, o fanatismo e a obediência cega à letra morta, repetida mas incompreendida. A verdade deixará de ser procurada, passará a ser proclamada e seguida. Nada mais haverá, dali em diante, que possa ser questionável.
Um a um, os que preservavam os tesouros da Antiguidade, os registavam, estudavam e confrontavam, são dissipados. Até ao último “farol” da Escola Neoplatónica, a própria Hypatia que, embora com uma nobreza de carácter a toda a prova e de uma elevada dignidade e honra, será acusada pelos imperadores da Igreja de bruxa, prostituta e herége. À força da crueldade, perseguição e assassínio se instituirão as verdades oficiais, os dogmas que ninguém mais será permitido duvidar.
Carl Sagan em “Cosmos” descreve esse momento em que Hypátia é assassinada às mãos de um grupo de monges, acirrados por Cirilo, o arcebispo da cidade: «Arrastaram-na para fora do carro, arrancaram-lhe as roupas e, com conchas de abalone, separaram-lhe a carne dos ossos. Os seus restos foram queimados, os seus trabalhos destruídos, o seu nome esquecido. Cirilo foi santificado»(1).
Pérola eclética
Já 24 anos antes, como refere José Manuel Anacleto (JMA) em "Glória e ruína de Alexandria"(2), o tio de Cirilo - Teófilo, bispo cristão - havia instigado os seus acólitos que em 391, aproveitando a determinação de Teodósio, o Imperador Romano, para fechar todos os templos não cristãos, procederam à segunda e maior destruição da Biblioteca de Alexandria, depois do incêndio em 48 a.C., aquando da tomada da cidade pelas tropas romanas.
Estima-se que a Biblioteca chegara a reunir cerca de 700 mil obras, preciosidades do conhecimento antigo, como os cerca de 20 mil livros atribuídos a Hermes. Deste acervo restam alguns manuscritos e folhas soltas, recorda JMA que cita uma pergunta do cientista Carl Sagan: «Imaginem que mistérios sobre o nosso passado se poderiam resolver com um cartão de leitor da Biblioteca de Alexandria» (3).
A Biblioteca surgiu em 302 a.C. e tinha associado um Museu, protótipo de uma Universidade (dispunha de salas de reunião, laboratórios, jardins e observatório, com as despesas de funcionamento suportadas pelo Governo), e anexado o Templo “Serapeum”, dedicado a Serápis.
Alexandria, no norte do Egipto (perto das pirâmides de Gizé) hoje segunda cidade do país, depois da capital, o Cairo, foi fundada em 332 a.C. por Alexandre Magno com o objectivo de, aproveitando a sua localização - ponto de transição entre o Oriente e o Ocidente - ali constituir um centro cosmopolita, local de encontro entre diferentes culturas e civilizações.
A Escola Neoplatónica que ali floresceu, fundada por Amónio Saccas e depois continuada por Plotino, caracterizava-se por sintetizar, além do pensamento platónico, as principais correntes da filosofia da antiguidade grega, diversas concepções religiosas e místicas, incluindo as Orientais, e conciliar o monoteísmo com o politeísmo.
Hypatia, filha de Theon, dirigiu-a. Também filósofa, matemática e astrónoma, nasceu em 370 em Alexandria, estudou em Atenas e, solteira, dedicou toda a sua vida à instrução. Representou a preservação da Sabedoria da Antiguidade, o universalismo, o livre pensamento, a investigação científica, a inteligência. Mulher de prestígio, desafiou com a sua coragem e integridade a ignorância e o dogmatismo.
A protecção junto do governador romano foi insuficiente para compensar o mau-estar que o poder da sua sabedoria provocava em poderosos que se sentiam eclipsados. Com o seu assassinato, a sua decifração das fontes, nas quais a Igreja se baseava para construir a sua doutrina, como refere Helena Blavatsky, citada por JMA, foi também eliminada. Até novo Renascimento.


(1) Citado por José Manuel Anacleto (JMA), autor do livro “Alexandria e o Conhecimento Sagrado”, editado pelo Centro Lusitano de Unificação Cultural, num artigo anterior - “Glória e ruína de Alexandria", publicado no Outono 2003, pág. XXXII, na revista "Biosofia", vencedora do Prémio Informação Solidária 2009.
(2) Idem, pág. XXIII.(3) Idem, Ibidem.

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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Mundos

Saudamos 2010 com algumas imagens.

Desenhos Dina Cristo

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