Objectividade?
Antes do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, reflectimos sobre uma das principais obrigações dos seus profissionais.
Texto Vânia Furet fotografia Dina Cristo
"O jornalista deve", de acordo com o 1º artigo do Código Deontológico da profissão, "relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade".
Para a produção de um jornalismo de qualidade é necessário que as informações difundidas sejam sérias e rigorosas, de forma a proporcionar ao público dados importantes para que este possa formar correctamente os seus juízos e opiniões.
Para isso é necessário, acima de tudo, que se seja imparcial, respeitando a veracidade dos factos e não devendo nunca tomar partido, manifestando opiniões ou juízos de valor. Um acontecimento deve ser transmitido ao público tal como ele é e tal como se manifestou. E para uma aproximação efectiva à objectividade é indispensável uma comprovação dos factos, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A objectividade engloba ainda outros factores como, por exemplo, a aposta na identificação das fontes de informação.
Estes são alguns aspectos inerentes à prática de uma objectividade jornalística e que são maioritariamente aceites por todos. No entanto, a questão da objectividade é bem mais complexa e já muito foi discutida, sendo que se defendem, dentro dela, outras tendências e condutas que deveriam (ou não) também ser seguidas para uma prática efectiva deste critério.
Na minha opinião, é muito difícil, ou quase impossível mesmo, um jornalista se abster completamente dos temas que noticia. Um jornalista não é, nem deve ser a meu ver, um mero observador moralmente descomprometido. Esta para mim não deve ser a base do critério da objectividade. No máximo, um jornalista deve ser um intérprete moralmente descomprometido.
Subjectividade na procura Todas as pessoas têm os seus valores, opiniões, juízos, interesses e preferências. E isso certamente não fica simplesmente em casa quando se vai trabalhar. É impossível um jornalista não questionar e avaliar, ainda que inconscientemente, uma situação com a qual se depara. E não penso que isso seja negativo. Afinal, se nós não avaliarmos uma situação, se não nos interessarmos por ela, se não nos questionarmos sobre ela, conseguiremos colocar as melhores e mais pertinentes perguntas? Estaremos aptos a incutir no nosso trabalho uma maior qualidade? Sinceramente acho que não. Acabaríamos sempre por colocar as mesmas questões básicas, nas mais variadas situações e aos mais diversos intervenientes.
Na minha perspectiva, um jornalista não deve envolver-se demais emocionalmente com os assuntos, mas também não deve, nem consegue, desinteressar-se deles por completo. É precisamente esse envolvimento e esse interesse que, a meu ver, acabam por distinguir os jornalistas e os seus trabalhos, pela positiva. Um jornalista que questione, que avalie e que se interesse, consegue olhar muito mais além dos assuntos, existem mais coisas que ele quer saber, questões, mais pormenorizadas e profundas, que ele quer ver respondidas. Não concordo com quem diga que se passa exactamente o contrário. Que um jornalista interessado e comprometido com a situação, se torna “cego”, parcial e tendencioso, só vendo o que quer ver e o que mais lhe agrada ver. Isso pode acontecer sim, como é óbvio, mas julgo que a um mau jornalista.
Além do mais, as notícias, encaradas como construção social da realidade, rejeitam a ideia de que a produção jornalística é um retrato fiel e objectivo da realidade. As notícias, de acordo com Nelson Traquina, são vistas como o resultado "da interacção entre agentes sociais: os jornalistas e as fontes de informação, os jornalistas e a sociedade, os membros da comunidade profissional, dentro e fora da sua organização". Assim, os jornalistas cobrem, seleccionam e divulgam notícias sobre temas considerados relevantes e de interesse para os indivíduos de uma estrutura social, o que faz com que, segundo Gay Tuchman, as notícias se apresentem à sociedade como um “espelho” dos seus interesses.
