quarta-feira, 28 de abril de 2010

Objectividade?


Antes do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, reflectimos sobre uma das principais obrigações dos seus profissionais.

Texto Vânia Furet fotografia Dina Cristo

"O jornalista deve", de acordo com o 1º artigo do Código Deontológico da profissão, "relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade".
Para a produção de um jornalismo de qualidade é necessário que as informações difundidas sejam sérias e rigorosas, de forma a proporcionar ao público dados importantes para que este possa formar correctamente os seus juízos e opiniões.
Para isso é necessário, acima de tudo, que se seja imparcial, respeitando a veracidade dos factos e não devendo nunca tomar partido, manifestando opiniões ou juízos de valor. Um acontecimento deve ser transmitido ao público tal como ele é e tal como se manifestou. E para uma aproximação efectiva à objectividade é indispensável uma comprovação dos factos, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A objectividade engloba ainda outros factores como, por exemplo, a aposta na identificação das fontes de informação.
Estes são alguns aspectos inerentes à prática de uma objectividade jornalística e que são maioritariamente aceites por todos. No entanto, a questão da objectividade é bem mais complexa e já muito foi discutida, sendo que se defendem, dentro dela, outras tendências e condutas que deveriam (ou não) também ser seguidas para uma prática efectiva deste critério.
Na minha opinião, é muito difícil, ou quase impossível mesmo, um jornalista se abster completamente dos temas que noticia. Um jornalista não é, nem deve ser a meu ver, um mero observador moralmente descomprometido. Esta para mim não deve ser a base do critério da objectividade. No máximo, um jornalista deve ser um intérprete moralmente descomprometido.
Subjectividade na procura Todas as pessoas têm os seus valores, opiniões, juízos, interesses e preferências. E isso certamente não fica simplesmente em casa quando se vai trabalhar. É impossível um jornalista não questionar e avaliar, ainda que inconscientemente, uma situação com a qual se depara. E não penso que isso seja negativo. Afinal, se nós não avaliarmos uma situação, se não nos interessarmos por ela, se não nos questionarmos sobre ela, conseguiremos colocar as melhores e mais pertinentes perguntas? Estaremos aptos a incutir no nosso trabalho uma maior qualidade? Sinceramente acho que não. Acabaríamos sempre por colocar as mesmas questões básicas, nas mais variadas situações e aos mais diversos intervenientes.
Na minha perspectiva, um jornalista não deve envolver-se demais emocionalmente com os assuntos, mas também não deve, nem consegue, desinteressar-se deles por completo. É precisamente esse envolvimento e esse interesse que, a meu ver, acabam por distinguir os jornalistas e os seus trabalhos, pela positiva. Um jornalista que questione, que avalie e que se interesse, consegue olhar muito mais além dos assuntos, existem mais coisas que ele quer saber, questões, mais pormenorizadas e profundas, que ele quer ver respondidas. Não concordo com quem diga que se passa exactamente o contrário. Que um jornalista interessado e comprometido com a situação, se torna “cego”, parcial e tendencioso, só vendo o que quer ver e o que mais lhe agrada ver. Isso pode acontecer sim, como é óbvio, mas julgo que a um mau jornalista.
Além do mais, as notícias, encaradas como construção social da realidade, rejeitam a ideia de que a produção jornalística é um retrato fiel e objectivo da realidade. As notícias, de acordo com Nelson Traquina, são vistas como o resultado "da interacção entre agentes sociais: os jornalistas e as fontes de informação, os jornalistas e a sociedade, os membros da comunidade profissional, dentro e fora da sua organização". Assim, os jornalistas cobrem, seleccionam e divulgam notícias sobre temas considerados relevantes e de interesse para os indivíduos de uma estrutura social, o que faz com que, segundo Gay Tuchman, as notícias se apresentem à sociedade como um “espelho” dos seus interesses.
Objectividade na produção Na hora de produzir os trabalhos, aí sim, o jornalista tem de conseguir deixar de lado todas as suas opiniões e juízos, o seu lado emocional, e limitar-se a uma interpretação correcta, séria e rigorosa dos factos, com a maior imparcialidade e isenção possíveis. Mas factos esses aos quais ele chegou, em grande parte, devido ao seu interesse e envolvimento, nos quais sempre estiveram também presentes, ainda que inconscientemente, os seus juízos, os seus valores, as suas opiniões, a sua forma pessoal de ver as coisas. A própria abordagem escolhida acaba por resultar de toda essa desconstrução e reconstrução dos acontecimentos, defendida pela perspectiva da notícia enquanto construção social da realidade, e onde existe sempre uma visão e um cunho pessoal do jornalista.
Logo, um jornalista não deve ser um observador moralmente descomprometido. Deve ser um bom observador, que se compromete moral e emocionalmente consigo e essencialmente com o seu trabalho. Se o jornalista for comprometido com o seu trabalho, o interesse pelos assuntos, a avaliação dos mesmos, o envolvimento moral e sentimental vão sempre acabar por existir. E eu acho que isso funciona como um benefício na execução do trabalho, se for bem canalizado e se existir consciência e ponderação por parte de cada um. Agora, obviamente, cada um dos profissionais tem de saber encontrar o equilíbrio correcto neste envolvimento e comprometimento, para que ao invés de um benefício, não se transforme numa situação prejudicial, na qual o jornalista não saiba ter o controlo das situações e que possa fazer com que ele seja encarado como tendencioso e pouco sério, rigoroso e objectivo no trabalho que produz.
Assim, encaro o descomprometimento moral e emocional como algo que deve existir sim, mas na hora de produzir e redigir os trabalhos. Uma imparcialidade ao noticiar os acontecimentos e uma aposta na simples veracidade dos factos. Se assim for, o jornalista é objectivo.
Para além do mais, um jornalista também tem sempre uma tendência para se identificar mais ou menos com determinados assuntos. E quando existe essa identificação, que é normal e natural, existe sempre algum tipo de envolvimento e compromisso com os mesmos. Isso põe em causa a objectividade dos seus trabalhos? Por si só, claro que não. E, provavelmente, esses seus trabalhos serão muito melhores e com mais qualidade do que aqueles que realiza sem qualquer tipo de identificação.
Jornalismo (des)envolvido Por isso, este conceito de objectividade, tão discutido e sem consenso geral, acaba, a meu ver, por muitas vezes limitar os jornalistas e contribuir para a produção de trabalhos de menor qualidade. A pressão desta necessidade de objectividade é tanta, que os jornalistas acabam por ser uns meros transmissores de notícias, não se preocupando em aprofundar ou interpretar os factos. E por isso mesmo critico a objectividade e aqueles que a defendem como tal, encarada como um dever dos jornalistas se transformarem, no exercício da profissão, em pessoas apáticas, sem moral nem emoções, uns simples robôs que visualizam, e produzem notícias.
Para mais, quando não mostramos interesse pelos assuntos, quando não provamos que sabemos e conhecemos e queremos saber e conhecer mais, quando não estabelecemos algum tipo de envolvimento, normalmente as pessoas dizem-nos o básico, o que diriam a todos, ou somente aquilo que querem ou lhes interessa dizer. Mas quando nós mostramos envolvimento e interesse, as pessoas notam e sentem isso, e há mais tendência e uma maior oportunidade de que nos contem mais, porque também têm mais prazer em falar com alguém que elas sentem que se interessa, que conhece, que está minimamente envolvido.
É diferente se nós perguntarmos somente a uma pessoa a sua opinião sobre um dado assunto ou, ao conversar, tentarmos deixar transparecer que sabemos sobre aquele assunto, que nos interessamos, que também temos umas certas opiniões pessoais, independentemente das exigências ali marcadas pela profissão. A pessoa vai-nos certamente transmitir a sua opinião de uma forma totalmente diferente. E nada disto, a meu ver, prejudica uma objectividade indispensável ao jornalismo… creio que a contribuição deste tipo de postura vai ao encontro de um jornalismo de maior qualidade.

