quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Suástica: o lado desconhecido

Perto do fim do ano e começo de um novo, eis um dos signos tradicionais de boa sorte: a cruz suástica (no cimo deste símbolo da Sociedade Teosófica).

Texto Susana Nunes

Quando a maioria das pessoas olha para uma suástica, a primeira coisa em que pensa é na Segunda Guerra Mundial, no Nazismo e no Holocausto. Em perseguição, tortura, sofrimento e morte. No entanto, este símbolo é considerado uma das mais remotas formas da Cruz, já que as mais antigas suásticas datam de 2500 ou 3000 a.C. (Índia e Ásia Central). Assim, para além de ser dos mais encontrados, considera-se que é um dos mais antigos símbolos místicos da Humanidade. A palavra “suástica” vem do sânscrito e significa “aquilo que traz boa sorte”. A sua raiz, “Svas”, quer dizer bondade.
Universalidade
Seria de estranhar o facto de este símbolo ser encontrado em diferentes culturas sem contacto entre elas, mas, na verdade, existe uma explicação muito simples: desenhar duas linhas rectas perpendiculares sobrepostas no seu centro, com um braço em cada extremo, é básico. Então, tal como o círculo, por exemplo, é de se esperar ver-se este símbolo repetidamente, em diferentes lugares e épocas, devido à sua simplicidade.
Assim, se explica também a enorme variedade de suásticas que existem e a sua diversidade a nível de simbologias. A nazi, por exemplo, tem os braços voltados para a direita, sendo que um deles fica no topo. Várias suásticas são constituídas por três linhas e outras nem sequer têm braços, consistem em cruzes com linhas curvas. Portanto, os símbolos designados por suásticas são, muitas vezes, bastante distintos. A chamada suástica celta, por exemplo, dificilmente se assemelha a uma.
A suástica ou cruz gamada, como também é conhecida, é usada há milénios por diferentes povos. Faz parte da cultura dos budistas, dos hindus, dos aztecas, dos celtas, dos japoneses, dos chineses, dos gregos, dos dinamarqueses, dos escandinavos, dos saxónicos, dos nativo-americanos e até mesmo, quase ironicamente, dos judeus.
Simbologia
Na China, este símbolo místico representa a orientação quádrupla que segue os pontos cardeais, o infinito, a saúde, a felicidade e a perfeição cósmica.
No Tibete, é um talismã, signo da fortuna.
Na Índia, é um dos símbolos mais sagrados místicos e tem exactamente o mesmo valor que o “sinal da salvação” tem para os cristãos. Para os hindus, é símbolo do poder fertilizante da natureza, da sua regeneração característica, e os seus quatro braços representam os diversos planos de existência (o mundo dos Deuses, o dos Homens, o dos animais e o Mundo Inferior).
No Budismo, a cruz suástica é o selo sobre o coração de Buda e é um símbolo tão importante que ainda hoje é usado com frequência.
Para os escandinavos, é designada de “o martelo de Thor” e era usada como protecção contra as forças maléficas por guerreiros ou heróis que lutavam até à morte por justiça, pelo seu próprio povo.
A mais conhecida suástica, que também pode ser chamada de Roda Solar, porque simboliza o ano solar, com as suas quatro estações, representa a energia do cosmos em movimento, o que lhe confere dois sentidos distintos, consoante o lado para qual estão os braços: o horário, com os braços voltados para a direita (tal como o símbolo nazi), e o anti-horário, com os braços voltados para a esquerda.
A suástica em sentido horário representa o movimento evolutivo do Universo, as forças da criação. A cruz em sentido anti-horário remete para uma dinâmica involutiva, significa Entropia (as forças naturais que trabalham para o fim do Universo, para a destruição). Numa análise superficial, poderiam ser entendidas como a representação do Bem e do Mal, no entanto, considera-se que os dois lados da suástica têm o seu lado bom e o seu lado mau, tal como tudo na Natureza. Assim, os dois lados não se opõem, mas complementam-se, num equilíbrio dinâmico, sem tendências para a criação nem para a destruição.
“Omnipresença” no pré-nazismo
Antes de ter adquirido uma extrema conotação negativa no período do Nazismo, a suástica “estava em todo o lado”, tanto no sentido horário, quanto no sentido anti-horário, até nos EUA: a conhecida Coca-Cola lançou um pingente com este símbolo e a cerveja Carlsberg tinha-o gravado nas suas garrafas. Durante a Primeira Guerra Mundial, a 45ª Divisão da Infantaria americana usava a suástica laranja como emblema no ombro. Até mesmo os escuteiros distribuíam este símbolo como distintivo.
Até 1939, a Força Aérea Finlandesa tinha suásticas nas asas dos seus aviões. Mesmo as medalhas militares e civis emitidas pelo governo finlandês nessa época tinham a suásticas na sua concepção gráfica.
No entanto, desde que o exército alemão invadiu a França, em 1940, a suástica deixou de ter este carácter tão omnipresente e “desapareceu”, com a óbvia excepção das bandeiras Nazis.
“Usurpação” por parte dos Nazis

