quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Jornalismo Social


Na conferência sobre “Informação Solidária” esteve presente Henrique Pinto. O director da Associação Cais despertou consciências e apelou a um choque ético. É preciso que os problemas sociais deixem de ser notícias de mero lazer e estas passem a servir (para) a sua resolução. Que se noticie também actos de fraternidade - uma participação social, resultado da compreensão da interdependência social. Para tal, disse, é indispensável auto-crítica e liberdade.

Texto Henrique Pinto Fotografia Maria Inês Ramos


Num artigo sobre Heidegger e Foucault, Leslie Paul Thiele escreve que a filosofia política investiga, entre outros objectos, as “formas pelas quais a nossa compreensão das coisas afectam ou deviam afectar a nossa participação na vida colectiva,”
[1] assim como as práticas pelas quais a nossa vida, em sociedade, molda e define a nossa concepção da realidade. Neste ensaio, Leslie sublinha que o nosso modo de agir para com os outros, e a forma como conferimos uma ordem ao mundo, depende, em larga medida, da ideia que fazemos de nós mesmos. Por isso, a resposta à pergunta sobre quem somos hoje, ligada ao desenvolvimento histórico das verdades e instituições que moldaram a nossa identidade e percepção do mundo, não pode deixar de reclamar, necessariamente, uma investigação ontológica e uma análise genealógica (socio-política) das mesmas.
Ao terem eles mesmos ousado fazer este caminho, e ao descobrirem o quão a nossa apreensão das coisas vive profundamente marcada pela nossa finitude e limites históricos, Heidegger e Foucault sugerem um exercício ético, [a que podemos chamar, pelo lado de Heidegger, de phronesis (prudência), e de askesis, pelo de Foucault, - uma crítica constante de nós próprios, também entendida como estética da resistência-], como atitude ou forma de governo da nossa interdependência ou do nosso ser-com-os-outros. Assim, na afirmação do phronetic individual (como lhe chama Joseph Dunne, ao reflectir sobre os gregos da antiguidade), ou diante da impossibilidade de possuirmos uma imagem absoluta de nós mesmos (pois o que somos resulta do nosso agir, de um exercício onde o eu não só não é soberano como se revela uma rede de forças, ligada por relações de interdependência), a nossa compreensão das coisas impõe-se como um questionamento céptico, isto é, sempre duvidoso, crítico e aberto (skepsis) e de relações não dominadoras, mas de cuidados recíprocos. Aliás, este cuidado que nos devemos uns aos outros, hoje também traduzido por responsabilidade social, é o que esta interdependência reivindica, num lugar público, precisamente o da polis, onde o político não tem outra missão que garantir esta relação de cuidado entre seres.
Neste contexto de interdependência socio-política, não há dúvida que a questão do impacto de uma notícia, com vista à solução dos problemas sociais, bem como o da sua divulgação, face aos interesses comerciais dos órgãos de comunicação social, se ligam a uma particular concepção de nós mesmos, sendo a forma que os manifestam, representação do pensar e agir que dela advém, e da intervenção política que a inicia e salvaguarda. Por isso, os resultados obtidos com a divulgação de uma notícia, ou a preferência de uma em detrimento de outra, não dependem apenas da força que um particular assunto possa transportar dentro de si, mas da maneira como se concebem e se pensam, em relação aos outros, tanto os que fazem como os que recebem a comunicação.
O homem destino dos Media
Não é possível fazer aqui uma análise exaustiva e o mais adequada possível sobre o lugar do outro na nossa história, mas é claro o estado de hostilidade subjacente à gestão do nosso ser-com-os-outros.
A conquista e o controlo de tudo o que existe, como projectos da modernidade, perseguidos através do uso instrumental da razão e da afirmação da autonomia humana, não têm gerado outra coisa, que uma recíproca instrumentalização de nós mesmos, tornando o ser humano, no geral, não num prestador de cuidados, mas num tecnólogo. A velocidade, a eficiência, a mobilidade, a perspicácia, a versatilidade, a agilidade e o rigor a que cada um se obriga ou é obrigado, entende superar o tempo, aquele mesmo tempo indispensável, na filosofia Heideggeriana, à realização do ser-no-mundo, antecipando assim, por um lado, o que talvez, quem sabe, fizesse mais sentido viver-se, lá mais à frente, num futuro, ainda que próximo, e erguendo, por outro, sobre o poder conquistado e o seu gozo, o domínio inebriado de uns sobre os outros. ZZT, uma expressão gráfica, utilizada entre nós, por uma marca, não há muito tempo, para falar da ADSL de banda larga, traduz bastante bem esta ideia megalómana de ser, de estar, de chegar primeiro e de dominar, e não deixa de ser consequente, face a esta correria, que as deficiências motoras e mentais, assim como as múltiplas situações de pobreza, exclusão, e de risco, se encarem com um: “olha, azar o teu”, ou com total apatia.
Sublinho, a propósito dos Media, que o nosso jornalismo, muito pouco preparado sobre grande número de questões, que o carácter de diversão ou o consumo sensacionalista da informação, ligado à curiosidade com vista à murmuração e à aquisição de conhecimentos esvaziados de compaixão e justiça, e que a substituição, noutros casos, da notícia pela pessoa que a divulga, não só reduzem a história humana a um patético reality show, como têm velado ou até feito desaparecer as razões pelas quais os Media nunca se poderiam calar, se existissem alicerçados numa ética resultante da relacionalidade e interdependência do existir.
Mas há também quem, em nome de vários credos e princípios internacionais, defenda e exija a sua resolução, coagindo os flagelos sociais mais insólitos a uma transformação, que permita, aos que os manifestam no corpo, ser e crescer segundo um modelo comum, tornando-os, assim, aptos para a corrida da vida. Nestes processos, pessoas com variadíssimas deficiências motoras são, muitas vezes, adestradas a revelar o que são e valem, em iniciativas pensadas para pessoas sem este tipo de dificuldades. Os amputados africanos, porém, não têm que necessariamente jogar futebol, como as pessoas em cadeiras de rodas não têm que forçosamente jogar basquete ou dar-se a conhecer, como manequins, em desfiles, como o que foi erguido na primeira Feira Social de Lisboa.
Por um choque ético


