(Re)cortes de imprensa

Amanhã faz cem anos que entrou em vigor a Lei de liberdade de imprensa, a seguir à implantação da República. Uma oportunidade para relermos “A censura à imprensa na época marcelista”*, um livro escrito por Arons de Carvalho em 1972 e editado, pela primeira vez, em plena campanha eleitoral.
Publicada inicialmente pela Seara Nova, sob o título "A censura e as leis de imprensa", a obra aborda três temas: “A Legislação da Imprensa de 1910 a 1926”; “A Imprensa no Estado Novo” e “A Imprensa Portuguesa depois de Setembro de 1968”. O livro revela e explica todo o modo de actuação da censura como mecanismo central dos dispositivos ideológicos e do poder do regime Salazarista, prolongando-se até ao Marcelismo.
Segundo Cândido Azevedo, o papel da censura «inseria-se, de facto, no objectivo mais vasto que o regime perseguia: o da remodelação das mentalidades, do enquadramento cultural e ideológico dos cidadãos, no âmbito dos princípios doutrinários do regime, ou, simplesmente, da ‘Verdade Nacional’ por ele definida».
Análise
Com a implantação da República a 5 de Outubro de 1910, a imprensa sofre uma significativa mudança: a lei repressiva de 1907 é revogada e são suspensos todos os termos de quaisquer processos relativos à imprensa “enquanto não for publicado um novo decreto com força de lei protector da liberdade de imprensa”(1). A 28 de Outubro, este decreto entra em vigor e constitui a única lei com o direito de expressão do pensamento. No entanto, com a participação portuguesa na I Guerra Mundial a legislação de imprensa é alterada e volta a entrar em vigor até ao Movimento de Maio de 1926, que institui a Ditadura.
Análise
Com a implantação da República a 5 de Outubro de 1910, a imprensa sofre uma significativa mudança: a lei repressiva de 1907 é revogada e são suspensos todos os termos de quaisquer processos relativos à imprensa “enquanto não for publicado um novo decreto com força de lei protector da liberdade de imprensa”(1). A 28 de Outubro, este decreto entra em vigor e constitui a única lei com o direito de expressão do pensamento. No entanto, com a participação portuguesa na I Guerra Mundial a legislação de imprensa é alterada e volta a entrar em vigor até ao Movimento de Maio de 1926, que institui a Ditadura.
A declaração de guerra da Alemanha a Portugal forçou o Governo Republicano a restringir a liberdade de imprensa, sendo apreendidas publicações nas quais se divulgasse “boato ou informação capaz de alarmar o espírito publico ou de causar prejuízo ao Estado, no que respeita, quer à sua segurança interna ou externa, quer aos seus interesses em relação a Nações Estrangeiras, ou ainda a trabalhos de preparação ou de execução militar”(2). Provocando um grande descontentamento nos jornais, o governo optou pela instituição de um regime de Censura Prévia criada pela Lei nº495 a 28 de Março, onde “…o governo passava a ser juiz e fiscal exclusivo das informações e considerações relativas à beligerância e à segurança da defesa nacional”(3). A Censura era exercida através de Comissões Distritais de composição variável: a de Lisboa, formada por militares e situada no calabouço nº4 do Governo Civil: segundo o artigo 7º, a parte da publicação mandada eliminar não era substituída, ficando em branco o espaço que ocupava, sendo que os cortes incidiam sobretudo em noticias de carácter militar. A situação complica-se a partir de 1917, quando Afonso Costa ocupa o cargo de Presidente do Ministério, após a queda do Governo da União Sagrada. Posteriormente, gera-se um movimento dos jornais contra a censura, organizado pela Redacção do "Jornal do Comercio e das Colónias" para “tratar do modo irregular em que está sendo exercida a censura prévia determinada pelo Estado de Guerra”(4), ou seja, é a possibilidade da censura cortar noticias sobre alterações de ordem pública ou críticas ao governo, que é posta em causa. Mais tarde, José Barbosa e Luís Derouet (deputados da União Republicana) elaboraram um Projecto Lei, que cingia a actuação da censura