Ao contrário do que se possa pensar, a onda racista e xenófoba já era bem patente na Alemanha, mesmo antes de se consolidarem os ideais nacional-socialistas. Em 1897, por exemplo, Karl Lueger foi eleito em Viena por voto directo, apesar da sua campanha política se centrar na “libertação do povo cristão da opressão judaica”.
Foi, no entanto, com o Nacional-Socialismo (Nazismo), em 1920, que se veio consolidar a adopção da suástica por parte dos alemães, pois era um símbolo que tinha um significado muito importante para a “raça ariana”, o povo proto-indo-europeu.
Segundo os livros "Raízes Ocultas do Nazismo" de Nicholas Goodrick-Clarke e Hitler e as Religiões da Suástica de JeanMichel Angebert, é inegável o misticismo que envolvia o Partido Nacional-Socialista, para além do seu carácter político. De acordo com a ideologia deste partido, um ariano era qualquer pessoa não-judaica, cujos ancestrais fossem nórdicos. A palavra “ariano” vem do sânscrito “arya” e quer dizer “nobre”.
Refere-se a um povo de guerreiros e está associada a um estereótipo físico: os olhos azuis, o cabelo loiro, a pele clara e a robustez. Estes guerreiros julgavam que a suástica era o talismã que os ajudava garantir as suas vitórias nas batalhas. Foi devido a esses grandes triunfos que este povo se tornou ancestral da população que formou a base do que hoje são os diversos tipos étnicos da família europeia.
Muitos comparam toda esta grandiosidade aos nazis, que, em pouco tempo, conquistaram quase toda a Europa, apesar de não terem o exército mais poderoso, e que só perderam a guerra devido a um erro táctico de Hitler, na invasão da Rússia.
Aparente “queda” da suástica nazi
p>A queda da suástica nazi foi, aparentemente, tão rápida quanto a sua ascensão: em 1946, a sua exibição pública foi proibida constitucionalmente na Alemanha. No entanto, verifica-se actualmente que novas ondas de racismo e xenofobia, designadas de neonazis, por ressuscitarem esses mesmos ideais, têm vindo a surgir um pouco por todo o mundo.
No Brasil, por exemplo, em 1994, o presidente Itamar Franco proibiu o uso da suástica em todo o território, com o propósito de desencorajar o crescente neonazismo brasileiro. Nos EUA, tem-se verificado um aumento da divulgação da suástica, como símbolo do regime Nazi. Na Grã-Bretanha, em Maio de 2001, foram detidos cerca de 20 jovens, depois de várias manifestações de violência racista. Em Portugal segundo a revista Visão, também nesse ano se assistiu a uma concentração de skinheads (cabeças-rapadas) na Amadora e, em 2004, a uma grande polémica devido a um site português nazi ter divulgado uma lista de alvos “a abater”, com fotografias, moradas e números de telefone de mais de 20 pessoas.
Incerteza do futuro
A grande questão, actualmente, para aqueles que pretendem ver a simbologia original deste símbolo universal restaurada é se, algum dia, esta deixará de representar todos os crimes perpetrados pelo Regime Nazi. Esta é uma questão complicada, pois, em diversas partes da Ásia, a suástica não possui nenhuma das conotações que contém no Ocidente. Na Índia, por exemplo, existe uma marca de sabão Suástica, na Malásia, um estúdio fotográfico Suástica, e no Japão há cartões dos famosos Pokémon que possuem o “manji”, a suástica no sentido anti-horário.
Mesmo nos EUA, apesar das vagas neonazis, existe quem pretenda restaurar a simbologia original da suástica: a organização Friends of the Swastika (Amigos da Suástica), um grupo bem coordenado, formado em 1985.
No entanto, o futuro é incerto. Ao mesmo tempo que se verifica o ressurgimento de ideais nazis, também se verifica uma maior vontade em restaurar a essência da simbologia suástica, o que não tem sido fácil. Em 2003, por exemplo, a Coca-Cola teve de retirar do mercado um brinde promocional em forma de robot, por ter gravadas no peito duas suásticas, o que originou a revolta por parte da comunidade judaica. Esta não conseguiu compreender que esses símbolos não tinham qualquer ligação com a suástica nazi.
Provavelmente, vai existir sempre este “estigma” em relação à cruz suástica, pois, por mais que se tente explicar que existem duas faces neste símbolo, existe sempre quem não consiga esquecer os horrores que a ela estiveram associados, num dos períodos mais negros da nossa História Universal. Por mais nobre que a herança seja, o símbolo da suástica foi, provavelmente
para sempre, manchado pela associação aos Nazis, no mundo Ocidental.