O choque tecnológico, tão debatido pelo actual governo, como estratégia de superação de problemas, tais como o desemprego e a medíocre produtividade e competitividade dos portugueses, parece tratar-se apenas de um investimento ao nível do hard e softwear, sem que pareça muito interessado ou entenda reflectir o nosso actual sistema operativo. Portugal continua a viver-se de forma pouco crítica, o que significa que as ocupações diárias se reduzem, habitualmente, a tarefas de gestão/manutenção e, nalguns casos, a momentos de encontro e de aprendizagem sobre os mais recentes e sofisticados equipamentos e programas, ficando quase sempre por pensar o episteme sobre o qual se alicerçam as práticas, os costumes e as diferentes formas de utilização dos instrumentos, com os quais interagimos com os outros e o mundo à nossa volta.
O que pretendo dizer com isto é que, até que não se reflicta crítica e constantemente a nossa interdependência, a sociedade continuará preocupada em produzir mais tecnólogos, para quem a fragilidade dos outros não passará de uma bad luck, e sem que a sua abordagem, quando acontece, se traduza em prioridade das prioridades, quer no governo individual como de grupo. Neste sentido, as notícias relativas a problemáticas sociais continuarão a ter um público que mais não dirá que, “coitados”, (havendo sempre alguém, certamente, que também responderá, com generosidade, a situações de emergência, e decisores políticos que se defenderão, dizendo, que a riqueza não estica), assim como os interesses comerciais continuarão a exibir o circo e a comédia que o público adora ler, ver e comentar, ficando o retrato crítico e permanente de nós mesmos fora dos prime times and spaces, quando não eternamente adiado ou ignorado. Face ao que acabo de referir, será certamente dever dos Media comunicar de forma a promover e salvaguardar, acima de todo o interesse, a dignidade de cada ser humano, mas não deixa de ser também seu dever educar para uma concepção crítica da nossa história presente.
O filósofo francês, Michel Foucault, costumava dizer que toda a escrita que não tivesse o carácter de luta não valia a pena. Assim, ao afirmar estas ideias, o que proponho não é o exercício de uma comunicação subordinada a um horizonte ideológico, mas um ethos, uma relação crítica e dialogante com o mundo, que vai além da notícia pela notícia, ao sugerir, de forma clara e nas entrelinhas, a liberdade como percurso ético de realização pessoal e social.