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domingo, 25 de abril de 2010

A Ciência da Polis I

Em aniversário do 25 de Abril inauguramos a publicação de um ensaio político.

Texto José Luís Maio fotografia Dina Cristo

Nenhum cidadão minimamente sensível pode deixar de lamentar o agora já visível e “instalado” agravamento das tensões que se vive generalizadamente nas relações interpessoais e nas instituições em geral, desde a política à familiar. Seja em que sector for, as desavenças e os conflitos acabam invariavelmente por tomar conta do espaço psicológico (se me é permitida esta expressão) e por levar, inclusive, a um irreversível virar de costas entre as pessoas, o que cria uma permanente e dolorosa atmosfera de animosidade, com consequências funestas para a pacificação e a harmonia do todo que é o próprio país – tal como uma única célula cancerígena acaba por contaminar todo o organismo.
E isso, essa paz e concórdia que ajudariam a construir o “paraíso” psicossocial, ninguém tem o direito de pôr em causa e de destruir, designadamente aqueles que foram mandatados para servir as populações, no seu preconceito obsoleto e demencial de separar os cidadãos, em vez de os unir em torno de ideais, projectos e programas verdadeiramente inclusivos e nacionais (ou mesmo internacionais, dada a globalização da vida que varre o planeta de lés a lés).
É fácil de compreender a analogia entre a hierarquia comum da sociedade – que podemos exemplificar através da relação existente entre a cadeia de comando de um navio, a tripulação e os passageiros – e a estrutura piramidal. Os governantes, os “timoneiros”, unidos por um propósito comum – cuja função essencial é traçar (a fase de concepção) a rota que conduza o “navio a bom porto”, através da acção da tripulação (a fase de execução), de preferência sem grandes sobressaltos, conflitos e imprevistos e de modo a evitar riscos para todos –, encontram-se no vértice, o restante pessoal, a meio e os passageiros, na base da pirâmide. Ora, estes últimos, apesar de estarem no fim dessa estrutura hierarquizada, são os principais destinatários do plano traçado pelo comando – a sua viagem e desembarque, sãos e salvos.
Valores superiores
Todos nós, portugueses, velhas almas (pois formamos a nação com as fronteiras europeias mais antigas), já temos a experiência milenar da cíclica dualidade das coisas ao longo da nossa caminhada individual e colectiva: de autonomia e de dependência, de riqueza e de pobreza, de domínio e de escravidão, de “noites repressivas” e de “dias libertadores”. Essa velha experiência também nos ensinou que os momentos “bons” prevaleceram na proporção directa do respeito pelos valores universais da Justiça, da Verdade, da Beleza e do Bem, e os “maus”, na do seu desprezo. E, finalmente, também já aprendemos que não é através da aquisição e posse desproporcionadas (desarmoniosas e desajustadas) de bens e riquezas visíveis, palpáveis, materiais, que conseguiremos conquistar a felicidade, o equilíbrio psíquico, ou a bem-aventurança.
De acordo com a ordem natural das leis da sociedade, aqui análoga às leis da natureza (ou cósmicas), são os timoneiros, os “homens do leme” (o poder político), que devem garantir, sábia e seguramente, as condições favoráveis ao surgimento daquela harmonia por meio da auto-realização dos cidadãos – do mesmo modo que é aos pais que cabe a missão de proporcionar aos filhos as condições ideais para a sua autonomia e liberdade.
Para tal, isto é, para que esses justos e dignos anseios e ideais que os cidadãos gostariam de ver manifestados e conservados no seu quotidiano, deveriam os timoneiros saber que a Justiça, a Verdade, a Beleza e o Bem existem de facto – mesmo que ainda jazam adormecidos no nosso ser mais íntimo e profundo. Mais, são estes os valores que a verdadeira essência de todos os seres humanos procura. Ora, para saber, de “ciência certa” e sem quaisquer margens para dúvida, que tais realidades existem, esses timoneiros deveriam necessariamente ter vivido com plena consciência momentos de contacto com elas (por muito breves que tivessem sido).
No entanto, o comportamento e as atitudes a que habitualmente assistimos por parte da esmagadora maioria dos nossos “timoneiros” evidencia o mais absoluto desrespeito e desprezo para com aqueles valores e realidades fundamentais. E, a continuar por essa via, acabaremos por “naufragar” ou nos despedaçar no fundo do abismo que nos ameaça na caminhada sinuosa para a evolução, alegorizada na subida ao cume da montanha da sabedoria, da fraternidade e da paz.
Quando a Justiça, a Verdade, a Beleza e o Bem verdadeiros forem uma realidade, sê-lo-á para todos, pois “justiça” só para alguns é “injustiça” para a maioria (e, em suma, para todos), “verdade” só para alguns é “falsidade” para a maioria (e, em suma, para todos), “beleza, harmonia, proporção, ordem e equilíbrio” só para alguns é “fealdade, desarmonia, desproporção, caos e desequilíbrio” para a maioria (e, em suma, para todos) e “bem” só para alguns é “mal” para a maioria (e, em suma, para todos).
É imperativo democratizar, isto é, tornar património comum de toda a humanidade, o conhecimento e a compreensão do antigo aforismo “Homem, conhece-te a ti mesmo”.
Deve-se a esse desconhecimento o facto da Humanidade viver atolada em todo o género de misérias que degradam não só as nossas naturezas física e emocional, como também a ética e a espiritual. Deve-se a esse desconhecimento a confusão entre conceitos e princípios básicos de convivência em sociedade. Por exemplo: quem, da legião de responsáveis que pululam pela “polis”, é capaz de distinguir a “tolerância” e a “permissividade”, ou a “fraternidade” e a “cumplicidade”, ou ainda a “bondade” e a “indefinição ou cobardia”, para que esteja em condições de avaliar, agir e julgar com lucidez e bom senso? Outro exemplo: quais, das figuras que definem políticas de educação – alicerce fundamental para a construção de um ser humano mais consciente, filantropo e livre –, são capazes de saber e de nos dizer “como devemos ensinar”?
Princípios (des)conhecidos
De acordo com as mais recentes correntes filosóficas, psicológicas e científicas, que curiosamente se aproximam das que regeram durante milénios as mais remotas e famosas civilizações da Antiguidade, o Homem é um ser constituído por um conjunto septenário de princípios hierarquizados, de energias físicas, anímicas e espirituais, que se distinguem, num certo sentido, pela sua frequência vibratória. Às mais elevadas – comummente chamadas espirituais – corresponde uma maior velocidade na vibração das suas “partículas” constituintes; e às mais baixas – tidas por materiais – corresponde uma menor velocidade vibratória.

