Oitava humana

Texto Dina Cristo
Zeus é o deus do céu, da vontade, autoridade, poder (considera que este lhe dá o direito a mal tratar), aparência (a imagem) e conveniência (por exemplo, ao nível de bens). Corresponde a Júpiter. Ele constrói o reino, seja a casa, família ou empresa, a que preside, e procria. Actua rapidamente e à distância, com capacidade de decisão; controla e impõe a sua vontade; é um líder natural, ordena com frieza. Forte, impiedoso, arrogante, extrovertido, confiante, ambicioso, vaidoso, positivo, realista e prático, persegue tenazmente o que quer, incluindo as mulheres, com quem é um estratego – não aguarda que ela o ame pelo que é, só quer que a mulher faça o que ele espera e não o incomode; não lhe interessa uma relação igualitária nem discutir sentimentos; para ele, a sexualidade é uma expressão de poder, ele é sexualmente agressivo e emocionalmente distante. Teme ser derrubado. Deve descer da montanha e apaixonar-se, aproximar-se.
Posídon é o deus do mar, da emoção e do instinto. É o mais primitivo de todos. Corresponde a Neptuno. Deseja ser alguém e respeitado. Tem emoções profundas e intensas, expressas imediata, directa e espontaneamente – impõe o seu desejo. Quando o ressentimento, o rancor, a amargura, a frustração, a cólera reprimidas, no fundo do “mar”, vêm ao de cima pode tornar-se violento, reagir desproporcionalmente e ser vingativo. É ávido, imaturo, desordenado, conquistador. É um garanhão que não se relaciona psicologicamente, ele domina as mulheres, viola-as, força-as a ter relações sexuais e considera que o sexo no casamento é um direito. Deve desenvolver a sua capacidade mental e objectiva e aprender a canalizar o seu potencial inato de expressão emocional.
Hades é o deus dos infernos, o reino das almas e do inconsciente. Corresponde a Plutão. É sério, reservado, isolado, introvertido, invisível, calado, sem confiança ou aptidão social e não tem filhos. Refugia-se na sua vida íntima, nas suas percepções subjectivas e vive só no mundo da sombra, subterrâneo, inconsciente, da depressão, morte (perda), fechando-se sobre si mesmo e afastando-se dos outros. Tem falta de experiência e viola porque pensa que a mulher se quer relacionar sexualmente com ele. Quer uma família, ordem e estabilidade, mas é celibatário. Deve desenvolver uma personalidade (uma forma de se apresentar) e sair para o mundo, tornar-se visível e acessível.
Apolo é o deus do sol, arqueiro, legislador (é o pai que estabelece normas) e o filho preferido também. Quer o domínio das técnicas e o reconhecimento, o destaque. Está bem no mundo, é visível, objectivo, moderado, legal, cauteloso, extrovertido, cooperante, intelectual, esforçado, íntegro, lúcido, observador e responsável. Gosta de ordem e de beleza. É emocionalmente distante, exprime os seus sentimentos de forma indirecta. Pode ter falta de paixão; é atraído por uma mulher emotiva, sem espírito prático, que seja independente e competente, e tenta-a controlar; conquista e depois vai-se embora; não se apaixona. Deve aprender a ser humilde, pois tende ao narcisismo, e a viver os sentimentos e as sensações corporais.
Hermes é o deus mensageiro e guia das almas, o comunicador, o malandro e o viajante. Corresponde a Mercúrio. É o mais amigo dos homens. Quer a liberdade de ir e vir, aventuras e variedade. É eloquente, sabe falar e escrever, improvisa. É o “entre”, a ponte, o espaço de transição; assinala fronteiras e atravessa-as facilmente; viaja muito e move-se rapidamente, explora e descobre novos territórios, pessoas, ideias e lugares, está sempre em movimento, pensa e actua rapidamente. É apressado, impulsivo, inconsequente, oportunista, fugidio, inconstante, superficial, camaleão, enganador, imprevisível; rouba, mente, é astuto, burlão, um sociopata encantador, ambicioso, confiante, inovador, à vontade, amistoso, com grande círculo de amigos, vagabundo, vive em ziguezague, testa os limites e começa facilmente. É solteiro, com muitos filhos; salva a criança no adulto também, podendo revelar aos outros o caminho. É infiel, quer sempre novas aventuras; pode seduzir, manipular, mentir para conquistar durante a perseguição; se se sente preso vai-se embora. Precisa de controlar-se, respeitar as pessoas, a autoridade, e esforçar-se por acabar.
