quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O Século

Antes de se falar em responsabilidade social criou, desenvolveu e deixou-nos a sua colónia balnear, hoje integrada numa fundação. Quando passam, Terça-Feira, 130 anos sobre a sua criação, revemos alguns aspectos de uma das maiores referências da vida jornalística nacional, num trabalho realizado em 2005.

Texto Nádia Moura

Chamaram-lhe “O Século” e nasceu a 4 de Janeiro de 1881 apesar de, em Dezembro de 1880, ter aparecido um número especial onde se revelava o programa deste jornal que viria a ser um foco importante e influente da imprensa portuguesa, desempenhando, de igual forma, uma acção decisiva para a posterior proclamação da República. São estes alguns dos traços que moldam o início de um jornal, fruto das ideias de Joaquim de Almeida Pinto (músico com apetência para o azar nos negócios) e Sebastião de Magalhães Lima (fervoroso apóstolo dos ideais republicanistas com considerável poder económico), “uma elite” como defende Isabel Vargues.
No “número programa” que foi lançado (uma espécie de estatuto editorial se o adaptarmos aos dias de hoje),lê-se de início, escrita por Magalhães Lima, a apresentação do jornal onde se esclarecem os objectivos d`”O Século” que giram, fundamentalmente, à volta de ideais como a justiça, veracidade e independência onde, desde logo, transparece a repulsa ao governo vigente e a defesa de valores democráticos.
Foram capitalistas iniciais, para além de Magalhães Lima, homens como Leão de Oliveira (médico), Anselmo Xavier (lavrador), Teixeira de Queirós (escultor e abastado lavrador minhoto) e Trigueiros de Martel (homem rico e muito viajado). Todos eles eram republicanos.
Não obstante o seu desenvolvimento e sobrevivência deveu-se, maioritariamente, a José Joaquim da Silva Graça, sócio da empresa e, inicialmente tesoureiro, que, em Dezembro de 1886, paga a Magalhães Lima a sua quota e fica com a propriedade integral da empresa e a direcção do jornal. A dificuldade de Silva Graça foi o recrutamento de pessoal – nada que o seu espírito empreendedor e a sua perseverança não conseguissem ultrapassar. Os correspondentes do jornal eram recrutados entre os barbeiros de cada localidade, partindo-se da pressuposição que nestes locais da província se conheciam melhor os factos de interesse jornalístico, daí que alguns destes barbeiros, ao revelarem “faro” para a reportagem, terem passado a trabalhar para o jornal.

Caracterização

A sede d`”O Século” muda de morada por quatro vezes, situando-se até ao mês de Agosto de 1881, primeiro na Rua do Arco da Graça e depois no primeiro andar da Rua Nova de S. Domingos. A partir do dia 1 de Setembro do mesmo ano, na Rua Formosa, nº2 C e, por último, em 1889 na Rua Formosa, nº45 em Lisboa.
Relativamente à forma e estrutura, este jornal caracterizava-se por uma distribuição de notícias breves, um pouco desigual, pouco objectiva, misturando aquilo que é novidade com notícias já publicadas noutras edições, e este é um facto um tanto ou quanto paradoxal. Se existia, frequentemente falta de espaço (como é, aliás, diversas vezes referido no próprio jornal), porque é que a sua exiguidade não era aproveitada para novas notícias?
Isabel Vargues, em entrevista, esclarece oportunamente: «Pode ter sido, por exemplo, um caso de exercício da censura e, portanto, há uma fase em que a censura cortava e o espaço ficava em branco tinha de ser tapado e uma forma de tapar ou era através da publicidade, anúncios, ou através da repetição de notícias… e podiam muitas vezes não terem mesmo matérias e repetirem as que tinham».
A linguagem era arcaica, onde predominavam as consoantes dobradas ou a utilização do “ph” (como é natural, dada a forma de escrita da altura), omitiam-se acentos e hifenes que hoje fazem parte de Língua Portuguesa, as frases eram muito longas bem como os títulos e utilizava-se pouca pontuação.
Verifica-se a importância dada à introdução de temas que contribuam para o incremento da cultura geral através, por exemplo, da publicação de grandes obras literárias na secção “folhetim do século” e dos concursos promovidos alguns anos depois que se revelam como instrumentos eficazes para a expansão do jornal. Nesta altura já tinham deixado de se escrever na primeira página do jornal os “sumários”, existindo uma página para o “stuart” (antecipação da banda desenhada).
As secções existentes eram a política interna e externa, ziguezagues, comércio, indústria e agricultura, factos, contrastes (onde, geralmente, se fazia a comparação do saldo negativo de Portugal com o saldo positivo de outros países europeus como a França e a Suíça), folhetim, expediente e os anúncios, que algumas vezes ocupavam metade do jornal levantando-se, novamente, o problema da falta de espaço.