(1) Leslie Paul, Thiele, “The Ethics and Politics of Narrative: Heidegger + Foucault”, in Alan Milchman and Alan Rosenberg (editors), Foucault and Heidegger – Critical Encounters, USA: The University of Minnesota Press, 2003, p. 209.

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quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Informação útil

No dia 11 de Junho, realizámos uma conferência sobre “Informação Solidária”, o primeiro passo do “Aqui & Agora”.



Tivemos connosco, desde Brasília, através da Internet, Carlos Cardoso Aveline, jornalista e especialista deste movimento informativo. À mesma mesa, em Coimbra, juntámos Gabriela Oliveira, freelancer, Henrique Pinto, director da Associação Cais, além de Dina Cristo, moderadora, e Bruno Ferreira e Sandra Silva, assistentes. Agradecemos todo o apoio dos convidados, técnicos, alunos e público envolvidos. Eis, de seguida, a cobertura da ESECTV, com reportagem de Cláudia Lucas, imagem de Marco Lucas e edição de Filipa Reis Silva.

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quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Informação integral

Para Carlos Cardoso Aveline (CCA), autor do livro «A Informação Solidária – A Comunicação Social como Prática de Uma Nova Ética”, o único fracasso é não tentar.

Texto Dina Cristo

Segundo este jornalista brasileiro, a actual Comunicação Social, em termos gerais, é um reflexo do estado de alma colectivo: fragmentária (isolada, separada, desenquadrada), focada em pormenores destrutivos, poluente, intoxicante, cheia de lixo, excesso, ansiedade, hipnotização, ficção, ilusão, agitação à volta de coisas inúteis e demasiado simplificada, o que leva à distorção.
Para CCA, a actual informação também possui uma dose excessiva de manipulação, exercida por intermédio de uma trilogia: através das novelas o público deseja os falsos valores, a publicidade convence que, se tivermos dinheiro, podemos comprar e os filmes mostram como, quando não se pode ter, se faz para tomá-los à força. A televisão, por exemplo, refere, é um reflexo da neurose colectiva, de depressão, agressão e adição.
Neste terceiro milénio, contudo, emerge uma nova era de globalização, em que a comunicação social substitui a tradicional: trata-se de uma revolução ao nível dos conteúdos, com o apontar de alternativas para os problemas sociais e tendo como principal objectivo a elevação da consciência humana.
Esta nova forma de encarar e fazer informação, sob um ponto de vista mais construtivo, envolve maior autonomia por parte do jornalista e participação por parte do leitor; exige, de ambos, mais espírito crítico. A informação solidária (IS) privilegia a importância sobre a urgência tal como a verdade sobre a novidade: «O que é importante nem sempre parece urgente. O que parece urgente, muitas vezes, não tem importância alguma»
[1], escreve o autor que acrescenta: o excesso de rapidez esmaga a verdade e citando o “Correio Brasiliense, em 1999, «Vivemos num tempo que a informação é tão rápida que exige explicação instantânea, e é tão superficial que qualquer explicação serve».
No caso da IS, trata-se de uma imprensa alternativa, mais consciente e criativa. No âmbito deste modelo, o profissional de informação cumpre o seu dever, o público é ouvido e são levados em conta os seus gostos reais. No caso das grandes audiências, afirma, «o povo assiste a programas de baixo nível por falta de opção e não porque goste [de facto, deles]»
[2]. A IS pauta-se pela veracidade e coerência bem como por disponibilizar informações úteis. É um paradigma informativo mais aberto, veículo de solidariedade universal, que destaca as regras da vida correcta e tem um compromisso com a ampliação e aprofundamento da visão do mundo. Assim, por arrastamento, crê o autor, o jornalismo do séc. XXI será mais responsável, por parte de quem o produz e por parte de quem o consome; ambos, emissores e receptores, serão mais activos, participativos, independentes, coerentes, preocupados mais em cumprir os seus deveres do que em exigir os seus direitos. A informação deverá ser integrada, relacionada e contextualizada. Será uma informação politicamente participativa, socialmente justa, ecologicamente sustentável e criativamente solidária.

[1] AVELINE, Carlos Cardoso – A Informação Solidária – A Comunicação Social como prática de uma nova ética. Edifurb. Blumenau. 2001, p.40. [2] Idem, p.55.

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quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Academia debate informação verde


Foram cerca de três horas de debate sobre esta informação verde, que aponta soluções, tem consciência da interdependência e viabiliza o desenvolvimento humano.