Objectividade na produção Na hora de produzir os trabalhos, aí sim, o jornalista tem de conseguir deixar de lado todas as suas opiniões e juízos, o seu lado emocional, e limitar-se a uma interpretação correcta, séria e rigorosa dos factos, com a maior imparcialidade e isenção possíveis. Mas factos esses aos quais ele chegou, em grande parte, devido ao seu interesse e envolvimento, nos quais sempre estiveram também presentes, ainda que inconscientemente, os seus juízos, os seus valores, as suas opiniões, a sua forma pessoal de ver as coisas. A própria abordagem escolhida acaba por resultar de toda essa desconstrução e reconstrução dos acontecimentos, defendida pela perspectiva da notícia enquanto construção social da realidade, e onde existe sempre uma visão e um cunho pessoal do jornalista.
Logo, um jornalista não deve ser um observador moralmente descomprometido. Deve ser um bom observador, que se compromete moral e emocionalmente consigo e essencialmente com o seu trabalho. Se o jornalista for comprometido com o seu trabalho, o interesse pelos assuntos, a avaliação dos mesmos, o envolvimento moral e sentimental vão sempre acabar por existir. E eu acho que isso funciona como um benefício na execução do trabalho, se for bem canalizado e se existir consciência e ponderação por parte de cada um. Agora, obviamente, cada um dos profissionais tem de saber encontrar o equilíbrio correcto neste envolvimento e comprometimento, para que ao invés de um benefício, não se transforme numa situação prejudicial, na qual o jornalista não saiba ter o controlo das situações e que possa fazer com que ele seja encarado como tendencioso e pouco sério, rigoroso e objectivo no trabalho que produz.
Assim, encaro o descomprometimento moral e emocional como algo que deve existir sim, mas na hora de produzir e redigir os trabalhos. Uma imparcialidade ao noticiar os acontecimentos e uma aposta na simples veracidade dos factos. Se assim for, o jornalista é objectivo.
Para além do mais, um jornalista também tem sempre uma tendência para se identificar mais ou menos com determinados assuntos. E quando existe essa identificação, que é normal e natural, existe sempre algum tipo de envolvimento e compromisso com os mesmos. Isso põe em causa a objectividade dos seus trabalhos? Por si só, claro que não. E, provavelmente, esses seus trabalhos serão muito melhores e com mais qualidade do que aqueles que realiza sem qualquer tipo de identificação.
Jornalismo (des)envolvido Por isso, este conceito de objectividade, tão discutido e sem consenso geral, acaba, a meu ver, por muitas vezes limitar os jornalistas e contribuir para a produção de trabalhos de menor qualidade. A pressão desta necessidade de objectividade é tanta, que os jornalistas acabam por ser uns meros transmissores de notícias, não se preocupando em aprofundar ou interpretar os factos. E por isso mesmo critico a objectividade e aqueles que a defendem como tal, encarada como um dever dos jornalistas se transformarem, no exercício da profissão, em pessoas apáticas, sem moral nem emoções, uns simples robôs que visualizam, e produzem notícias.
Para mais, quando não mostramos interesse pelos assuntos, quando não provamos que sabemos e conhecemos e queremos saber e conhecer mais, quando não estabelecemos algum tipo de envolvimento, normalmente as pessoas dizem-nos o básico, o que diriam a todos, ou somente aquilo que querem ou lhes interessa dizer. Mas quando nós mostramos envolvimento e interesse, as pessoas notam e sentem isso, e há mais tendência e uma maior oportunidade de que nos contem mais, porque também têm mais prazer em falar com alguém que elas sentem que se interessa, que conhece, que está minimamente envolvido.
É diferente se nós perguntarmos somente a uma pessoa a sua opinião sobre um dado assunto ou, ao conversar, tentarmos deixar transparecer que sabemos sobre aquele assunto, que nos interessamos, que também temos umas certas opiniões pessoais, independentemente das exigências ali marcadas pela profissão. A pessoa vai-nos certamente transmitir a sua opinião de uma forma totalmente diferente. E nada disto, a meu ver, prejudica uma objectividade indispensável ao jornalismo… creio que a contribuição deste tipo de postura vai ao encontro de um jornalismo de maior qualidade.