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quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

João 3-16


Nesta quadra de Natal, eis um conto original sobre a importância... do essencial.

Texto José Maria Alves fotografia Dina Cristo

Foi na cidade de São Paulo. Na avenida Brigadeiro Faria Lima. A noite de Inverno estava escura e triste, com os fumos da poluição a envolverem os candeeiros de iluminação pública. O frio inusitado circundava objectos e seres. A pobreza era mais pobre, e o sofrimento mais sofrido. A miséria dos desfavorecidos golpeada pela opulência dos edifícios e pela quentura da riqueza.

Junto a uma loja, na calçada, um rapazinho de 11 anos, sujo, vestido de indigência, trémulo, de uma magreza desconfortante a exibir uns belos olhos negros, vendia os doces que não se aventurava a comer.
O pai morrera num assalto, quando tinha dois anos. Não nascera salteador, assim como a sua desventurada mãe, perdida nos subúrbios, não nascera prostituta. Só ele nascera desafortunado.
Quando o frio o não acossava tanto, interpelava-se quanto à justiça do mundo. “Não lhe daria Deus uma fogueira, e quem sabe um pedaço de pão com manteiga? Ele que enchia de afagos e carícias os passantes de viaturas aquecidas e dos condomínios luxuosos. Ouvia gente rica e poderosa falar dos pobres, mas tinham a barriga inchada de tanto comerem e roupas caras para se aquecerem.”
Os pensamentos desvaneciam-se na bruma e no gélido bafo da noite. A melancolia dos seus olhos, mais parecia clamar pela morte em segredo, de modo lento, para não doer.
Os transeuntes apressavam-se, não reparavam nele, nem acudiam aos seus apelos de compra, transformados em invocações de misericórdia. Ninguém comprava, apenas passavam por si, alheios ao padecimento e ao desabrigo, presos ao seu próprio ego e mesquinhas ambições.
Renunciou. Por que havia de insistir?! De que lhe serviriam mais uns magros reais?! Sentou-se nos degraus de um prédio de escritórios, e olhou para o céu. “Nem uma estrela”, pensou. “Gostava ao menos de poder olhar uma estrela a luzir no firmamento.” “Teriam os ricos um céu só para eles?; provavelmente têm, com muito pão, doces, e lume para se aquecerem quando faz frio e limonadas geladas para quando o calor comprime o peito e não nos deixa respirar.”
Tinha saudades da mãe que o abandonara e do pai que não se lembrava de ter conhecido. E tinha frio, e fome, e uma tristeza que só os pobres sabem reter. Não pedira para nascer. Deus bem podia ter-se esquecido dele e dar a sua alma a outro menino que não tivesse de dormir num vão de escadas. Até o Menino Jesus dos presépios, que vira no último Natal, tinha palha, uns panos e animais para o aquecer, uma mãe para o alimentar e um pai que o escudava do mal, da agonia e do pesar. Também ele queria uma cama, um gato que se enroscasse na sua barriga e um pão recheado que a enchesse.
Nisto, um polícia aproximou-se, visivelmente cansado, com as faces enrugadas por não saber sorrir, e perguntou: - Estás perdido? - Não, não estou senhor. Apenas queria um lugar quente para dormir – respondeu o rapaz com a indiferença e naturalidade de quem nada pode perder, por nada ter. - Onde é que tu dormes? – volveu o agente, que parecia ausente na dureza viciada do seu modo de falar.
- Na Paulista, numa caixa de cartão. Mas hoje tenho muito frio. Talvez não seja o frio, talvez seja eu. Quem sabe se não tenho febre?! Dói-me o corpo. Só queria um lugar quente. Dizem que no Norte faz sempre calor e que as praias estão sempre cheias; aí venderia água de coco, gelados e não teria frio. Mas não sei como ir, não tenho reais que cheguem para comer um pão, quanto mais para viajar. E como deve ser longe; nunca saí desta cidade. Gostava de ver o mar e os barcos com as velas ao vento, como nos postais; e de ir no comboio ao Rio para olhar os turistas que vivem em lugares onde não lhes falta nada e por isso têm dó dos mendigos. Se calhar só dão para poderem ir para o céu, ou para se verem livres de nós, mas pelo menos dão; quem me disse foi o “Caipira” da Rua Augusta.