Ares é o deus da guerra, o guerreiro, quer conflitos, combates, batalhas, lutas, discórdias, destruição, acção, matança – é o típico agressor familiar. Corresponde a Marte. É violento, irracional, instintivo, impulsivo, sensual, reage espontânea e fisicamente, com o corpo, o qual habita, descontrolando-se; é dançarino, amante, ávido, rude, individuado, temido, vive no presente, sem estratégia, tem muitos filhos ilegítimos e amantes; é empenhado, gosta de camaradagem e procura a ascensão social. É apanhado em adultério, faz amor pelo prazer físico de forma exuberante; pode ser pai sem querer. Deve desenterrar as mágoas e dominar-se.
Hefesto é o deus da forja, artesão, inventor, solitário. Corresponde a Vulcano. É artista, deformado, aleijado, física e psiquicamente, rejeitado e deseja aceitação e beleza. É trabalhador, produtivo, criativo – produz objectos perfeitos, belos e funcionais – concentra-se e dedica-se ao trabalho manual, seja na oficina, no estúdio ou no laboratório. É vulnerável, sente muito profundamente, calado, reservado – não fala sobre os seus sentimentos, evita o diálogo, o namoro, é introvertido e cisma; é teimoso e não se associa. É o bobo, dissonante, o palhaço que faz rir, ansioso, sem confiança. É também o guardião da paz, conciliador, apaziguador. É fiel, monógamo e enganado, tem poucas relações significativas e espaçadas; precisa de uma mulher que o inspire criativamente; apesar dela ser um tesouro pode negligenciá-la e dispensar as relações sexuais; não tem filhos. Deve fazer uma catarse emocional e encontrar pais adoptivos que o valorizem.
Dionís(i)o é o deus do vinho e do êxtase, desejando-o; místico, amante, vagabundo. É desmembrado, dualista, em conflito íntimo (da sensualidade ao misticismo), tem humor variável. Fervoroso, exuberante, com instinto muito intenso, consciência corporal, sensual, inconformista, feminino, tem uma contracultura, sonhador, apaixonado. Identifica-se com Hades. Gosta da beleza e das mulheres. Está cercado delas e procura o êxtase sexual – a sexualidade é uma preocupação fundamental; é o playboy sensual e não assume as responsabilidades tradicionais. Deve aceitar-se.
Aterragem divina
Segundo Jean Shinoda Bolen
, a memória genética do nosso património psicológico está a mudar: dos deuses-Céu - poder-medo-coação-competição - para os deuses-Terra - amor-coragem-liberdade-solidariedade.
A sociedade e cultura patriarcal (deuses-Céu) – extrovertida (orientada para o mundo exterior, para a objectividade e informação) e competitiva - estão baseadas no poder, no medo; valorizam o controlo, o pensamento racional, a distância e frieza emocional; oprimem o corpo, o instinto e desvalorizam o manual. Os pais reinam de cima e à distância, consomem a autonomia e o crescimento dos filhos (temem que os possam derrubar), tratam-nos mal e dominam as mulheres; têm poucas oportunidades para criarem vínculos afectivos – são emocionalmente ausentes e fisicamente pouco presentes.
Pelo contrário, a sociedade e cultura matriarcal (deuses-Terra) – introvertidas (concentram-se nas reacções internas, na subjectividade e nos sentimentos) e solidárias - baseiam-se no amor, na liberdade. Os pais amam profundamente os descendentes, interagem diariamente com a família, que é o seu principal foco, são a segurança e permitem o crescimento e independência dos filhos. A mulher, fortalecida, verbaliza os seus valores e percepções, é uma mãe sábia e forte, capaz de intervir para proteger os filhos. Este modelo civilizacional privilegia as pessoas e as relações.
Métis, a deusa da sabedoria, Sofia, a Mãe Natureza, é recuperada e com ela emerge a ecologia, a consciência global, a vinculação aos outros, à terra, à vida, à celebração dos ciclos e estações. É o ressurgimento de um progenitor, a mãe, a deusa, que havia sido engolida por Zeus e esquecida, e que permitirá que o filho de ambos nasça e suplante o pai. Esta mudança de modelo civilizacional pode ser representada no Deus ciumento e vingativo do Velho Testamento para o Deus afectuoso e clemente do Novo.
[1] BOLEN, Jean Shinoda - Os deuses em cada homem, Planeta Editora, 2000.[2] Quando os arquétipos se tornam carregados de emoção são chamados de “complexos”.
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