apenas a notícias direccionadas à guerra. A nova lei estabelecia, que as comissões de censura eliminariam qualquer noticia nos casos da “defesa nacional militar ou económica ou às operações de guerra e propaganda”(5). Assim, o número de cortes baixou consideravelmente. Mais tarde, a Junta Revolucionaria encabeçada por Sidónio Pais decide-se pela abolição da Censura Prévia. A 28 de Dezembro, através de três Portarias do Ministro Machado Santos, a liberdade de imprensa é restringida, sendo que a 9 de Janeiro de 1918, surge uma nova ameaça à imprensa: era ordenado aos governos civis a suspensão por tempo indeterminado de “todas as publicações periódicas que em linguagem despejada, pretendessem perturbar a segurança pública”(6). Assim, é a ausência de censura e o clima de descontentamento existente, que levam os jornais “República” e o “Mundo” a violentos ataques ao governo, o que consequentemente, provoca a publicação de notícias sobre prisões e deportações de opositores ao Sidonismo. Ao mesmo tempo, os jornais são apreendidos e censurados. Em Maio e Junho, perante a instabilidade política vivida, o governo efectua inúmeras prisões e a censura aumenta o seu rigor. Ainda assim, esta adapta-se ao condicionalismo legal e corta noticias cujo conteúdo não está abrangido pelo decreto.
Os últimos meses do Sidonismo são agitados para a imprensa. Porém, o fim da 1º Guerra Mundial não origina a extinção da censura. Com o assassinato de Sidónio Pais a 14 de Dezembro de 1918 e com a instauração da Monarquia do Norte em 1919, forma-se um novo Governo presidido por José Relvas e composto por ministros oriundos de diversos partidos. A 1 de Fevereiro, o novo Ministério tende a alterar o funcionamento e aplicação da censura, que passa a ser justificada pela necessidade de derrotar os monárquicos.
A queda do Governo Democrático de António Maria da Silva originada pelo Movimento de 28 de Maio de 1926, põe fim à República Portuguesa. Esta situação não levou os vitoriosos a instituírem qualquer regime de censura ou a aumentar medidas repressivas. A 30 de Maio, a Junta Militar Revolucionaria de Lisboa, num manifesto publicado em todos os jornais, afirmava competir ao exército “garantir a liberdade de opinião e a segurança pública”(7). No entanto, o Golpe de Estado a 17 de Junho modificaria a situação da imprensa.
Dada a consequente institucionalização da Ditadura Militar e no dia seguinte ao afastamento do Presidente Mendes Cabeçadas, o General Gomes da Costa, numa entrevista dada à imprensa, afirmou que não estabeleceria a censura, se não fossem feitos juízos de valor à sua pessoa “fala-se em censura à imprensa – Não senhor, pelo menos enquanto os jornais não a incomodarem"(8). Porém, a publicação de duas notícias sobre a nova medida, com as palavras “Mau Caminho” e “Amordaçados”, fora motivo de implantação de um regime de Censura Prévia. Desta forma, o Coronel Pratas Dias, chefe dos Serviços da Censura, decidira que os jornais teriam de enviar quatro provas de cada página à censura e seriam proibidos os espaços em branco. A 24 de Junho, pela primeira vez, os jornais inserem a frase “este número foi visado pela Comissão de Censura”. Por conseguinte, o “Mundo” publica um editorial intitulado de “A censura”: “a medida que o governo acaba de tomar estabelecendo a censura prévia à imprensa produziu nos meios republicanos a mais desagradável das impressões como era de esperar”(9). A censura provocava cada vez mais protestos: a 29 de Junho o “Mundo” perguntava “quanto tempo durará isto ainda?”(10).
Contudo, a primeira lei de imprensa da Ditadura Militar é publicada a 5 de Julho e embora não prevendo qualquer forma de Censura Prévia, a reacção da imprensa é de total desagrado, tendo em conta que apesar dos conflitos permanecerem, o fim da censura fora uma das últimas tentativas de General Gomes da Costa, para através do apoio dos jornais, vencer a facção direitista do Movimento de 28 de Maio 1926. Durante apenas um dia, os jornais puderam ser publicados sem submissão à censura.