O polícia apesar de exausto, olhou a criança, demoradamente, como quem chora ou como quem quer chorar e não sabe. Ficou em silêncio por alguns segundos, deslocou o boné para o lado e coçou a cabeça luzente, já quase sem cabelos.
Apontando para uma transversal, disse: - Bem, menino, desces esta rua e mais ou menos ao meio, vais encontrar uma casa grande, pintada de branco, com um jardim e com portões verdes. Quando chegares, toca na sineta. Alguém te irá abrir a porta, abrem sempre. - E o que é que eu faço? – questionou o rapaz um tanto confundido. - Nada. Diz apenas: João 3-16.
Estranho. João 3-16... João 3-16. Nunca ouvira tal coisa. Quem seria o João? O dono da casa? Um amigo do dono? E 3-16? Estranho. João 3-16. Ninguém se chama assim, com números e tudo, pensava, só os que estão presos com tabuletas no peito, como nos filmes que correm nas televisões das montras.
O frio aumentava enquanto a noite crescia. Desceu a rua, tocou a sineta. Ninguém vai aparecer, pensou. Não deve estar ninguém. História de polícia; se calhar estava bêbado. Toco outra vez? É melhor não. Ainda me maltratam.
Enquanto absorto nessa torrente de pensamentos, acendeu-se a luz da ombreira e abriu-se a porta de madeira talhada. Uma senhora idosa poisou nele o seu olhar meigo e caridoso, como quem acaricia com a vista uma flor, ou envolve uma criança num pano de linho, o que lhe fez perder o receio que o afligia. - João 3-16 - disse baixinho. - Não te oiço menino. - João 3-16 – volveu o rapazinho. - Entra meu filho.
A casa era bonita demais. Cheirava a lenha queimada e a comida. Tinha cadeiras, mesas, panos nas janelas, jarras, quadros nas paredes. E não parecia ter mais gente.
- Vem, aproxima-te do fogão de lenha – disse-lhe afectuosamente. Senta-te neste banco e aquece-te, estás branco, enregelado. Deves ter fome; aguarda um momento.
Enquanto o corpo recuperava o calor perdido, pensou consigo: - João 3-16, quem será? Não sei, mas aquece-me. É bom, deve ser bom, só pode ser, senão não me aquecia.
A Senhora retornou com um prato cheio de comida. Nunca havia comido nada assim. Há dois dias que nada comia. Nem os doces que vendia. Se os vendesse como poderia comprar pão? João 3-16. Nada sabia dele, apenas que aquecia e matava a fome. Não sei o que é, nem quem, mas cuida de mim, pensou. - Come o que quiseres filho. Há mais na cozinha.
Quando terminou a refeição, a benévola Senhora levou-o por umas escadas circulares ao andar cimeiro e deu-lhe um banho de água bem quente que cheirava ao perfume que as senhoras ricas deixavam na calçada quando entravam nas lojas do centro. Não sabia que a água tinha cheiro. Será que também se podia beber?!
- Posso ficar sozinho? – perguntou. Tenho vergonha que me veja assim. - Claro, criança. Mas não podes demorar. Terminaste agora a refeição. Não sabia quem era João 3-16, ou o que era João 3-16, mas tinha a certeza que o limpava de tanta sujeira.
Ao fim de algum tempo, a Senhora disse-lhe que tinha de sair da água. Que pena, estava tão quente, tão confortável, que o esforço para não adormecer era enorme. Segurou a sua mãozita, e conduziu-o a um quarto com uma cama de ferro, lençóis brancos e almofada de penas.
Não sabia quem era João 3-16, mas sabia que lhe estava a dar uma cama macia num quarto quente, e que dormiria como nunca havia dormido em toda a sua vida.
A Senhora abraçou-o, beijou-o na testa, deitou-o e apagou as luzes, dizendo: - Durma em paz criança de Deus.
No escuro, com uma ténue luminosidade que entrava pela janela, pensou: “Não sei quem é João 3-16, mas aquece, alimenta, limpa, e dá repouso, e dá carinho. Talvez seja rico, mas não como os outros ricos da Paulista.” E duas grossas e límpidas lágrimas escorreram no rosto inocente.