Assim, facilmente saberemos que o princípio emocional do ser humano comum é mais denso, material ou “inferior” (vibra com menor frequência) do que o princípio mental. De facto, já todos vivemos situações em que os desejos, emoções e paixões egoístas, a indiferença, o desprezo, o ciúme, a inveja – isto é, estados indesejáveis que, juntamente com outros mais elevados (como o amor filial, paternal ou conjugal), formam o nosso corpo emocional – condicionam e alteram, “favorável ou desfavoravelmente”, os nossos pensamentos e juízos.
Em si mesma, a mente humana é neutra e o que a qualifica são as estruturas superiores (intuição e vontade espiritual) ou inferiores (emoções, sentimentos e paixões egoístas) que a envolvem e influenciam. À mente influenciada pela nossa natureza egoísta e separatista dá-se o nome de “mente inferior” e à mente inspirada pela nossa natureza crística, intuicional, ou búdica, unificadora, dá-se o nome de “mente superior”.
Evolução espiritual

Os indivíduos espiritualmente evoluídos (aqueles cuja consciência está polarizada ou sintonizada com a intuição, que é a capacidade sábia e amorosa de penetrar na essência das coisas, dos seres e dos fenómenos) já ultrapassaram (isto é, dominaram e sublimaram) as suas tendências inferiores egoístas, infantis e separatistas e possuem uma consciência ampla, abrangente e inclusiva – que não exclui nada nem ninguém – e amam desinteressada e universalmente todas as criaturas, expressões de Vida existentes no Cosmos. As suas elevadas consciências, adquiridas pelo esforço de terem alcançado o cimo da montanha, permitem-lhe actuar de acordo com a interconexão e interdependência de todas as realidades e de todos os seres. Tais indivíduos, posteriormente, passam a ser considerados pelos povos como seres “divinos”, pois atingiram a perfeição humana. Temos bons exemplos de tais seres: Vyasa, Krishna, Kapila, Patanjali, Shankara, Buda Gautama, Lao Tsé, Confúcio, Zoroastro, Hermes – no Oriente – e Pitágoras, Platão, Jesus, Paulo, Hipácia – no Ocidente.
Os indivíduos espiritualmente pouco desenvolvidos, pelo contrário (aqueles cuja consciência – infantil – ainda está escravizada e iludida pela sua natureza emocional e passional inferior, por fantasias, devaneios, sentimentos e paixões pessoais e egoístas), vivem exclusivamente para si mesmos ou, quanto muito, para os que lhes são mais próximos. A ausência de lucidez, de discernimento e de visão inclusiva e vasta que os caracterizam é própria de quem está situado na base da montanha e não fez qualquer esforço de aprimoramento ético (de subir essa montanha). É por isso que é habitual dizer-se que, salvo raríssimas excepções, não se é bom juiz em causa própria, pois a nossa capacidade de ajuizar justa e imparcialmente está embotada pelos nossos pensamentos primários e emoções e sentimentos animalizados e bestiais.
Uma das correntes acima referidas, a escola hilozoísta (do grego hylé = matéria, substância + zoé = vida) – que afirma que toda a matéria é viva (não havendo, pois, matéria inerte na natureza) e que nada existe que não seja dotado de vida – hierarquiza os diversos tipos de energia – como acontece por exemplo no plano físico na escala bem conhecida do teclado cósmico das vibrações de Camille Flammarion e que se manifestam como tacto, som (audição), luz (visão), radiações infravermelha e ultravioleta, raios X, raios gama… E o mesmo sucede nos demais níveis: no plano das emoções e sentimentos, no plano do pensamento (ou mental), no plano espiritual….
Por exemplo, o que distingue (elevando-a hierarquicamente) a entidade Homem da entidade Animal é a auto-consciência e a individualidade do primeiro, que ainda não actuam no segundo.
Mesmo entre os seres humanos existe uma “conquista” de estados de consciência e cada um de nós encontra-se polarizado no plano, ou nível, que o nosso percurso de vida consciente foi capaz de “desbravar” e atingir. E essa diferenciação (temporária e desprovida de preconceitos de superioridade e de sentimentos de aversão e intolerância), em acto, nunca em potência (pois o “divino” é real em todos os indivíduos), manifesta-se na idiossincrasia de cada um: não há dois seres humanos iguais e a única e essencial igualdade que os irmana é a capacidade – a potencialidade – de manifestar o Pensamento Divino, a Inteligência Cósmica, a Mente do Universo. E é a nossa liberdade de agir ou livre-arbítrio a causa que, de acordo com a verdadeira Justiça, gera as consequências correspondentes, boas ou más; conforme ensina uma velha máxima, “semeia um pensamento e colherás uma acção, semeia uma acção e colherás um hábito, semeia um hábito e colherás um carácter, semeia um carácter e colherás um destino”.
Saber para amar
Pese embora as conquistas e avanços das ciências que estudam o Homem, cujos investigadores imparciais têm feito um trabalho tão notável que, se fosse devidamente aproveitado, ajudaria a reduzir consideravelmente o caos de dor e sofrimento em que a Humanidade se encontra mergulhada, devido à falta de hierarquização dos princípios humanos, o certo é que a imensa maioria dos responsáveis políticos dos países do mundo (salvo raras e honrosas excepções) tem vivido de costas voltadas para a comunidade científica empenhada na construção de um mundo melhor para todos.
A palavra “ciência” provém do latim “scire”, que significa “sabedoria”. A Ciência Perene tem, assim, como objectivo proporcionar real sabedoria aos seus “embaixadores”, ou representantes, bem como aos seus destinatários, os estudantes. Com que fim? Será para tornar os homens mais selvagens, despóticos, desconfiados, egoístas, prisioneiros de “condomínios fechados”, insaciáveis, embrutecidos? Será para atirar mais achas para a fogueira do “inferno” em que já vivemos? Mas não sabemos todos que a ignorância gera o ódio: “… a boca que calunia dá morte à alma; a sabedoria é um espírito benevolente” (Livro da Sabedoria, do Antigo Testamento, 1.11.6)? Então será que os nossos sistemas educativos são de facto instrumentos nas mãos de ignorantes: Porque pelo fruto se conhece a árvore (Evangelho segundo Mateus, 12.33)?
A ignorância humana revela-se no caos – na desordem – em que se transformou o ser humano. Os seus direitos vitais, prioritários em relação aos de cidadão, são desrespeitados logo à nascença precisamente porque as políticas sociais de apoio às crianças não fomentam o surgimento correcto, isto é, hierarquizado, dos princípios formadores da sua individualidade integral. Por exemplo: as necessidades físicas, afectivas e intelectuais da criança não são supridas convenientemente. Tanto lhe impõem um afastamento paternal – a sua estrutura nuclear – exageradamente prematuro, privando-a assim da pedra angular que harmoniza a sua componente afectiva, como a pressionam mentalmente (através de sistemas educativos perniciosos), sem que a vertente inferior (afectivo/emocional) esteja minimamente consolidada.
Veremos, paulatinamente, que é possível – através de uma correcta compreensão e aplicação da ciência da “polis”, obtida pelo conhecimento da natureza humana – transmutar o “carvão” conspurcado pela ignorância, pelo caos, pela demência, pelo ódio, pela inacção e pelo egoísmo, no “diamante” purificado pela sabedoria, pelo discernimento, pelo bom senso, pelo amor, pela determinação e pela partilha que caracterizam todos os seres humanos, sem excepção.
Este é um trabalho “para todos e para ninguém”, como disse, na obra “Assim falava Zaratustra”, Friedrich Nietzsche; para todos os que pressentem e anseiam por um mundo melhor, em cuja construção podem participar os cidadãos, individual e colectivamente, com o que possuem de melhor e mais digno; mas para ninguém que viva iludido na presunção da sua estulta superioridade e, macaqueando a mais perniciosa das teologias, se julgue o exclusivo representante do Divino, condenando o seu rebanho acéfalo às humilhantes vias da ignorância (contra a sabedoria), da passividade (contra a acção lúcida e responsável), da reacção (contra a criatividade).
Trilogia
Todos já ouvimos falar da trindade divina das grandes religiões. Na tradição ocidental, temos “o Pai, o Filho e o Espírito Santo”, apesar da maioria de nós não compreender o que é que isso significa exactamente.
Para já, bastará dizer que essa trindade simboliza a natureza real e permanente do ser humano. Assim, o “Pai” representa o Espírito (a “Vontade espiritual” referida na tabela), enquanto o “Filho” simboliza a Alma, (a “Intuição, ou o “Amor/Sabedoria crístico ou búdico”, e o “Espírito Santo”, a “Mente superior ou abstracta, a Inteligência criadora”, ou, num certo sentido, a Personalidade, a nossa natureza condicionalmente (i)mortal. Assim, o Espírito e a Alma constituem o nosso “Eu Divino e Superior”, enquanto a Personalidade integra o nosso “Eu Inferior”.
Para conciliarmos ou fazermos corresponder esta trindade à natureza septenária discriminada no quadro, devemos raciocinar em termos matemáticos: a = Espírito; b = Alma; c = Personalidade.
Na sua interacção, esta trindade é representada por meio das seguintes relações, sendo o primeiro termo mais activo que o segundo e este preponderante em relação ao terceiro:
1 – a.b.c; 2 – a.c.b; 3 – b.a.c; 4 – b.c.a; 5 – c.a.b; 6 – c.b.a; 7 – a=b=c.
Neste último, os três termos estão equilibrados; o “eu inferior” reflecte perfeitamente o “Eu Superior”. Dito de outro modo, a “personalidade” manifesta perfeitamente o “espírito” que lhe deu vida; o ser atingiu a perfeição, sendo este o verdadeiro objectivo de todos os seres humanos, como ensinou o sábio judeu Jesus quando disse: “sede perfeitos, como o nosso ‘Pai’ é perfeito”.
O que alegadamente faz parte da teologia pertence, afinal, à mais avançada e profunda psicologia. Esta psicologia é de todos os tempos, tanto do passado, como do futuro. Os que a conhecem, ensinam e vivem em plenitude são os verdadeiros “religiosos”, ou “pontífices” (construtores de pontes para a unificação planetária livre e consciente).

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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Vender ou comerciar?