Entretanto, após a substituição do General, por Carmona Rodrigues, a censura entra em força, iniciando-se um período de nítido aumento da repressão e do seu rigor, levando ao total desagrado os Órgãos de Comunicação Social. Mas, numa entrevista ao “Mundo” a 13 de Julho, Carmona afirma: “não desejo causar à imprensa e às empresas jornalísticas o mais pequeno prejuízo. Tenho dado instruções para suavizarem a censura e terem muito prazer em atenderem todas as reclamações razoáveis que sobre essa matéria me formulem. Oportunamente, a censura desaparecerá e todas as liberdades públicas serão restabelecidas. Este governo não é militarista, inspiram-nos fortes sentimentos liberais e claros nacionais”(11).
De outro ponto de vista, no que respeita à Legislação sobre a Imprensa de 1926 a 1972 verificou-se o seguinte: além da Censura Prévia, os principais pontos abrangidos citados pelas leis compreendiam as autorizações prévias para a fundação de jornais e para o exercício da profissão de jornalista, a repressão judiciária, a repressão administrativa, a apreensão e os direitos de resposta, rectificação e esclarecimento. Os direitos de acesso às fontes de informação e ao sigilo profissional não são previstos por qualquer diploma.
Em Junho de 1933, é criada a Direcção Geral dos Serviços de Censura. A autorização prévia está presente no Decreto 12008 e estipula a inexistência de qualquer forma de caução; mas em 1927, o Decreto nº 13841 já reformula a legislação da imprensa aplicável nas colónias e foi o primeiro a prever a forma de autorização prévia, sendo a Direcção dos Serviços da Censura a autoridade competente para este fim. O regime discricionário só é introduzido na metrópole em 1936 em que “nenhuma publicação pode ser fundada sem que seja reconhecida a idoneidade intelectual e moral dos responsáveis e sem que tenha sido feita prova suficiente dos meios financeiros”(12). A repressão judiciária, no âmbito dos Decretos 12008 e 11839, competia ao júri e ao tribunal colectivo. Estes julgavam os delitos cometidos por via da imprensa consoante o crime. A partir de 1945, passam a ser julgados pelos tribunais plenários de Lisboa e do Porto. A responsabilidade dos delitos cometidos caía sobre o autor do escrito e sobre o director (também punido como cúmplice). Pelo contrário, os tipográficos, impressores, distribuidores ordinários e vendedores não incorriam em qualquer responsabilidade pelos actos que praticavam no exercício da sua profissão, excepto se conhecessem o conteúdo da publicação. Quanto à repressão administrativa, a concessão de poderes ao governo, para aplicar sanções aos jornais por delitos previstos na lei da imprensa, sem intervenção prévia dos tribunais, é pela primeira vez prevista durante o Estado Novo, no Decreto nº26589 de 1936. Este antevê uma multa até 5000 escudos, que será aplicada pelos Serviços da Censura. Muitos jornais foram suspensos como é o caso do "Diário da República", que recusara publicar um editorial condenando o acto de Henrique Galvão e dos seus companheiros no assalto ao Paquete de Santa Maria, em 1961.
A apreensão está prevista nos artigos 9º e 10º do Decreto 12008 de 1926 e é da competência das autoridades administrativas e judiciais. No entanto, o Decreto nº 37447 de 13 de Junho 1949 altera esta situação. É criado o Conselho de Segurança e, ao mesmo tempo, atribuída a competência para a apreensão de “publicações, imagens ou impressos pornográficos, subversivos ou simplesmente clandestinos”(13), às autoridades de segurança. O regime de Direito de Resposta é simplificado através dos Decretos 11839 e 12008. Aquando a lei de imprensa de 1910, o direito de resposta era exercido por via judicial. Cabia ao juiz, que se deveria pronunciar num prazo de 24h, a decisão acerca da obrigatoriedade de resposta. Com os novos decretos, este direito passa a efectuar-se através do envio de resposta, num prazo de seis meses. Este é concedido “a qualquer indivíduo ou pessoa moral que tiver sido atingida em publicação do mesmo período, por ofensas directas ou referencias a facto inverídico que possam afectar a sua reputação e boa fama”(14). A existência de Censura Prévia e a consequente possibilidade de corte total ou parcial na resposta limitavam esse direito.