Criações

A 2 de Novembro de 1892, Brito Camacho, no seguimento da derrota republicana de 1891, apresentou uma moção, aprovada por unanimidade, na qual se afirmava que “O Século” era um traidor à causa republicana. A crise agrava-se aumentando a hostilidade a Magalhães Lima que acaba por se afastar deste jornal em Dezembro de 1896, mas não sem antes, no ano de 1884, ter sido preso por infringir a “lei das rolhas” de Lopo Vaz, que proibia o abuso de liberdade de imprensa e a qual é sobejamente tratada em diversas edições do jornal.
Silva Graça consegue, efectivamente, ultrapassar as diversas dificuldades com que “O Século” se deparava, utilizando métodos astutos não só para se libertar dos outros proprietários (o que conseguiu efectivamente) e torná-lo num jornal exclusivamente noticioso, como também para não despoletar o ódio daqueles que estavam no governo, por reconhecer as consequências negativas que isso lhe traria.
Em 1884 Silva da Graça funda a “Ilustração Portugueza”, publicada em duas séries, edição anexa que, juntamente com “O Século Ilustrado”, na foto, ou “O Século Cómico”, ajuda à formação do colosso em que se tornou a instituição nacional “O Século”.
Silva da Graça afasta-se do jornal já após a implantação da República, em 1920, deixando à frente da empresa o seu filho José Garcia Rugeroni que acaba por criar divergências com João Pereira da Rosa, que lá se encontrava desde 1889, e “O Século” sofreu com isso. Desde aí o jornal atravessou fases muito más, altos e baixos, acabando por deixar de existir, definitivamente, no ano de 1990 sob a direcção efémera de Artur Albarran, depois de ter passado pelas mãos de Augusto Castro no Estado Novo e de Jaime Nogueira Pinto, em 1986.
“O Século” deixou como legado a Colónia Balnear Infantil, sobretudo obra de Manuel Guimarães, cujos fundos daí provenientes são destinados ao apoio a crianças e jovens carenciados.
É esta a história de um jornal que ultrapassou obstáculos, definiu objectivos e divulgou o vaticínio do regime em que hoje vivemos, nunca escondendo a sua feição republicana e a alegria no dia em que esta foi proclamada, tal como nunca ocultou a sua aversão pelo regime monárquico. “O Século” era um jornal onde, segundo Isabel Vargues, “(…) não havia muita objectividade. Havia, sim, muita paixão, muita ideologia, muita utopia… aí estava tudo a brotar!».

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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Boas Festas

“Todos os anos, por altura do Solstício de Inverno, celebramos o nascimento do deus menino, o salvador da humanidade sofredora. Muito poderia ser dito acerca desta criança divina, deste sol espiritual que deverá, mais tarde ou mais cedo, emergir em cada um de nós para nos salvar, para nos libertar, para nos emancipar” João Gomes. Vamos, contudo, vivenciamo-lo através dos olhos de uma criança, nos anos 70.

Desenhos* Dina Cristo

* Anos 70

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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Camaradas


Assinalamos os 46 anos da chegada da Companhia 367 a Lisboa com palavras pronunciadas na última confraternização em Maio deste ano.


Texto Victor Hugo Cristo
I
Companheiro e Amigo fixe
Aqui estamos para te receber
Bem-vindo sejas a Peniche

Para connosco conviver.

II
É com grande satisfação
Que vamos confraternizar
Junto à Praia da Consolação
Aqui bem perto do mar.
III
Cinquenta anos são passados
Que na tropa nos conhecemos
P`ro rancho não estamos cansados
Vamos provar que o merecemos.
IV
Já passou o melhor da vida
Pouco mais há que esperar
A velhice já é sentida
Deus sabe o que tem p`ra dar.
V
Gostámos de convosco estar
Nesta terra que o mar abraça
Onde o povo abraçou o mar
E a Amizade já não passa.