Este Domingo, os Armazéns do Chiado, em Coimbra, comemoram, cem anos de vida. Altura para editarmos um artigo, originalmente publicado no semanário “Vida Económica”, há quinze anos, a propósito dos receios dos pequenos comerciantes quanto às consequências da abertura do comércio no dia sagrado.

Texto Dina Cristo

José Manuel Gonçalves foi pioneiro a despoletar o conflito do horário do comércio ao Domingo. Agora que Faria de Oliveira optou por não aplicar o regime supletivo de funcionamento até às 14 horas, o presidente da Associação dos Comerciantes do Porto afirma, em entrevista, que tal decisão “penaliza fortemente o comércio”.
O também presidente da Federação do Comércio e Serviços do Norte questiona o cumprimento estrito das seis horas e pergunta: o pequeno comércio “vai abrir ao Domingo para vender a quem? Para quê?”. José Manuel Gonçalves questiona: “Com um volume de vendas muito baixo, uma população que não aumenta, um poder de compra que não tem aumentado nos últimos tempos e um excesso de oferta, então porventura tal decisão justificava-se?”.

Qual a sua posição face à solução encontrada?
Não posso estar de acordo com a decisão tomada pelo senhor ministro. Com esta atitude, o senhor ministro entrou no que considero ser uma rota de colisão com os interesses da sociedade. Acho a decisão tremendamente injusta. Acho que houve mesmo precipitação por parte do senhor ministro em tomar uma medida destas e mostrou que está distraído no que se refere ao conhecimento do que é o tecido comercial.
Não considera que Faria de Oliveira tentou conciliar os interesses em jogo?
De forma alguma. Então se a sociedade civil está representada em termos do Comité Económico e Social e se por esmagadora maioria as pessoas são favoráveis ao encerramento ao Domingo com, naturalmente, determinada flexibilidade em determinados períodos, onde o comércio iria estar aberto ao Domingo… De resto não. Isto era para gerar equilíbrios na própria sociedade.
Há uma diferença substancial relativamente ao regime supletivo prometido anteriormente?
Há uma diferença considerável. Normalmente, ao Domingo de manhã nem sequer é um período de grande movimento nos hipermercados. A medida supletiva seria aquela que menos malefícios nos poderia trazer. Já seria mais estimulante para o gestor de comércio. Agora com estas seis horas ao livre critério das grandes cadeias da grande distribuição… é favorecê-las relativamente a nós.
Mas vocês podem abrir ao Domingo e feriados.
Nós não podemos estar abertos ao Domingo. O problema é que não é justificável de forma alguma a abertura ao Domingo. A estrutura humana dos estabelecimentos comerciais não comporta. Como é que o comércio pode admitir mais pessoal e porventura tem quebras de vendas?! Então, se vê os seus encargos a aumentar e não tem receitas para eles, como é que pode ser possível? Mas admita-se que era possível. Então como é que as pessoas que trabalham no comércio vivem com a família? Então onde é que está o descanso e onde é que se deixam os filhos?
Mas os consumidores estão a favor da abertura ao Domingo.
Todos nós somos consumidores. Essas coisas não se podem pôr assim. É lógico que quando perguntar a qualquer pessoa se não lhe dava jeito que os estabelecimentos estivessem abertos ao Domingo, eu próprio lhe diria que sim. Todos somos egoístas a esse ponto. Mas só que o caminho não é naturalmente esse. Porque então também me dava jeito que a banca, as companhias de seguros, as repartições de finanças estivessem abertas. Que tudo funcionasse ao Domingo.
Revoltado?
Eu não sou contra os hipermercados. Respeito perfeitamente a sua forma de comerciar. Sou é a favor de um equilíbrio entre o comércio tradicional e estes grandes espaços comerciais. Estes nunca deveriam estar instalados na própria malha urbana das cidades e afinal é onde se encontram.
Abertura parcial não satisfaz hipermercados
Afinal o regime supletivo não vai ser aplicado. O funcionamento dos hipermercados será possível durante seis horas, no máximo, aos Domingos e feriados. Num fogo cruzado, Faria de Oliveira é contestado pelas várias partes interessadas. Comerciantes tradicionais e recentes acusam-no de favorecer a outra parte envolvida. Todos se revoltam.
A medida é alvo de críticas quer dos “grandes” quer dos “pequenos” comerciantes. A Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição, APED, afirma que a decisão é discriminatória: «O Governo possibilita, assim, que 136 960 estabelecimentos comerciais possam funcionar livremente ao Domingo e satisfazer as necessidades dos consumidores, mas impõe restrições aos restantes 40».
A APED acusa a medida de “violenta para os consumidores e contraditória que, como é cada vez mais claro, não irá trazer benefícios a ninguém, trazendo apenas prejuízos e incómodos aos agentes económicos visados e, sobretudo, aos consumidores». A mesma associação antevê os futuros constrangimentos e dificuldades operacionais nas lojas. «Pode-se imaginar a situação dramática que resultará quando igual número de consumidores for obrigado a concentrar as suas compras em metade do tempo de que hoje dispõe».
Continente contesta