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quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Edição Especial


Faz vinte anos, este Domingo, 16 de Dezembro. Passadas duas décadas, a ética e o mercado, a informação e o espectáculo, o conteúdo e a imagem continuam presentes. Eis a realidade da ficção.

Texto Dina Cristo

James L. Brooks argumentou, realizou e produziu. Deixou-nos há duas décadas uma longa metragem que retrata a realidade do jornalismo televisivo de hoje. Nela, expõe uma trilogia com que telespectadores e profissionais se defrontam: a ética e o rigor, representada por Jane Craig (Holly Hunter), a cultura e a vida interior, por Aaron Altman (Albert Brooks) e a imagem e a aparência, por Tom Grunick (William Hurt).
Neste, que é também um triângulo amoroso, Brooks confronta Jane com os seus princípios e valores profissionais (o relato - mais - puro da realidade) com a atracção por um homem (Tom) que, reconhece, encarna “o que eu considero perigoso” - “o demónio”, nas palavras de Aaron que, enciumado, lhe diz: “tens de admitir que ele personifica tudo o que tu lutas contra”.
Jane é uma produtora de elevado nível profissional que enfrenta os seus altos padrões de ética, numa realidade de concorrência televisiva, com frequentes crises de choro. Em reportagem com Aaron, na Nicarágua, por exemplo, opõe-se radicalmente a encenar seja o que for: “Não estamos aqui para criar notícias! Façam o que têm a fazer. As decisões são vossas”, ao que o soldado decide calçar as botas. Quando lhe dizem que foi fantástica ela apenas responde: “Não houve falhas de maior (…) Vocês são muito bons”.
Aaron adora Jane, de quem é imensamente amigo. É um homem de conhecimentos gerais bem fundados, grande repórter, que um dia quer experimentar ser apresentador; com o seguinte resultado: “Ali estava eu a promover-me, sentado sobre o casaco. A dar ênfase às ideias, mas acontece que tive um ataque de suor. Perdi um dos teus chumaços. Foram na cheia. Até recebemos telefonemas (...) de preocupação se eu estava a ter um ataque de coração”, conta a Jane. “Foi tão ridículo que se tornou engraçado (…) O suor a correr, a maquilhagem a entrar-me nos olhos. Tentaram secar-me com secadores de cabelo para eu poder ler as instruções dos repórteres que, afinal, é o que eu gosto de ser”.
Tom é fisicamente atraente, mas com enormes lacunas de conhecimentos e de expressão; não passa sequer nos mais singelos testes que (Jane e) Aaron frequentemente (lhe) faz e admite: “Na maioria das vezes não entendo as notícias que leio. Isto não são complexos de inferioridade, acredite! Sou mesmo mau!”. Ao contrário de Aaron, a sua imagem começa a ser imediatamente reconhecida, dentro e fora da redacção. Inexperiente, mas dominando as técnicas televisivas da imagem, supera os testes da estação e, mesmo perante um despedimento em massa, é promovido para Londres. No final, é ele quem desafia Aaron: “Se te fartares de Portland, informa-me”.
Saber (ou) vender?
Quando a redacção em peso está a ver o trabalho encenado de Tom, Aaron pergunta: “Posso ligar para as notícias?”, e perante os protestos dos colegas ironiza: “Está bem, sexo e lágrimas devem ser as notícias”. Contudo, quando se trata de enfrentar as câmaras, é Tom quem o aconselha: “Senta-te um pouco sobre o casaco. Fica com melhor aspecto, olha para o monitor, não mexas os olhos durante cada frase(…) Não estás só a ler. Estás a narrar notícias. Estás a vender-lhes a tua imagem”.
Jane, ao descobrir que Tom criou a sua própria emoção, através da fabricação de lágrimas “a posteriori”, recusa o seu convite para irem até uma ilha: “É terrível o que fizeste (…) Passaste a fronteira entre a ética e o lixo (…) Cometes uma violação à ética e procedes como se eu fizesse uma tempestade num copo de água?!”.
A extraordinária menina que escreve à máquina e que interrompe para dizer ao pai (por)que não está obsessiva é a exigente profissional cujo reconhecimento lhe dará o cargo de editora. Tom, que não era um bom aluno mas teimava em esforçar-se, não o precisa fazer. Quando enfrenta o desafio das câmaras, a primeira coisa que faz é escolher a camisa a vestir; o texto virá de Jane e as dicas de Aaron que, mesmo em casa, a ler e a ouvir música, o informa sobre o que apresenta na TV: “Falo aqui e aparece ali!”, diz estupefacto. Aaron, quando termina o liceu, como um dos melhores alunos, diz num discurso crítico: “Nunca sairão daqui (…), não conseguirão escrever ou ter um pensamento original”. Contudo, apesar da sua competência, acabará numa estação secundária, (a segunda de Portland).
A fita “abre” com Jane numa conferência: preparada para falar sobre a celebridade, o lucro, a economia, “Oh! Ia mostrar-vos uma cassete duma notícia dada, em todos os noticiários da mesma noite. Na mesma noite em que deixaram escapar uma mudança política importante sobre o desarmamento nuclear. Aqui está o que nos mostraram… Sei que é divertido. Eu gosto de me divertir. Só que isto não são notícias!”. Conforme fala assim as pessoas lhe viram costas, excepto Tom. No fim do filme, fecha-se o ciclo: é Tom a estrela aplaudida. E tudo o que ele tem para dizer ao público que enche a sala é… apresentar a sua noiva.