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sábado, 11 de dezembro de 2010

Www


Ao entrarmos no nosso quarto Inverno propomos alguns locais na rede digital: blogues, ciência, empresas e produtos, instituições, "media", movimentos, música, sites.

Selecção e fotografia Dina Cristo

 A nossa Âncora
Aeoliah
Agrobio – Associação Portuguesa de Agricultura Biológica
Algamar
Amnistia Internacional Portugal
Associação Animal
Animar – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local
Antena 1
Antena 2
Associação Grace
Associação para a Justiça e Paz
APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
Associação Remar Portugal
Banco do Tempo
Biosofia
Carl Honoré
Casa do gaiato
Centro Lusitano de Unificação Cultural
Centro Português de Astrologia
Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas
Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência
Clube de jornalistas
Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade
Contra a indiferença
Dama de copas
DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor
Dev-aura
Dieter Duhm
Dr. Peter D´Adamo
Dra. Mona Lisa Schulz
Dr. Valnet
Dr. Wayne Dyer
Edições Sempre-em-pé
Elaine N. Aron
Escola Internacional de Yoga Integral
Espaço salitre
FECO – Associação de cartoonistas
Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social
Federação Portuguesa de Cineclubes
Felice News
Filosofia Esotérica
Florais de Bach
Fraternidade Rosacruz da Portugal
Fundação Maitreya
Gaia
Hay House Radio
IMMagazine
Inatel
Jean Shinoda Bolen
Le Monde Diplomatique – edição portuguesa
Loja Unida de Teosofistas Luso-Brasileira
Luís Martins Simões
Manuel Alegre
Mais cedo ou mais tarde
MPT - Partido da Terra
Mudar de vida
Numerologia intuitiva
O Teosofista
Oikos – Cooperação e Desenvolvimento
Panelas Hawkins
Participant
Pedro Barroso
Petição Pública
Próvida – Produtos naturais, lda
Quercusambiente
Quiroga
Rádio Amália
Rádio SIM
REP – Rede dos Emissores Portugueses – Associação Nacional de Radioamadores
Resistir Info
Roberto Carlos
Rotary Internacional em Portugal
Rupert Sheldrake
Sena Santos
Sociedade civil
Transgénicos fora
Vislumbres da Outra Margem
Viva a música
Zeitgeist Portugal

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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Olhares

Publicamos, no dia do seu cortejo fúnebre, o início da autobiografia do nosso colaborador Victor Hugo Cristo, "um anjo disfarçado de homem", como alguém lhe chamou.


Texto Victor Hugo Cristo

Quando vim ao mundo
Não pedi para nascer
Pois não sabia
O que me ia acontecer
Alguns meses passaram
Sem poder falar
Em redor minha gente
Para mim a olhar
Os anos passavam
Sentia-me crescer
Com muita vontade
De na vida vencer
Nascido alguns anos
Fui para a escola estudar
Quando de lá saí
Logo fui trabalhar
Trabalhar em alguns lados…

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Fazer gazetas


À Independência política nacional de há 370 anos, que hoje se comemora, esteve ligado o nascimento da imprensa portuguesa. Oportunidade para lembrar, além das folhas volantes e das "Relações", o papel das Gazetas da Restauração.

Texto Débora Cunha

No início do séc. XVII, depois de Portugal perder a sua independência, em 1580, e fundir-se no Império Espanhol, Manuel Serevim de Faria, conhecido por Francisco de Abreu (pseudónimo), mandara imprimir duas Relações extraídas de uma série de trinta e um. A primeira, impressa em Lisboa, em 1626, e reimpressa em Braga, em 1627. A segunda fora impressa em Évora em 1628, numa época onde a invenção de Gutenberg permitiu os primeiros passos noticiosos e multitemáticos portugueses impressos. São os registos documentais mais antigos de Portugal. Estas Relações muito contribuíram para a edificação da reportagem enquanto género jornalístico, pois baseavam-se no relato, de maior ou menor extensão, de um único acontecimento.