O director de marketing da Sonae Distribuição reagiu irritado à decisão tomada. «A medida é absolutamente discriminatória e inqualificável, porque todos podem estar abertos menos os hipermercados». Luís Filipe Reis adiantou: A medida não resolve nenhum problema, vem antes criar uma sére deles: prejudica o consumidor que deixa de poder fazer as compras, o trabalhador que poderá deixar o seu posto de trabalho e os empresários que investiram e vêem agora as condições alteradas da forma mais arbitrária possível».
O responsável pelo Modelo e Continente sublinhou a posição dos hipermercados: «Não haverá transferência de consumidores para o pequeno retalho, além de se beneficiar umas dezenas de milhar para prejudicar 10 milhões de pessoas que querem e gostam de fazer compras. É ceder a interesses retrógrados».
Luís Reis classifica a medida de anti-mercado e anti-económica, e que por isso não é compreensível ter sido decidida por «um Governo pretensamente social-democrata». E pergunta: como é que num mercado livre se impede, por decreto, alguns estabelecimentos de abrirem ao Domingo, quando se trata de um sector dos mais modernos e dinâmicos e com mais valor acrescentado nos últimos tempos?
Tradicionais protestam
Por seu lado, o comércio tradicional diz-se lesado e acusa as grandes superfícies de concorrência desleal, como escreveu esta semana a Federação do Comércio e Serviços do Norte em carta aberta enviada ao ministro: «Se o governo quer a abertura ao Domingo, então terá de liberalizar a legislação de trabalho! O comércio só reclama condições iguais, nunca proteccionismo».
A Fenacoop, Federação Nacional das Cooperativas de Consumo, afirma em comunicado: «O pequeno e médio comerciante não poderá abrir aos Domingos e feriados porque os custos serão incomportáveis, a não ser que se transforme e à sua família em “escravos” da actividade e, mesmo assim, com resultados duvidosos».
Consumidores (in)satisfeitos
A decisão de pôr as grandes superfícies a funcionar meia dúzia de horas ao Domingo não agrada aos consumidores. Os que não iam lá nesse dia da semana vão continuar a não ir. Os que lá iam vão continuar a fazê-lo. Resultado: um hiperengarrafamento.
«Ou estava sempre aberto ou sempre fechado», «ou está aberto todo o dia, ou então encerra», «o ministro não teve coragem de tomar uma decisão política definitiva, voltou a empurrar para as autarquias», «seis horas é melhor do que nada», «é um mal menor», «é suficiente», «pode-se tornar pouco tempo para a quantidade de pessoas que aqui vêm».
Aquelas foram algumas das reacções que a "Vida Económica" ouviu, num dia de semana, junto a um dos hipermercados da Área Metropolitana do Porto acerca da decisão do Governo em autorizar a abertura das grandes superfícies comerciais aos Domingos e feriados por um período de seis horas, caso as autarquias não se pronunciem em contrário.
«Coitado de quem trabalha lá dentro!», «no Domingo têm direito a descansar», «devia reduzir-se para menos horas e até fechar». Para uma funcionária de um hipermercado, «era melhor se fechasse, quem faz seis horas faz mais um bocado; não adianta muito».
O que muda nos horários
As superfícies comerciais, com área contínua superior a dois mil m2, bem como os supermercados com mais de mil m2, nos concelhos com menos de 30 mil habitantes, não poderão abrir mais de seis horas aos Domingos e feriados, até 31 de Dezembro de 1998, com excepção dos meses de Novembro de Dezembro.
As autarquias decidirão qual o período de funcionamento, dentro da limitação horária. Caso as câmaras municipais não se pronunciem, o critério relativamente ao período a ser adoptado fica à responsabilidade das empresas proprietárias das grandes superfícies. O restante comércio, como os centros comerciais, pode abrir naqueles dias.
«Embora se trate de uma medida de carácter proteccionista que favorece o pequeno comércio que queira abrir», afirmou recentemente o ministro do Comércio e Turismo, Faria de Oliveira, durante a sua intervenção no Conselho Económico e Social, «não prejudica gravemente nem o consumidor nem as grande superfícies».
Horários comerciais na Europa*
Alemanha – encerrado
Bélgica – pode abrir à opção do comerciante, sem ocupação de pessoal
Dinamarca – encerrado
Espanha – abertura permitida durante oito dias por ano
França – encerrado
Grécia – encerrado
Holanda – encerrado
Inglaterra – aberto seis horas, no período entre as 10h e as 18h
Irlanda – aberto
Itália – encerrado
Luxemburgo – aberto até às 13h
Portugal – aberto até seis horas
Suécia – aberto
* De acordo com a ACIGAIA, Associação Comercial e Industrial de Vila Nova de Gaia
Faria de Oliveira num fogo cruzado
É já uma guerra. Acusações mútuas e troca de “galhardetes”. Sobre a mesa, razões e mais razões a favor dos pequenos e grandes comerciantes… Do “comércio tradicional”, emendam os homens dos hipers. “Pura venda”, acusam os das mercearias.
Enquanto se espera a decisão do ministro do Comércio, Faria de Oliveira, a já chamada “guerra santa” sobe de tom. Armas mais afiadas, alvos melhor definidos. Tudo a postos para pressionar a última palavra sobre a novela que tem sido “o fecha não fecha” do comércio ao Domingo.
Faria de Oliveira ao reunir um grupo de trabalho tenta o que até aqui parece impossível: conciliar os interesses dos pequenos e grandes comerciantes. Vasco da Gama, presidente da Confederação do Comércio Português, considerou na passada semana que tal é praticamente impossível.