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terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Homofonia



Com a chegada do frio e da chuva publicamos esta cartilha oral. O que dizemos, ao ouvido de quem escuta, pode ter outro significado.


Recolha e fotografia Dina Cristo

A bala - abala
A balada – abalada
A barca - abarca
A bata - abata
A bater - abater
A braços - abraços
A borda - aborda
A brigada - abrigada
A sessão - acessão
A calma – acalma
A carta - acarta
A contextual - acontextual
A corda - acorda
A criminoso - acriminoso
A demissão - Admissão
A Deus – adeus
A dia - adia
A Dora – adora
A dobar - adubar
A duração – adoração
A fasta - afasta
A fazeres – afazeres
A ferir - aferir
A firma - afirma
A final – afinal
A fundar-se – afundar-se
A garra - agarra
A guarda - aguarda
A gastar - agastar
A gravar – agravar
A guarda - aguarda
A largar - alargar
A linha - alinha
A lista - alista
A locução - alocução
A mar – amar
A “marrar” - amarrar
A mostra - amostra
A não - anão
A nota - anota
A normal - anormal
A pagar - apagar
A parecer - aparecer
A parente - aparente
A pêlo - apelo
A pesar - apesar
A ponta - aponta
A ponte – aponte
A porta - aporta
A prova - aprova
A política - apolítica
A posta - aposta
A prenda – aprenda
A prender - aprender
A profunda – aprofunda
A prova – aprova
A renda - arrenda
A risca - arrisca
A rota – arrota
A ruína - arruina
A saltar - assaltar
A sede -acede
A seita - aceita
A sina- assina
A súmula - assumo-la
A tensão – atenção
A testa – atesta
A tira - atira
A tirasse - atirasse
A tracção - atracção
A trair - atrair
A trapalhada - atrapalhada
A travessa – atravessa
A tua - actua
A valia - avalia
A variar - avariar
A via - havia
A ventura - aventura
A ver - haver
A versão – aversão
A visar - avisar
A vista - avista
A vós - avós
As citações - excitações
As feras - as esferas
As quadras - esquadras
As gentes - agentes
As pressões - expressões
Cede - sede
Censo – senso
Com certa - concerta
Concerto - conserto
Com corridas - concorridas
Com correntes - concorrentes
Com corda - concorda
Com curso – concurso
Com decoração - condecoração
Com domínio – condomínio
Com dor – condor
Com firma - confirma
Com formação - conformação
Com fusos - confusos
Com gestão - congestão
Com junta – conjunta
Com pacto - compacto
Com padre – compadre
Com paixão – compaixão
Com parecer - comparecer
Com participação - comparticipação
Com passivo - compassivo
Com passo - compasso
Com porta - comporta
Com posição - composição
Com posta - composta
Com posto - composto
Com prometido – comprometido
Com prova – comprova
Com sagrado - consagrado
Com sentido – consentido
Com sentimento - consentimento
Com senso - consenso
Com sessão - concessão
Com sede - concede
Com sessão – concessão
Com sumo - consumo
Com tacto - contacto
Com tensão - contenção
Com texto - contexto
Com tracção - contracção
Com tradição - contradição
Com tudo - contudo
Com vento - convento
Com versão - conversão
Com vida - convida
Concelho - conselho
Coser -cozer