A instituição de um regime de Censura Prévia em 1926 (a 22 de Junho) não tem como origem qualquer diploma legal. Estando suspensas as garantias constitucionais, a censura é vista como a medida transitória. O Decreto nº 11839 e depois o 12008 dispõem no artigo 1º que a todos é licito manifestar livremente o seu pensamento por meio da imprensa, independentemente de caução e sem necessidade de autorização ou habilitação prévia”(15), altura em que tem o seu termo, a Ditadura Militar (1933). O artigo 8º da Constituição 1933 estipula que, entre os direitos e garantias dos cidadãos portugueses está “a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma”(16), regulada por leis especiais presentes no artigo 2º. Depois da oficialização do regime de censura, este era totalmente independente do Ministério do Interior em 1940, uma vez que, em 1944, o Secretariado da Propaganda Nacional passa a chamar-se Secretariado Nacional de Informação (SNI) e Cultura Popular, onde são integrados os Serviços da Censura. Estes, por sua vez, são controlados de forma absoluta por Salazar.
Desde então, todo o conteúdo dos jornais diários era submetido a Censura Prévia, ou seja, cada funcionário tinha a missão de se deslocar à Comissão de Censura transportando o material (provas de granel), em triplicado, a submeter a exame. Depois, uma das provas voltava sempre ao jornal com dois carimbos: um deles dizendo “visto” e outro com o resultado – “autorizado”, “autorizado parcialmente”, “demorado” ou “proibido”. O noticiário proveniente do estrangeiro e do ultramar, chegava aos jornais através de teleimpressores instalados nas redacções e ligados às agências. Neste contexto, à Censura Prévia em 1933 (Decreto-Lei nº22469) competia “impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida de forma a defendê-la de todos os factores que desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade”(17). O rigor da censura torna-se, então, maior nos jornais desportivos, lidos por camadas populacionais geralmente pouco motivadas, do que por exemplo no "Expresso". A crítica global, a critica à lei, a utilização de certos termos e os próprios títulos das notícias são alvo do lápis azul da censura.
Até 1943, o início da Guerra em Espanha, a II Guerra Mundial e os regimes Nazi-Fascista, traduzem um aumento definitivo da severidade da censura. Neste período, todas as notícias eram cortadas, independentemente dos temas: «as principais instruções escritas enviadas pelos serviços da censura aos jornais até 1968 são as constantes de uma “circular urgente”, cujo conteúdo limita a imprensa apenas a uma função propagandística».
A substituição operada a 26 de Setembro de 1968 (período de Liberalização), na chefia do governo iniciou um importante período da história do regime com naturais repercussões na imprensa. A grave crise política e a subida de Marcello Caetano ao poder criaram entre os portugueses uma expectativa em relação aos passos do novo governo “uma evolução liberalizante”. A intenção de promover uma “informação tão completa e frequente quanto possível procurando-se estabelecer a comunicação desejável entre o governo e a nação” era apontada como o produto do novo Chefe de Governo em alterar o rigor da Censura Prévia. A imprensa começou a puder utilizar metáforas, muitas expressões enquadradas na visão esperançosa da situação, caricaturas em anedotas ilustradas, noticiário sobre a actividade dos sindicatos e inúmeros inquéritos. O noticiário proveniente do estrangeiro sofreu menos cortes e o regresso de alguns exilados é também motivo de destaque na imprensa. Após as eleições de 1969, Marcello Caetano anunciara, pela primeira vez, a intenção de publicar uma “lei de imprensa”, onde os jornais contrapunham o regime de censura a esta nova lei, o que significava o fim do arbitrário e do discricionário que a censura representava. Porém, a legislação da imprensa vigente em 1968, torna-se rapidamente um obstáculo à política do regime. Por outro lado, em diversos países, como a Grécia, o Brasil e a Espanha, a censura dá lugar a uma legislação repressiva, mantendo-se o mesmo controlo sobre a imprensa. Na Grécia, a censura é instituída em Abril de 1967. O Governo dos Coronéis