Folhas

No século XV e XVI começaram a surgir, um pouco por toda a Europa, folhas noticiosas ocasionais de diferentes tipos e formatos e com diversas denominações: folhas volantes, notícias, relação, mercúrios, carta, manifesto, cópia, etc.. Por vezes constituídas por uma ou várias folhas agrafadas, com ou sem frontispício. Outras foram publicadas sob a forma de livro. Legais ou clandestinas, elas podem ser vistas como uma forma de jornalismo de “reportagem” que antecipa o jornalismo moderno. As primeiras folhas volantes falavam apenas de um único acontecimento. Porém, a partir do final do século XVI, começaram a surgir as primeiras colectâneas de notícias, recolhidas nas folhas ocasionais. Essas colectâneas, que gradualmente adquiriram periodicidade regular, foram os antepassados dos actuais jornais.
As folhas noticiosas ocasionais terão surgido em Itália, concretamente em Bolonha, Veneza e Génova, espalhando-se rapidamente por toda a Europa, sendo vendidas em feiras e lugares concorridos. Em Portugal, tiveram o nome de Relações, no sentido de serem um relato de um acontecimento, como o caso dos naufrágios, por exemplo. Os temas das folhas ocasionais eram variados: política, comércio, fenómenos insólitos e curiosos, acontecimentos sociais, crimes e criminosos, calamidades, batalhas, etc. Tengarrinha fez um levantamento das relações portuguesas publicadas, entre 1555 e 1641, concluindo que as temáticas mais comuns eram expansões marítimas, naufrágios, relações com os povos e descrições de terras distantes e proselitismo religioso (43.7%); assuntos religiosos (18.8%); notícias da corte (18.8%); acontecimentos gerais do país e estrangeiro (9.4%); batalhas (6.2%) e descrição de Lisboa (3.1%). Tendo em conta a análise de José Manuel Tengarrinha, é possível dizer que as notícias das Relações já obedeciam a critérios de noticiabilidade idênticos aos contemporâneos, o que acentua a natureza cultural e histórica dos valores-notícia.
As folhas volantes tiveram o mérito de preparar o mercado e a audiência para o jornalismo industrial. Contribuíram para a democratização do acesso à informação, do conhecimento e da cultura e ajudaram a forjar uma consciência europeia.
As folhas ocasionais inicialmente construídas por uma única folha de pequena dimensão (15x20cm), transcreviam um única “notícia”. Esta amostragem não passava as oito folhas. As notícias eram classificadas como “notícias sérias”, “notícias populares”, “sensacionalistas” e “notícias” que, pelo seu conteúdo, tinham manifesto interesse público, apesar de se referirem a calamidades. As folhas volantes muito se assemelhavam a um pequeno livro, com frontispício ilustrado. Pouco tempo depois, apareceram folhas volantes de maior dimensão, com mais de 20 páginas, que abordavam aspectos da vida colectiva. Os relatos eram um misto de crónicas e reportagens, onde a narrativa tendia a ser cronológica. Podiam ser escritas em prosa ou em verso. Uma das principais características das folhas volantes era o facto de as notícias serem traduzidas em vários idiomas, o que ajudou a Europa a tornar-se num espaço de referência para os cidadãos do Velho Continente.