Contigo -contíguo
Da dor - dador
Da Maia – Damaia
De bater -Debater
De formação – deformação
De cisão – decisão
De compor - decompor
De composição - decomposição
De corrente - decorrente
De correr - decorrer
De corrida - decorrida
De coração – decoração
De crescer - decrescer
De crescimento – decrescimento
De curar – decorar
De curador - decorador
De escrever - descrever
De ferido - deferido
De forma – deforma
De gelo – degelo
De gradação - degradação
De grau - degrau
De leite – deleite
De limitação - delimitação
De mais – demais
De mão – demão
De marcação - demarcação
De mente - demente
De mérito - demérito
De missão – demissão
De mora - demora
De morada – demorada
De morar - demorar
De nota – denota
De óxido - dióxido
De parar - deparar
De pressão - depressão
De reter - derreter
De rota – derrota
De sida - decida
De ter - deter
De tensão - detenção
De terminar - determinar
De testar - detestar
De ver - dever
De Verão – deverão
De via - devia
De vida - devida
De vir - devir
De votos - devotos
Diz curso - discurso
Diz corda – discorda
Diz pensa - dispensa
Diz tinto – distinto
Do mar - domar
E leitor - eleitor
E levar - elevar
E legal - ilegal
E letrado - iletrado
E legítimo – ilegítimo
E limitado - ilimitado
E líquido - ilíquido
E lógico - ilógico
E lustres - ilustres
E maculado - imaculado
E material - imaterial
E maturidade - imaturidade
E metódico - imetódico
E merecido -imerecido
E mobilizar – imobilizar
E mobilizador - imobilizador
E moderado - imoderado
E modesto - imodesto
E moral - imoral
E mortal - imortal
E móvel - imóvel
E migração – imigração
E mutável - imutável
E negável – inegável
E negociável - inegociável
E números - inúmeros
E racional - irracional
E radiar - irradiar
E realizável – irrealizável
E realista - irrealista
E reconciliável - irreconciliável
E reconhecível - irreconhecível
E redutível - irredutível
E reflectido - irreflectido
E refutado - irrefutado
E regenerado - irregenerado
E religioso - irreligioso
E reparável - irreparável
E resistível - irresistível
E responsável – irresponsável
E resolução - irresolução
E restrito - irrestrito
E reversível - irreversível
E reverente - irreverente
E revogável – irrevogável
E rompia - irrompia
E terno - eterno
Em fim - enfim
Falo - fá-lo
Foi-se - foice
Há - à
Há cerca - acerca
Henrique ser - enriquecer
Hera - era
Houve - ouve
Já mais - jamais
Mal dito - maldito
Moral – mural
Morar - murar
Na morada - namorada
Na tal - Natal
No - nu
No meio - nomeio
No vinho - novinho
Os calões - os escalões
Os carros - os escarros
Os cravos - os escravos
Ó culto - oculto
Os passos - os espaços
O tópico - utópico
Paço - passo
Pás - paz
Para militares – paramilitares
Por vir - porvir
Que estão - questão
Que usamos - que os amos
Sêde - sede
Se colar - secular
Se deu - cedeu
Segar - cegar
Se guia – seguia
Sem - cem
Se mente - semente
Se não - senão
Se parar - separar
Se quer - sequer
Se senta - sessenta
Se tenta – setenta
Só mente - somente
Sobre natural - sobrenatural
Sobre tudo – sobretudo
Voz - vós