ordena a prisão de milhares de gregos e suspende os artigos da Constituição, que prevêem as liberdades e garantias fundamentais. A futura lei de imprensa surge em Novembro de 1969. A censura passa a chamar-se exame prévio. Em Outubro de 1971, é decretado o código deontológico que regula a profissão de jornalista. No Brasil, a censura é instituída em Abril de 1964, após o derrube do governo de esquerda de João Goulart. Paralelamente, são apreendidas algumas edições de jornais e dadas rigorosas ordens às estações de rádio e de televisão. Em 1967, entra em vigor uma lei de informação que abrange os três meios de Comunicação Social (imprensa, rádio e TV). O artigo 1º da nova lei declara “liberdade de manifestação do pensamento e de informação”(20) e proíbe a censura. Em Espanha, a Censura Prévia data Abril de 1938, em plena Guerra Civil. A fundação de jornais é sujeita a condições prévias por meio de registos obrigatórios na Direcção-Geral de Imprensa. A censura é extremamente rígida. Em Março de 1966, surge uma nova lei de imprensa, que prevê a abolição da Censura Prévia, onde é obrigatório o depósito de todos os jornais no Ministério da Informação e Turismo meia hora antes da sua difusão. No entanto, a situação da imprensa volta a piorar com a reforma do Código Penal em Abril de 1967, isto é, assiste-se ao agravamento de prisões previstas para delitos de imprensa. As formas de controlo (administrativo) mudam, mas a opressão continua. Os regimes Nazi-Fascista afastaram a ideologia liberal da imprensa, que é considerada como ramo do serviço público. Contrariamente, a vitória dos Aliados e das Democracias Políticas na II Guerra Mundial modifica a situação. A liberdade de expressão e a ausência de censura são considerados os principais fundamentos de um regime Democrático e são incluídos nas declarações de direitos, característica esta do pós-guerra.
A 2 de Dezembro de 1970, o governo submete à Assembleia Nacional uma Proposta de Lei de Imprensa com o nº 13/X, antes porém, a 22 de Abril, já os deputados Sá Carneiro e Pinto Balsemão tinham entregue um Projecto Lei de imprensa com 18 artigos. A Assembleia nomeou uma Comissão Eventual para estudar os documentos. A 16 de Junho de 1971, foi divulgado um extenso Parecer, composto pela apreciação na generalidade (terminada a 29 de Julho), contendo análises da evolução das leis de imprensa no nosso país, Alemanha, Brasil, Espanha, Grécia, França, Itália e Uruguai e por um exame na especialidade do projecto e da proposta, seguidos da redacção sugerida pela Câmara Corporativa. A discussão da lei de imprensa ocupou 10 sessões. O prazo de seis meses concedidos pela Base XLI da lei do governo para publicar a regulamentação iniciou-se a 5 de Novembro, data em que o Chefe de Estado promulgou o decreto da Assembleia Nacional sobre a lei de imprensa que recebeu o nº 5/71. A 5 de Maio, o "Diário do Governo" publicara o Decreto-Lei nº150/72 contendo o Estatuto Jurídico da Imprensa, entrando em vigor a 1 de Junho de 1972, altura em que seria igualmente publicada a Portaria nº303/72 de 26 de Maio referente ao regulamento dos serviços do registo de imprensa.
O artigo 98º do Estatuto de Imprensa em vigor (Decreto-Lei 150/72) estipula que “a publicação de textos ou imagens na imprensa periódica pode ficar dependente de exame prévio, nos casos em que esteja decretado estado de sítio ou emergência”(21). O nº5 do mesmo artigo define que “o exame prévio terá por objectivo assegurar os fins visados na Base XIII na lei nº5/71 de 5 de Novembro”(22). No artigo 14º, não é “permitida a publicação dos escritos ou imagens que integrem crimes punidos na lei geral”(23). A Entrega Oficial das Publicações (três dias de antecedência como forma de Censura Prévia) consiste, segundo o artigo 59º, em enviar no dia da publicação, três exemplares à Direcção-Geral de Informação, um ao Governo Civil do distrito ou à Câmara Municipal do respectivo concelho e dois aos serviços encarregados de Exame Prévio e à Biblioteca da Assembleia Nacional bem como aos Serviços de Depósito Legal. Nos casos em que se cometam infracções ao estabelecido, a aplicação de multa é da competência do Secretário de Estado da Informação e do Turismo.