"O jornalista deve", de acordo com o 1º artigo do Código Deontológico da profissão, "relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade".
Para a produção de um jornalismo de qualidade é necessário que as informações difundidas sejam sérias e rigorosas, de forma a proporcionar ao público dados importantes para que este possa formar correctamente os seus juízos e opiniões.
Para isso é necessário, acima de tudo, que se seja imparcial, respeitando a veracidade dos factos e não devendo nunca tomar partido, manifestando opiniões ou juízos de valor. Um acontecimento deve ser transmitido ao público tal como ele é e tal como se manifestou. E para uma aproximação efectiva à objectividade é indispensável uma comprovação dos factos, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A objectividade engloba ainda outros factores como, por exemplo, a aposta na identificação das fontes de informação.
Estes são alguns aspectos inerentes à prática de uma objectividade jornalística e que são maioritariamente aceites por todos. No entanto, a questão da objectividade é bem mais complexa e já muito foi discutida, sendo que se defendem, dentro dela, outras tendências e condutas que deveriam (ou não) também ser seguidas para uma prática efectiva deste critério.
Na minha opinião, é muito difícil, ou quase impossível mesmo, um jornalista se abster completamente dos temas que noticia. Um jornalista não é, nem deve ser a meu ver, um mero observador moralmente descomprometido. Esta para mim não deve ser a base do critério da objectividade. No máximo, um jornalista deve ser um intérprete moralmente descomprometido.
Subjectividade na procura Todas as pessoas têm os seus valores, opiniões, juízos, interesses e preferências. E isso certamente não fica simplesmente em casa quando se vai trabalhar. É impossível um jornalista não questionar e avaliar, ainda que inconscientemente, uma situação com a qual se depara. E não penso que isso seja negativo. Afinal, se nós não avaliarmos uma situação, se não nos interessarmos por ela, se não nos questionarmos sobre ela, conseguiremos colocar as melhores e mais pertinentes perguntas? Estaremos aptos a incutir no nosso trabalho uma maior qualidade? Sinceramente acho que não. Acabaríamos sempre por colocar as mesmas questões básicas, nas mais variadas situações e aos mais diversos intervenientes.
Na minha perspectiva, um jornalista não deve envolver-se demais emocionalmente com os assuntos, mas também não deve, nem consegue, desinteressar-se deles por completo. É precisamente esse envolvimento e esse interesse que, a meu ver, acabam por distinguir os jornalistas e os seus trabalhos, pela positiva. Um jornalista que questione, que avalie e que se interesse, consegue olhar muito mais além dos assuntos, existem mais coisas que ele quer saber, questões, mais pormenorizadas e profundas, que ele quer ver respondidas. Não concordo com quem diga que se passa exactamente o contrário. Que um jornalista interessado e comprometido com a situação, se torna “cego”, parcial e tendencioso, só vendo o que quer ver e o que mais lhe agrada ver. Isso pode acontecer sim, como é óbvio, mas julgo que a um mau jornalista.
Além do mais, as notícias, encaradas como construção social da realidade, rejeitam a ideia de que a produção jornalística é um retrato fiel e objectivo da realidade. As notícias, de acordo com Nelson Traquina, são vistas como o resultado "da interacção entre agentes sociais: os jornalistas e as fontes de informação, os jornalistas e a sociedade, os membros da comunidade profissional, dentro e fora da sua organização". Assim, os jornalistas cobrem, seleccionam e divulgam notícias sobre temas considerados relevantes e de interesse para os indivíduos de uma estrutura social, o que faz com que, segundo Gay Tuchman, as notícias se apresentem à sociedade como um “espelho” dos seus interesses.