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quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Ilhas descobertas


S. Tomé, um dos países presentes na Cimeira UE-UA, comemora dia 21 de Dezembro mais um aniversário da sua descoberta. Uma oportunidade para o conhecermos melhor.

Texto e fotografia Pascoal Carvalho

São Tomé e Príncipe é um arquipélago, formado por duas ilhas insulares situadas no golfo da Guiné com cerca de 300 km, separado do continente africano. Composto por duas ilhas principais – a de S. Tomé e a do Príncipe – e várias ilhotas (cabras, rolas, sete pedras, santana, bombom, tinhosas, boné de Joker, dois irmãos), vulgarmente denominadas por ilhéus, num total de 1 001 Km2, é o segundo país mais pequeno de África, depois das Ilhas Seychelles. Segundo o último censo, de 2001, a sua população ronda os 140 000 habitantes. Estimativas mais recentes, de 2006, apontam para 150 000 habitantes, dos quais menos de 10 000 habitam no Príncipe.
Quem olha para estes números e descrições muito facilmente juntaria o útil ao agradável: paraíso natural, onde as mais diferentes e diversificadas abundâncias da natureza ali se podem encontrar e desfrutar, ladeando sempre a fulcral vertente de que é um país pobre do terceiro mundo onde paira uma acentuada pobreza e desnível social marcado por alguns com muito e outros com apenas pouco ou nada. Mas não é de todo um pensamento errado ou deturpado a ideia sobre as mais reais belezas que o divino assim concedeu aos são-tomenses. Os seus filhos, contudo, têm-no destruído por diferentes razões e caprichos, que envolve não só a má governação aliada à corrupção multisectorial mas também a de um pensamento muito arcaico e definitivamente prejudicial, que é o desleixo acentuado e agravante do sempre a tempo para tudo, sem pressa e nas calmas.
Essas maravilhosas ilhas desde sempre tiveram conturbado desenvolvimento histórico isto porque, para além de 21 de Dezembro de 1470 ser a descoberta da ilha de São Tomé e 17 de Janeiro do ano seguinte a do Príncipe, outros historiadores afirmam que essas ilhas foram encontradas apenas um ano mais tarde. Contudo, é a primeira versão a mais conhecida e utilizada. Entretanto, sabe-se que os navegadores que as descobriram estavam ao serviço de um rico comerciante de Lisboa, chamado Fernão Gomes, cujo objectivo era explorar e descobrir terras no sul da Serra Leoa. Estes territórios, descobertos por João de Santarém e Pêro Escobar, foram baptizados com nomes dos santos padroeiros dos respectivos dias de descoberta, que são Santo Tomé e o Santo António. Agora é conhecida por ilha do Príncipe por ter sido doada pelo rei ao seu filho, sendo na altura, aquando das entregas, dízimas e desembarques dos produtos vindos de Portugal, destinadas à ilha do Príncipe.
Essas ilhas serviram de refúgio para navios piratas, embarcações que precisam de reparação durante longos anos.
O povoamento de S. Tomé teve o seu início em 1485 quando a coroa real resolveu doar a João de Paiva, escudeiro português, que por sua vez resolveu povoa-la. A ilha do Príncipe, ainda S. António na altura, só começou a ser povoada cerca de 15 anos depois, em 1500, após a sua doação a António Carneiro, “Conde de Vimeiro”.
Um pensador nato diria que o actual e progressivo subdesenvolvimento do país se deve à preguiça dos genuínos deste território, que desde sempre aguardaram pelos dividendos da mesma para se alimentar e não só. Eram povos que nunca gostaram de trabalhar até aos tempos de hoje.
Os trabalhadores das roças e fazendas que por lá existiam, em cuja situação se encontram até hoje os seus filhos, foram escravos importados de outras colónias portuguesas, como Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau e Moçambique.
Tendo sido colonizados por uma sociedade católica, os são-tomenses também herdaram esta forma de crer e adorar Deus sobre todas as coisas. Mas nos tempos modernos, e com a aparição de inúmeras seitas religiosas de diversos cantos do globo, também se aceitam outras formas dos poderes da divindade. Essas seitas religiosas provieram de países como Gabão, Camarões, Nigéria, Guiné Equatorial, entre outros, cujos emigrantes começaram neste milénio a ver S. Tomé e Príncipe como um porto seguro e de confiança para fazerem negócio.
Do primeiro regime à democracia
De uma coisa que os são-tomenses jamais esquecerão é dos primeiros tempos após a democracia, em que pairava o respeito pelos outros e pelo meio social em que se encontravam, pelos valores culturais, educacionais e pelo civismo que desde a infância era incutido.
Depois dela, veio a ilusão de se poder dizer tudo, fazer o que melhor convém e, como resultado, vê-se hoje um país com diversas reclamações e uma ausência crónica de um pulso capaz de trazer de volta esse respeito e tempos idos.
Tal como em todo o lado onde a liberdade democrática existe, S. Tomé e Príncipe não foge à regra: também a escolha dos representantes que são legitimamente eleitos pelo povo iludido aquando das campanhas eleitorais. Mas o facto da pobreza ter invadido o país e a sociedade, eis que ela no contemporâneo está sensível a subornos, aldrabices e a um inúmero leque variado de formas e meios de se poder “safar”, lema este que é bem conhecido pelos demais habitantes destas ilhas que o assumem com toda a franqueza.
Entretanto, essa desonestidade não se restringe apenas a modalidades pouco ou nada influentes como também chega a enfraquecer a consciência dos mesmos que se deixam vender, sobretudo na altura das campanhas, com o único sentimento de que doravante mais nada interessa. Como resultado são as reclamações da população aquando das sucessivas subidas dos preços, principalmente dos artigos da primeira necessidade. Falo sem dúvida nenhuma do actual e bem conhecido “banho” que tem estado em uso, e é sem dúvida nenhuma o principal motivo do empobrecer acentuado, visível, aceite e conformado, patente nestes inconfundíveis rostos de sorriso e de alegria que a pobreza não consegue banir mas varrer, porque os mesmos não são sinónimo de felicidade.

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