Gazetas

A Europa do século XVIII sujeita a transformações, instabilidades e mudanças, necessitava de informação. Por isso, havia não só receptividade para as notícias, mas também matéria-prima informativa suficiente para sustentar o aparecimento destes primeiros jornais. As Gazetas aparecem, pela primeira vez, em França com a publicação de “La Gazette François”, de Marçellin Allard e Pierre Chevalier, em 1604. A primeira gazeta portuguesa periódica surgiu em 1641, quinze anos depois da publicação da primeira Relação de Manuel Severim de Faria, e tinha o nome de “Gazeta em Que se Relatam as Novas Todas, Que Ouve nesta Corte, e Que Vieram de Várias Partes do Mês de Novembro de 1641” e foi publicada em Lisboa por Manuel de Galhegos (de 8 a 12 páginas com 20x14cm).
As gazetas apresentam uma perocidade definida e frequente, com notícias seleccionadas, escritas sob a forma de textos simples e escorreitos, datados e geograficamente localizados. Por vezes, com menção directa às fontes, a narrativa, geralmente, é desenvolvida de uma forma cronológica. A primeira página titulada e, nem sempre, ilustrada, refere a data e o local da impressão/edição e o nome do editor. Inclui várias notícias sobre diferentes assuntos, paginadas a uma coluna, sem qualquer ordem lógica. As notícias ora eram obtidas por tradução de gazetas estrangeiras ora por produção própria. A perocidade normalmente semanal e depois bi e tri-semanal, até chegar a diária. A gazeta permitiu a “especialização” de cargos, existindo profissionais dedicados em exclusivo à redacção, paginação e impressão, e a implementação de custo e lucro, incluindo anúncios pagos. As gazetas resumiam um conteúdo unicamente noticioso e neutral. Incluíam notícias orientadas e seleccionadas para servirem determinadas causas, excertos argumentativos, persuasivos e opinativos, por vezes simplesmente propagandísticos. Noutros casos as gazetas perseguiam objectivos religiosos e moralistas.

Relações

As Relações - impressas - apresentam-se em papel de linho e em formato A5, aproximadamente. Não possuem capa individualizada e dura. O design é simples e, em tudo, semelhante aos livros da época. Com frontispício onde surge o título, o nome do autor, uma gravura xilográfica ilustrativa, a data e local de impressão e o impressor. A segunda página insere as licenças e as taxas. A partir da terceira página surgem as notícias, impressas em uma só coluna, sem qualquer intervalo entre umas e outras. O texto noticioso começa com uma letra capitular (o tipo de letra predominante é o gótico) e em itálico as licenças, separando graficamente o texto “administrativo” do conteúdo noticioso. As citações directas, várias em latim, são apresentadas em itálico. Os parágrafos assinalam-se com uma tabulação de 2/3 espaços para a direita. A informação era segmentada por países, organização das secções do jornal moderno. Não há publicidade. As Relações eram de ordem racional, com clareza, repouso para o olhar e sobriedade gráfica. Destinavam-se a um público ponderado, com tempo para consumir a informação e reflectir racionalmente sobre ela.
Segundo Lanciani, as relações de naufrágios portuguesas dos séculos XVI e XVII sofreram a influência estrutural de crónicas de viagens medievais, seguindo cânones retóricos já existentes: exordium, proposito, narratio e conclusio. Os dois primeiros formam, na retórica clássica, a introdução a um discurso, o espaço apropriado para se explicar o respectivo tema e finalidade.
A noção de hierarquia social é vincada pelo facto de, nas Relações, apenas os homens “grandes” serem nomeados pelos nomes e cargos, a que ainda se adicionam adjectivos honrosos. Os outros diluem-se no anonimato, sendo que os nativos tendem a ser apresentados com enquadramentos negativos, contrastando com a adjectivação positiva com que são catalogados os portugueses, especialmente os nobres. Inclusive, quando se referem os nativos, os autores das Relações, tendem a vincar a oposição "nós" (portugueses, superiores) e "eles (inferiores, incivilizados). As histórias das Relações são marcadamente masculinas. As mulheres, nas poucas vezes que são mencionadas, são representadas como seres frágeis e dependentes dos homens, tal como as crianças. O discurso das Relações pode classificar-se como tendo uma dimensão, não apenas cultural, mas também ideológica, reforçando, simbolicamente, as relações sociais de poder e dominação.
As Relações podem considerar-se exemplos do jornalismo emergente. Sofrendo a influência das crónicas medievais, já elas “quase-reportagens”, as Relações constituem-se como reportagens de acontecimentos notáveis, recentes e dramáticos e foram elaboradas para terem ampla difusão pública. Os relatos jornalísticos, ontem como hoje, são histórias que indicam o mundo real e as circunstâncias de cada época, por vezes atentando mais no particular do que no geral, naquilo que afecta directa e quotidianamente as pessoas. “O jornalismo é uma história do mundo continuada, é um curriculum da humanidade”. Quando começa o jornalismo em Portugal? É uma questão difícil de responder, apesar de ser possível datar o aparecimento de algumas publicações, periódicas ou ocasionais. No entanto, as Relações de Manuel Severim de Faria são os primeiros indícios de práticas jornalísticas em Portugal.

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