José Manuel Gonçalves, presidente da Associação de Comerciantes do Porto, defende uma “solução transitória” que passaria pelo encerramento pontual. Nem radical nem definitivo. Afinal, este “processo de compromisso” deverá permitir analisar o comportamento do público.
Há uma multiplicidade de interesses em jogo, tornando mais complexo ainda com o facto de se tratar de uma “situação muito difícil, delicada”, comenta Manuel Gonçalves. O fecho incondicional aos Domingos bem poderia fazer transitar as compras do Domingo para o Sábado. Para os hipers. Sem um aumento no comércio tradicional. Por outro lado, acarretaria também a abertura do comércio durante todo o dia de Sábado. E neste caso, a resposta das mercearias seria uma incógnita. Como referiu Luís Albuquerque, da Grula, cooperativa de retalhistas, ao semanário “Expresso”, «(…) o pequeno retalho é composto por uma estrutura familiar, logo não se pode exigir que estes trabalhem todos os dias».
A ANS, Associação Nacional de Supermercados, lança o repto. O pequeno comerciante fecha ao Domingo, mas nada o impede de abrir, se ele o quiser. E os comerciantes do Porto bem tentam divulgar uma lei bem velhinha, segundo a qual as empresas são obrigadas a encerrar um dia por semana, de preferência ao Domingo.
Aliás, a solução não pode ser tão drástica. Na opinião do líder dos comerciantes do Porto há situações de excepção no encerramento ao Domingo, como seriam as zonas fronteiriças e as actividades de lazer. Manuel Gonçalves referiu-o durante a conferência de imprensa que antecedeu o Encontro Nacional de Comerciantes, na Exponor.