O artigo nº 11 dispõe que “o direito à utilização de imprensa abrange o direito de edição e constituição de empresas jornalísticas ou editoriais”(24). A Portaria nº303/72 de 1972 contém o regulamento dos serviços de registo da imprensa. O artigo 13, nº1 estipula que “o requerimento para o registo de empresas jornalísticas deve conter indicações prescritas no artigo seguinte e ser instruído com documentos comprovativos de estarem preenchidos os requisitos previstos nos artigos 17º e 19º do Decreto-Lei nº150/72 quando for caso disso”(25). O artigo 72º indica os requisitos do exercício de funções de director: ser cidadão português, estar no pleno gozo de direitos civis e políticos e possuir o curso complementar dos liceus. O carácter vago da Base IX da Lei 5/71 estipulava que “o direito de constituir empresas editoriais ou jornalísticas e de participar nelas, será regulado de modo a conciliar os direitos individuais e o interesse público”(26). A Repressão Administrativa impunha multas até 20.000 escudos e era da competência das autoridades administrativas, por crimes cometidos por via da imprensa. A Repressão Judiciária, segundo o artigo 180º nº3 afirmava que “o julgamento dos crimes cometidos através da imprensa será feito pelos tribunais competentes”(27) ou seja, os delitos comuns pelos tribunais ordinários e os delitos políticos pelos tribunais plenários de Lisboa e Porto. Paralelamente, ao nível da responsabilidade, se for publicado texto ou imagem não assinado ou assinado com pseudónimo, responderão como autores do eventual crime cometido por via da imprensa, os directores dos periódicos e os seus substitutos: o editor (da imprensa não periódica) e os redactores-chefes de secção. O artigo 113º (Decreto Lei nº150/72) considera crimes de imprensa puníveis com as penas correspondentes ao crime de desobediência qualificada “a publicação de impressos que não tenham sido submetidos a exame prévio, nos casos em que este seja obrigatório, ou nele tenham sido reprovados, a publicação de impressos clandestinos ou mandatos a apreender”(28). Com efeito, a Autoridade Administrativa só poderá proceder à apreensão “quando a urgência e a gravidade das circunstâncias o justifiquem”(29). O nº1 do artigo 78º estipula que “aos profissionais da imprensa periódica, no exercício das suas funções, é garantido o acesso às fontes oficiais de informação”(30). O artigo 81º nº1 estipula o Direito ao Sigilo Profissional: “os profissionais de imprensa periódica têm o direito de guardar segredo sobre a origem das informações ou noticias que publiquem ou transmitem…”(31). Segundo o artigo 33º (Decreto-Lei 150/72), para a Concentração de Empresas, “dependem de autorização conjunta do ministério das finanças e do secretário de estado da informação e de turismo…”.
Nas últimas décadas, é cada vez mais notória a irreversível caminhada dos meios de informação para a dependência dos Poderes Económico e Politico, no final do Estado Novo. Esta situação, traduz a tendência monopolista da informação, que não representa senão um conjunto de tendências para o monopólio no sistema capitalista. A constante necessidade de aperfeiçoamento dos jornais face à concorrência, obriga-os a aumentarem as despesas na produção de informação. É o recurso à publicidade, que mais reforça a integração dos jornais no mundo da competição e do negócio. Os recursos financeiros que possuem permitem-lhes comprar, igualmente, grandes quantidades de papel. O mercado torna-se exclusivo através do controlo de informação, influênciando esta na opinião pública. Assim, a informação deixa de ser uma técnica de formação da opinião pública para se tornar uma técnica de controlo, facto provocado pelo Poder Económico. Por outro lado, face à concentração de empresas jornalísticas, verifica-se uma diminuição no número de jornais, mas um aumento no número de páginas. A transformação do jornal “propriedade - de-família” em jornal “órgão de expressão do grupo económico”origina profundas alterações. Submetida a duas formas de censura, a prévia e a resultante de toda a sorte de pressões exercidas pelos grupos económicos, os jornais portugueses adquirem um novo estilo, diverso do comum: o diminuto e o facto de serem jornais de opinião, conferiu-lhes um público, que será tanto mais fiel quanto mais se acentuar a progressiva estandardização da Imprensa Diária: “A evolução da Imprensa portuguesa nos últimos anos é ditada quase exclusivamente pela progressiva dependência perante os grupos económicos e pela cada vez maior prioridade concedida à angariação de anunciantes”(33).