Objectividade na produção Na hora de produzir os trabalhos, aí sim, o jornalista tem de conseguir deixar de lado todas as suas opiniões e juízos, o seu lado emocional, e limitar-se a uma interpretação correcta, séria e rigorosa dos factos, com a maior imparcialidade e isenção possíveis. Mas factos esses aos quais ele chegou, em grande parte, devido ao seu interesse e envolvimento, nos quais sempre estiveram também presentes, ainda que inconscientemente, os seus juízos, os seus valores, as suas opiniões, a sua forma pessoal de ver as coisas. A própria abordagem escolhida acaba por resultar de toda essa desconstrução e reconstrução dos acontecimentos, defendida pela perspectiva da notícia enquanto construção social da realidade, e onde existe sempre uma visão e um cunho pessoal do jornalista.
Logo, um jornalista não deve ser um observador moralmente descomprometido. Deve ser um bom observador, que se compromete moral e emocionalmente consigo e essencialmente com o seu trabalho. Se o jornalista for comprometido com o seu trabalho, o interesse pelos assuntos, a avaliação dos mesmos, o envolvimento moral e sentimental vão sempre acabar por existir. E eu acho que isso funciona como um benefício na execução do trabalho, se for bem canalizado e se existir consciência e ponderação por parte de cada um. Agora, obviamente, cada um dos profissionais tem de saber encontrar o equilíbrio correcto neste envolvimento e comprometimento, para que ao invés de um benefício, não se transforme numa situação prejudicial, na qual o jornalista não saiba ter o controlo das situações e que possa fazer com que ele seja encarado como tendencioso e pouco sério, rigoroso e objectivo no trabalho que produz.
Assim, encaro o descomprometimento moral e emocional como algo que deve existir sim, mas na hora de produzir e redigir os trabalhos. Uma imparcialidade ao noticiar os acontecimentos e uma aposta na simples veracidade dos factos. Se assim for, o jornalista é objectivo.
Para além do mais, um jornalista também tem sempre uma tendência para se identificar mais ou menos com determinados assuntos. E quando existe essa identificação, que é normal e natural, existe sempre algum tipo de envolvimento e compromisso com os mesmos. Isso põe em causa a objectividade dos seus trabalhos? Por si só, claro que não. E, provavelmente, esses seus trabalhos serão muito melhores e com mais qualidade do que aqueles que realiza sem qualquer tipo de identificação.
Jornalismo (des)envolvido Por isso, este conceito de objectividade, tão discutido e sem consenso geral, acaba, a meu ver, por muitas vezes limitar os jornalistas e contribuir para a produção de trabalhos de menor qualidade. A pressão desta necessidade de objectividade é tanta, que os jornalistas acabam por ser uns meros transmissores de notícias, não se preocupando em aprofundar ou interpretar os factos. E por isso mesmo critico a objectividade e aqueles que a defendem como tal, encarada como um dever dos jornalistas se transformarem, no exercício da profissão, em pessoas apáticas, sem moral nem emoções, uns simples robôs que visualizam, e produzem notícias.
Para mais, quando não mostramos interesse pelos assuntos, quando não provamos que sabemos e conhecemos e queremos saber e conhecer mais, quando não estabelecemos algum tipo de envolvimento, normalmente as pessoas dizem-nos o básico, o que diriam a todos, ou somente aquilo que querem ou lhes interessa dizer. Mas quando nós mostramos envolvimento e interesse, as pessoas notam e sentem isso, e há mais tendência e uma maior oportunidade de que nos contem mais, porque também têm mais prazer em falar com alguém que elas sentem que se interessa, que conhece, que está minimamente envolvido.
É diferente se nós perguntarmos somente a uma pessoa a sua opinião sobre um dado assunto ou, ao conversar, tentarmos deixar transparecer que sabemos sobre aquele assunto, que nos interessamos, que também temos umas certas opiniões pessoais, independentemente das exigências ali marcadas pela profissão. A pessoa vai-nos certamente transmitir a sua opinião de uma forma totalmente diferente. E nada disto, a meu ver, prejudica uma objectividade indispensável ao jornalismo… creio que a contribuição deste tipo de postura vai ao encontro de um jornalismo de maior qualidade.
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