Prós e contras
A ANS, antes de se constituir na Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), por diversas vezes deu o seu parecer: contra. Os argumentos são os mesmos utilizados pela Associação Comercial do Concelho de Matosinhos (ACCM), uma das entidades que representa o pequeno comércio.
A primeira troca é logo a denúncia mútua de egoísmo. Almeida e Silva, da APED, acusa o pequeno comércio de, ao defender o encerramento dos hipermercados ao Domingo, querer restringir a livre concorrência em benefício próprio e em prejuízo dos consumidores. E Manuel Gonçalves pergunta: então queremos nós construir uma sociedade que privilegia alguns em detrimento do interesse geral de toda uma sociedade?
A opinião dos consumidores é outro dado usado consoante o interesse em causa. Para a ANS, segundo um inquérito efectuado, a maioria dos entrevistados (80%) é favorável à abertura do comércio geral ao Domingo e 60% apoia a mesma atitude do pequeno negócio.
A Associação Comercial do Concelho de Matosinhos apresenta o outro lado: se os portugueses são contra o trabalho no Domingo, então, por uma questão de coerência, serão também contra o recrutamento para o trabalho; os comerciantes do Porto só perguntam aos portugueses se gostavam que lhes tirassem o trabalho ao Domingo. E já agora qual a razão para o comércio estar aberto, quando tudo o resto está fechado? Se os bancos, as escolas, tudo está fechado e há tempo suficiente, de Segunda a Sábado, não haverá também para os portugueses fazerem as suas compras?, perguntam.
De acordo com a ACCM, não há qualquer necessidade do Domingo para fazer compras, dada a liberalização dos horários existentes, que vai desde as 6h às 24h. Fazer compras ao Domingo, escreve, mais do que uma necessidade, é uma oportunidade. As pessoas conseguiriam fazê-lo num outro dia, só que tendo aquela possibilidade aproveitam-na.
"Não", contrapõe a ANS. A abertura ao Domingo é uma imposição do ritmo de vida das cidades de hoje, acentuada com o número crescente de mulheres que trabalham fora de casa. E o fim-de-semana corresponde a quase metade do volume total de vendas durante toda a semana.
A ACCM afirma que há uma exigência, sim, mas de um ritmo saudável, só comportável com o encerramento ao Domingo da actividade comercial. De outra forma, será um ataque à instituição familiar, à possibilidade de encontro social e o (en)caminhar-se para uma sociedade sem Domingo.
«O homem consumidor também não tem tempo para fazer as suas compras durante a semana. Aliás, as compras do fim-de-semana são normalmente uma tarefa do casal, e não apenas de um dos cônjuges», lê-se no número três dos 12 argumentos da ANS contra o encerramento.
Três batalhas
O emprego é uma das "batalhas" desta guerra. A ANS avança com cinco mil postos de trabalho que poderiam desaparecer no caso de encerramento. A ACCM contrapõe. Se o grande comércio fechar ao Domingo aumentarão 30 mil postos de trabalho. Porque o pequeno comércio, assim, investirá, terá maior confiança e criará mais emprego, já que o comércio grossista de tal precisará, argumenta. E adianta: os custos da distribuição serão inferiores e podem ficar mais independentes da tutela dos hipers.
A desertificação das cidades é um argumento que também ele vale para ambos os lados. Depende da perspectiva. Os hipermercados afirmam que a sua abertura ao Domingo evita os espaços mortos das cidades e os torna em centros de lazer e de vida. O mesmo sublinham os pequenos, mas ao contrário: é o pequeno comércio que facilita a animação dos centros urbanos, são eles que lhe devolvem a vida.
E Manuel Gonçalves bem gosta de lembrar que o comércio é a face humana da economia, é ele que fixa as pessoas nas vilas e cidades, é a “montra cheia de vida”. O mesmo lembrou o ministro Faria de Oliveira, aquando da inauguração da Escola de Comércio do Porto. O comércio tem um carácter social, proporciona animação e humanização nas cidades, é um instrumento de convívio social que proporciona solidariedade humana.
O terceiro argumento é a vantagem económica. Para os hipers todos os agentes em Portugal ganhariam com a manutenção da abertura dos hipermercados ao Domingo, já que é essa, alegam, a sua vontade. Para o pequeno comércio as vantagens estariam no campo contrário: o encerramento. A produção, dizem estes, teria, assim, mais autonomia. Manuel Gonçalves disse-o de uma forma muito clara: «O urbanismo comercial perturbou a oferta, distraiu a procura e penalizou a indústria».
Não se pode proibir as grandes superfícies, mas estas terão de obedecer a um ordenamento, defende o representante dos comerciantes do Porto. «As grandes superfícies não são intrinsecamente más», mas são unidades que, disse Manuel Gonçalves, podem abusar da dimensão que têm. E aí vêm as acusações de concorrência desleal e “dumping”. Luís Palha, então secretário de Estado da Distribuição e Concorrência, comentava a este propósito ao “Expresso”, em 1993, que «existe legislação e ninguém pode vender abaixo do preço de custo». Só que, lembrava, «sem denúncia dos que se sentem lesados, é muito difícil intervir».
É o receio velado de que os hipers conquistem um poder excessivo e possam condicionar o sistema de consumo, segundo os seus interesses. Sinde Monteiro, armazenista, comentava ao “Expresso” também que «Portugal está a caminho da concentração o que será penalizante para o consumidor e poderá contribuir para esmagar os fornecedores».
Factores da diferença
Às acusações já referidas junta-se a falta de dimensão humana. Na Exponor, perante o ministro, diversos responsáveis pelo sector e os comerciantes que preenchiam a sala do congresso, Manuel Gonçalves disse alto e bom som: não tememos a grande distribuição, isso não é comércio, é pura venda. A grande distribuição, acusou, reduz cada um de nós à dimensão de consumidor, transforma cada um num rateador de compras. O pequeno, ao contrário, respeita a individualidade de cada um. «Lidamos com homens e com pessoas, que são muito mais do que consumidores».
A este propósito já o bispo de Setúbal fala no deus consumo. E põe em dimensões diferentes a conversa que se estabelece na mercearia e o ambiente do hiper, com as máquinas.
Portugal tem a maior densidade de estabelecimento per capita, um estabelecimento comercial para cada 109 pessoas, e uma média activa de 2,8 pessoas por cada loja, com um volume anual médio de 15 mil contos. Somos o país comunitário com mais habitantes por hipermercado, cerca de 400 mil por cada superfície. Segundo a APED, os seus associados terão este ano um volume de vendas de cerca de 700 milhões de contos.
Temos lado a lado, o grande e o «muito pequenino comércio, familiar, de subsistência». É por isso, defende Manuel Gonçalves, «necessária uma legislação adequada que permita uma compatibilização entre o grande, o pequeno e o médio, para que possa haver uma coabitação saudável».
Enquanto isso, Faria de Oliveira chama atenção dos pequenos para a necessidade de se modernizarem e apostarem em novas formas de atendimento. Uma coisa é certa, quando em 1992 a Uniarme realizou um inquérito em que apurou os factores mais importantes para o desenvolvimento do retalho para os anos 1993-1997 apenas oito por cento dos inquiridos deu importância aos hipermercados - 50% responderam que relevante seria a situação económica do país.