Conclusão
A censura, desde sempre, marcou os diferentes períodos da nossa história actuando principalmente sobre a imprensa, nomeadamente, durante a Implantação da República, Estado Novo (Salazarismo) e na época da Liberalização: “Cercear a expressão de pensamento, obrigar os informadores da população a omitirem notícias verdadeiras, reduzir a imprensa – a grande propulsora da civilização – a um simples repositório de factos e ideias que convêm apenas a quem detém o poder – que não é propriamente pessoal dos seus detentores, mas apenas uma função exercida por um mandato da Nação – fazer com que nós pensemos com a cabeça de uns tantos, anulando o direito de raciocinarmos e de apreciarmos os actos daqueles que são apenas nossos mandatários e não nossos donos…”.
Conclusão
A censura, desde sempre, marcou os diferentes períodos da nossa história actuando principalmente sobre a imprensa, nomeadamente, durante a Implantação da República, Estado Novo (Salazarismo) e na época da Liberalização: “Cercear a expressão de pensamento, obrigar os informadores da população a omitirem notícias verdadeiras, reduzir a imprensa – a grande propulsora da civilização – a um simples repositório de factos e ideias que convêm apenas a quem detém o poder – que não é propriamente pessoal dos seus detentores, mas apenas uma função exercida por um mandato da Nação – fazer com que nós pensemos com a cabeça de uns tantos, anulando o direito de raciocinarmos e de apreciarmos os actos daqueles que são apenas nossos mandatários e não nossos donos…”.
A evolução da imprensa, antes e após o período do Salazarismo, altura em que a censura se mostrara mais rígida, também foi um grande marco na paisagem mediática: “à imprensa pertence o papel na acalmação dos espíritos, no esquecimento dos ódios e paixões, congregando os esforços de todos os portugueses para o bem da Nação. A luta irritante sem elevação nem critério, a campanha acintosa e apaixonada, geram desconfiança, o ódio e o atentado”.
A tomada de posse de Marcelo Caetano trouxe a esperança da liberalização a Portugal e à imprensa. No primeiro dia do seu novo cargo, este permite a entrada dos jornalistas no gabinete, depois de largos anos ocupado por Salazar. Foi a partir de 1969, que surgiu uma nova lei que punha fim ao arbitrário e discricionário. Iniciou-se para muitos, em Abril de 1974 a vitória pela liberdade de expressão e de pensamento, abafada durante décadas pela chamada Censura Prévia.
* CARVALHO, Arons - A censura à imprensa na época marcelista. MinervaCoimbra. 1999(1) CARVALHO, Arons - A censura à imprensa na época marcelista. MinervaCoimbra. 1999, pág. 13. (2), Idem, pág. 14. (3) Idem, pág. 15. (4) Idem, pág. 18. (5) Idem, pág. 20. (6) Idem, pág. 21. (7) Idem, pág. 27. (8) Idem, pág. 27. (9) Idem, pág. 29. (10) Idem, pág. 30. (11) Idem, pág. 32. (12) Idem, pág. 34. (13) Idem, pág. 38. (14) Idem, pág. 39. (15) Idem, pág, 40. (16) Idem, pág. 40. (17) Idem, pág. 45. (18) Idem, pág. 51. (19) Idem, pág. 58. (20) Idem, pág. 63. (21) Idem, pág. 74. (22) Idem, pág. 75. (23) Idem, pág. 75- 79. (24) Idem, pág. 99. (25) Idem, pág. 100. (26) Idem, pág. 101. (27) Idem, pág. 105. (28) Idem, pág. 107. (29) Idem, pág. 109. (30) Idem, pág. 111. (31) Idem, pág. 112. (32) Idem, pág. 115. (33) Idem, pág. 177.
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