Texto Ricardina Baptista

Informação Solidária (IS) foi o tema da palestra que decorreu, no dia 11 de Junho, no auditório da Escola Superior de Educação de Coimbra. No evento, organizado pela docente Dina Cristo, estiveram presentes Carlos Cardoso, autor do livro “Informação solidária”, que esteve em directo do Brasil através de videoconferência; Gabriela Oliveira, jornalista freelancer, e Henrique Pinto, director da Associação “Cais”.
O conceito de informação solidária aparece no último quartel do Século XX como resposta à globalização e uniformização. Pretende realizar uma informação mais responsável, útil, sustentável e criativa, respeitando a ética e com resultados a longo prazo. Segundo Carlos Cardoso trata-se de uma informação feita com o coração, estabelecendo um compromisso ético pela vida.
O papel do jornalista torna-se, pois, fundamental na construção de um mundo melhor. No entanto, a IS defende que todos nós devemos ser activos e participar na sociedade. É preciso ouvir a consciência, uma vez que a possibilidade de mudança está em cada um de nós. Este tipo de informação é uma forma de fazer jornalismo onde existe uma vontade de eliminar o sofrimento dos outros. Por isso, a IS pretende colocar o dinheiro ao serviço da vida comunitária.

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quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Comunicação profunda


É como uma Estação de Tratamento Humano: recicla pensamentos negativos, sentimentos destrutivos, desintoxicando, por um lado, e nutrindo o Ser Humano, por outro. Propõe-se apenas “informar”, ou seja, fornecer conhecimentos que permitam ao público fazer escolhas mais correctas na sua vida. Emissor e Receptor, mais próximos, partilham uma visão mais elevada da existência e do papel que têm nela.

Texto Dina Cristo Ilustração Zita Leonardo

A Informação Solidária (IS) é um movimento informativo renovador de conteúdos - um novo paradigma sócio-comunicativo de intervenção social, facilitado hoje pela Internet e o aparecimento de agências internacionais de IS, reflexo de uma nova consciência colectiva emergente, mais global e construtiva, de cidadania planetária. Surgiu no último quartel do Séc.XX como resposta à exclusão (social), na sequência da globalização, e à uniformidade (cognitivo-comportamental). Inspirou-se nas correntes de economia solidária e ecologia profunda.
Distingue-se por ser, naturalmente, … solidária, não apenas numa perspectiva social, moral, ambiental e humana mas também sistémica. Assim, esta prática informativa caracteriza-se pela cooperação, entre-ajuda, auto-gestão, priorizando as afinidades electivas. Trata-se de uma informação ao mesmo tempo livre - autónoma, independente, intra-determinada, voluntária, mais democrática, dialogante, aberta - e comprometida, com o interesse público e a verdade.
É uma informação ecológica, reticular, sustentável, de longo prazo, nutritiva e despoluída; valoriza, preserva e expressa a interdependência de todas as expressões de vida. É mais integral, holística, abrangente, profunda, inclusiva, plural, crítica, discernida, exigente, emocional, intuicional e criativa; contribui para a diversidade do discurso jornalístico, a integração e coesão sócio-profissional e o desenvolvimento local. Vai para além do aspecto material, imediato, estritamente humano, do jornalismo (de responsabilidade) social, positivo, negativo ou comunitário, aprofundando-o e desenvolvendo-o.
É uma Comunicação Social fundamentalmente ética, que coloca a ênfase no dever, na (auto)responsabilidade, distingue-se por ser honesta, íntegra, consciente, de boa vontade, justa, tolerante, coerente, fraterna, humana e sensível. Privilegia, em termos de critérios de selecção, a qualidade, a importância, o enquadramento, a moderação, o interesse público, a utilidade, as questões estruturais sociais e a informação central acerca de uma vida (mais) correcta.
A Informação Solidária tem um público mais activo e participativo, de que os Provedores – dos leitores, ouvintes e telespectadores, seus representantes - são hoje exemplares. Ela está nos grandes “media” mas predomina nos mais pequenos, alternativos. Não exclui o lucro, embora esse não seja o seu (principal) objectivo.
Em síntese, a IS baseia-se em valores, fontes, agentes, critérios e conteúdos, que espelham um nível mais elevado de consciência, ética, responsabilidade, liberdade e solidariedade. A revista "Cais" é um dos exemplos em Portugal.

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