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quarta-feira, 14 de abril de 2010

Voz acusmática



Perto do Dia Mundial da Voz evocamos a sua importância… no cinema.
 
Texto Dina Cristo

A dimensão vocal esteve presente no espectáculo cinematográfico, desde o seu início. Do cinema silencioso, passando pelo falado, até ao audiovisual actual, a voz tem sido um elemento de valor considerável, numa área vista usualmente pelo primado da imagem. É a voz de um actor que pesa na selecção que Manuel de Oliveira faz para o elenco dos seus filmes, por exemplo. O realizador declarou-o publicamente, na imprensa.

Entidade entre o corpo e a palavra, a voz tem vindo a adquirir um peso cada vez mais importante dentro dos estudos relacionados com a arte cinematográfica, nomeadamente nos trabalhos relativos ao som. É nessa perspectiva que se enquadram as investigações de Michel Chion, autor para quem a voz humana é o elemento a partir do qual se hierarquizam os vários constituintes sonoros. Para ele, a presença da voz humana estrutura o espaço sonoro que a contém – é a teoria do vococentrisme. Mais do que um constituinte sonoro, como a música, diálogos ou ruídos, a voz é o seu elemento por excelência.

Com os seus efeitos de mistério, poder e transcendência, a voz apresenta-se especialmente rica numa dupla faceta: voz acusmática, quando existe uma voz sem corpo, de algum personagem que se ouve falar mas é invisível no campo visual, uma voz off, e quando há um corpo sem voz, personagem muda ou que se recusa a falar, no cinema falado, ou figuras dramáticas, no cinema silencioso, como lhe denomina Chion.

O autor recusa a ideia de um cinema mudo. Embora os espectadores se encontrem impedidos de ouvir as personagens, eram testemunhas da gesticulação, movimentos que os seus lábios produziam e, portanto, dos seus actos de fala. Na altura, a voz é imaginada ou sub-entendida.

Quando o instrumento vocal se materializa (com o cinema sonoro, noção partilhada por quem evidencia a sonoridade) sobressai o poder cinematográfico da voz sem corpo.
Características como a ubiquidade, o panoptismo, a omnisciência dão–lhe um poder “à semelhança” de Deus. Ser acusmático por excelência, a entidade divina está em todo o lado e tudo vê, é corpo insubstancial, não localizável, que passa sem que o possamos visualizar. “Não poderás ver a minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face (e viverá)”, afirma Deus a Moisés, no Velho Testamento (Êxodo 33).


Tipologias


Fora do centro da imagem, a voz pode ser acusmática integral, quando a personagem não foi (ainda) visualizada, ou parcial, quando (já) foi vista antes, no campo visual. A zona acusmática é flutuante, ou seja, é susceptível de aparecer, a todo o momento, no centro da imagem.

Neste processo de désacousmatisation, em que é revelado o seu corpo, a voz perde os poderes a ela inerentes (como a ideia de virgindade) e entra no reino dos humanos. Realiza-se a mise-en-corps, a reunião de uma voz audível a um corpo visível, ligando-se os elementos antes disjuntos.

A voz acusmática desempenha frequentemente o papel de alma, sombra e/ou duplo. Ela pertence, normalmente, a homens mortos (que continuam a falar como errantes à face do ecrã) ou que estão prestes a morrer. Outras são de narradores responsáveis pelo flashback. Evocam o passado de forma tão próxima que gera uma intimidade com os espectadores, ao ponto destes a sentirem como sua.

A um outro nível de implicação corporal, ainda, os assistentes sentem no próprio corpo a vibração de outro ser corporal projectado no ecrã. É o caso das respirações profundas ou dos gritos humanos. Os de homem delimitam o território, são estruturantes, e afastam-se do centro. Pelo contrário, os gritos femininos aproximam-se do centro, são ilimitados e fascinantes.

A voz acusmática é qualidade de toda e qualquer pessoa de quem ouvimos falar, mas não vemos. É o caso do embrião que, embora não vendo a mãe, tem a capacidade de lhe ouvir a voz. A audição – omnidireccional – permite que o espectador se ligue ao ecrã, através de um processo vocal idêntico.

Também Denis Vasse defende a teoria de que a escuta que o feto, ainda no útero materno, faz das frequências da voz da sua procriadora revela uma certa analogia entre o elemento vocal e o umbilical. À semelhança do cordão de transmissão alimentar, a voz envia um fluxo vocal. A mãe é o espaço virtual do qual emana a voz, invisível à criança. Está fora de campo.

Serge Daney complementa a designação de voz off com a voz in em que a personagem está presente na própria imagem. Esta categoria subdivide-se, por sua vez, em voz out, percepcionada a partir de uma boca, local simbólico da sua emissão, ou de todo o corpo, voz through.

Scheinfeigel , ao falar da dimensão sonora, lembra a distinção entre o som diegético, emitido por um personagem ou objecto que faz parte da história, e o som extra-diegético, proveniente de uma instância exterior à história, casos da música de acompanhamento e dos comentários em off.

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quarta-feira, 7 de abril de 2010

Caminhos de prata

Num dia em que centenas de (antigos) alunos de Religião e Moral da Escola Secundária de Peniche estão em peregrinação até ao Santuário de Fátima - pela 25ª vez - publicamos algumas fotografias da cidade de onde partiram.

Fotografia Dina Cristo

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