O Século

Texto Nádia Moura
No “número programa” que foi lançado (uma espécie de estatuto editorial se o adaptarmos aos dias de hoje),lê-se de início, escrita por Magalhães Lima, a apresentação do jornal onde se esclarecem os objectivos d`”O Século” que giram, fundamentalmente, à volta de ideais como a justiça, veracidade e independência onde, desde logo, transparece a repulsa ao governo vigente e a defesa de valores democráticos.
Foram capitalistas iniciais, para além de Magalhães Lima, homens como Leão de Oliveira (médico), Anselmo Xavier (lavrador), Teixeira de Queirós (escultor e abastado lavrador minhoto) e Trigueiros de Martel (homem rico e muito viajado). Todos eles eram republicanos.
Não obstante o seu desenvolvimento e sobrevivência deveu-se, maioritariamente, a José Joaquim da Silva Graça, sócio da empresa e, inicialmente tesoureiro, que, em Dezembro de 1886, paga a Magalhães Lima a sua quota e fica com a propriedade integral da empresa e a direcção do jornal. A dificuldade de Silva Graça foi o recrutamento de pessoal – nada que o seu espírito empreendedor e a sua perseverança não conseguissem ultrapassar. Os correspondentes do jornal eram recrutados entre os barbeiros de cada localidade, partindo-se da pressuposição que nestes locais da província se conheciam melhor os factos de interesse jornalístico, daí que alguns destes barbeiros, ao revelarem “faro” para a reportagem, terem passado a trabalhar para o jornal.
Caracterização
Caracterização
A sede d`”O Século” muda de morada por quatro vezes, situando-se até ao mês de Agosto de 1881, primeiro na Rua do Arco da Graça e depois no primeiro andar da Rua Nova de S. Domingos. A partir do dia 1 de Setembro do mesmo ano, na Rua Formosa, nº2 C e, por último, em 1889 na Rua Formosa, nº45 em Lisboa.
Relativamente à forma e estrutura, este jornal caracterizava-se por uma distribuição de notícias breves, um pouco desigual, pouco objectiva, misturando aquilo que é novidade com notícias já publicadas noutras edições, e este é um facto um tanto ou quanto paradoxal. Se existia, frequentemente falta de espaço (como é, aliás, diversas vezes referido no próprio jornal), porque é que a sua exiguidade não era aproveitada para novas notícias?
Isabel Vargues, em entrevista, esclarece oportunamente: «Pode ter sido, por exemplo, um caso de exercício da censura e, portanto, há uma fase em que a censura cortava e o espaço ficava em branco tinha de ser tapado e uma forma de tapar ou era através da publicidade, anúncios, ou através da repetição de notícias… e podiam muitas vezes não terem mesmo matérias e repetirem as que tinham».
A linguagem era arcaica, onde predominavam as consoantes dobradas ou a utilização do “ph” (como é natural, dada a forma de escrita da altura), omitiam-se acentos e hifenes que hoje fazem parte de Língua Portuguesa, as frases eram muito longas bem como os títulos e utilizava-se pouca pontuação.
Verifica-se a importância dada à introdução de temas que contribuam para o incremento da cultura geral através, por exemplo, da publicação de grandes obras literárias na secção “folhetim do século” e dos concursos promovidos alguns anos depois que se revelam como instrumentos eficazes para a expansão do jornal. Nesta altura já tinham deixado de se escrever na primeira página do jornal os “sumários”, existindo uma página para o “stuart” (antecipação da banda desenhada).
As secções existentes eram a política interna e externa, ziguezagues, comércio, indústria e agricultura, factos, contrastes (onde, geralmente, se fazia a comparação do saldo negativo de Portugal com o saldo positivo de outros países europeus como a França e a Suíça), folhetim, expediente e os anúncios, que algumas vezes ocupavam metade do jornal levantando-se, novamente, o problema da falta de espaço.
Criações
A 2 de Novembro de 1892, Brito Camacho, no seguimento da derrota republicana de 1891, apresentou uma moção, aprovada por unanimidade, na qual se afirmava que “O Século” era um traidor à causa republicana. A crise agrava-se aumentando a hostilidade a Magalhães Lima que acaba por se afastar deste jornal em Dezembro de 1896, mas não sem antes, no ano de 1884, ter sido preso por infringir a “lei das rolhas” de Lopo Vaz, que proibia o abuso de liberdade de imprensa e a qual é sobejamente tratada em diversas edições do jornal.
Silva Graça consegue, efectivamente, ultrapassar as diversas dificuldades com que “O Século” se deparava, utilizando métodos astutos não só para se libertar dos outros proprietários (o que conseguiu efectivamente) e torná-lo num jornal exclusivamente noticioso, como também para não despoletar o ódio daqueles que estavam no governo, por reconhecer as consequências negativas que isso lhe traria.
Em 1884 Silva da Graça funda a “Ilustração Portugueza”, publicada em duas séries, edição anexa que, juntamente com “O Século Ilustrado”, na foto, ou “O Século Cómico”, ajuda à formação do colosso em que se tornou a instituição nacional “O Século”.
Silva da Graça afasta-se do jornal já após a implantação da República, em 1920, deixando à frente da empresa o seu filho José Garcia Rugeroni que acaba por criar divergências com João Pereira da Rosa, que lá se encontrava desde 1889, e “O Século” sofreu com isso. Desde aí o jornal atravessou fases muito más, altos e baixos, acabando por deixar de existir, definitivamente, no ano de 1990 sob a direcção efémera de Artur Albarran, depois de ter passado pelas mãos de Augusto Castro no Estado Novo e de Jaime Nogueira Pinto, em 1986.
“O Século” deixou como legado a Colónia Balnear Infantil, sobretudo obra de Manuel Guimarães, cujos fundos daí provenientes são destinados ao apoio a crianças e jovens carenciados.
É esta a história de um jornal que ultrapassou obstáculos, definiu objectivos e divulgou o vaticínio do regime em que hoje vivemos, nunca escondendo a sua feição republicana e a alegria no dia em que esta foi proclamada, tal como nunca ocultou a sua aversão pelo regime monárquico. “O Século” era um jornal onde, segundo Isabel Vargues, “(…) não havia muita objectividade. Havia, sim, muita paixão, muita ideologia, muita utopia… aí estava tudo a brotar!».
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