Fazer gazetas

À Independência política nacional de há 370 anos, que hoje se comemora, esteve ligado o nascimento da imprensa portuguesa. Oportunidade para lembrar, além das folhas volantes e das "Relações", o papel das Gazetas da Restauração.
Texto Débora Cunha
No início do séc. XVII, depois de Portugal perder a sua independência, em 1580, e fundir-se no Império Espanhol, Manuel Serevim de Faria, conhecido por Francisco de Abreu (pseudónimo), mandara imprimir duas Relações extraídas de uma série de trinta e um. A primeira, impressa em Lisboa, em 1626, e reimpressa em Braga, em 1627. A segunda fora impressa em Évora em 1628, numa época onde a invenção de Gutenberg permitiu os primeiros passos noticiosos e multitemáticos portugueses impressos. São os registos documentais mais antigos de Portugal. Estas Relações muito contribuíram para a edificação da reportagem enquanto género jornalístico, pois baseavam-se no relato, de maior ou menor extensão, de um único acontecimento.
Folhas
No século XV e XVI começaram a surgir, um pouco por toda a Europa, folhas noticiosas ocasionais de diferentes tipos e formatos e com diversas denominações: folhas volantes, notícias, relação, mercúrios, carta, manifesto, cópia, etc.. Por vezes constituídas por uma ou várias folhas agrafadas, com ou sem frontispício. Outras foram publicadas sob a forma de livro. Legais ou clandestinas, elas podem ser vistas como uma forma de jornalismo de “reportagem” que antecipa o jornalismo moderno. As primeiras folhas volantes falavam apenas de um único acontecimento. Porém, a partir do final do século XVI, começaram a surgir as primeiras colectâneas de notícias, recolhidas nas folhas ocasionais. Essas colectâneas, que gradualmente adquiriram periodicidade regular, foram os antepassados dos actuais jornais.
Folhas
No século XV e XVI começaram a surgir, um pouco por toda a Europa, folhas noticiosas ocasionais de diferentes tipos e formatos e com diversas denominações: folhas volantes, notícias, relação, mercúrios, carta, manifesto, cópia, etc.. Por vezes constituídas por uma ou várias folhas agrafadas, com ou sem frontispício. Outras foram publicadas sob a forma de livro. Legais ou clandestinas, elas podem ser vistas como uma forma de jornalismo de “reportagem” que antecipa o jornalismo moderno. As primeiras folhas volantes falavam apenas de um único acontecimento. Porém, a partir do final do século XVI, começaram a surgir as primeiras colectâneas de notícias, recolhidas nas folhas ocasionais. Essas colectâneas, que gradualmente adquiriram periodicidade regular, foram os antepassados dos actuais jornais.
As folhas noticiosas ocasionais terão surgido em Itália, concretamente em Bolonha, Veneza e Génova, espalhando-se rapidamente por toda a Europa, sendo vendidas em feiras e lugares concorridos. Em Portugal, tiveram o nome de Relações, no sentido de serem um relato de um acontecimento, como o caso dos naufrágios, por exemplo. Os temas das folhas ocasionais eram variados: política, comércio, fenómenos insólitos e curiosos, acontecimentos sociais, crimes e criminosos, calamidades, batalhas, etc. Tengarrinha fez um levantamento das relações portuguesas publicadas, entre 1555 e 1641, concluindo que as temáticas mais comuns eram expansões marítimas, naufrágios, relações com os povos e descrições de terras distantes e proselitismo religioso (43.7%); assuntos religiosos (18.8%); notícias da corte (18.8%); acontecimentos gerais do país e estrangeiro (9.4%); batalhas (6.2%) e descrição de Lisboa (3.1%). Tendo em conta a análise de José Manuel Tengarrinha, é possível dizer que as notícias das Relações já obedeciam a critérios de noticiabilidade idênticos aos contemporâneos, o que acentua a natureza cultural e histórica dos valores-notícia.
As folhas volantes tiveram o mérito de preparar o mercado e a audiência para o jornalismo industrial. Contribuíram para a democratização do acesso à informação, do conhecimento e da cultura e ajudaram a forjar uma consciência europeia.
As folhas ocasionais inicialmente construídas por uma única folha de pequena dimensão (15x20cm), transcreviam um única “notícia”. Esta amostragem não passava as oito folhas. As notícias eram classificadas como “notícias sérias”, “notícias populares”, “sensacionalistas” e “notícias” que, pelo seu conteúdo, tinham manifesto interesse público, apesar de se referirem a calamidades. As folhas volantes muito se assemelhavam a um pequeno livro, com frontispício ilustrado. Pouco tempo depois, apareceram folhas volantes de maior dimensão, com mais de 20 páginas, que abordavam aspectos da vida colectiva. Os relatos eram um misto de crónicas e reportagens, onde a narrativa tendia a ser cronológica. Podiam ser escritas em prosa ou em verso. Uma das principais características das folhas volantes era o facto de as notícias serem traduzidas em vários idiomas, o que ajudou a Europa a tornar-se num espaço de referência para os cidadãos do Velho Continente.
As folhas ocasionais inicialmente construídas por uma única folha de pequena dimensão (15x20cm), transcreviam um única “notícia”. Esta amostragem não passava as oito folhas. As notícias eram classificadas como “notícias sérias”, “notícias populares”, “sensacionalistas” e “notícias” que, pelo seu conteúdo, tinham manifesto interesse público, apesar de se referirem a calamidades. As folhas volantes muito se assemelhavam a um pequeno livro, com frontispício ilustrado. Pouco tempo depois, apareceram folhas volantes de maior dimensão, com mais de 20 páginas, que abordavam aspectos da vida colectiva. Os relatos eram um misto de crónicas e reportagens, onde a narrativa tendia a ser cronológica. Podiam ser escritas em prosa ou em verso. Uma das principais características das folhas volantes era o facto de as notícias serem traduzidas em vários idiomas, o que ajudou a Europa a tornar-se num espaço de referência para os cidadãos do Velho Continente.
Gazetas
A Europa do século XVIII sujeita a transformações, instabilidades e mudanças, necessitava de informação. Por isso, havia não só receptividade para as notícias, mas também matéria-prima informativa suficiente para sustentar o aparecimento destes primeiros jornais. As Gazetas aparecem, pela primeira vez, em França com a publicação de “La Gazette François”, de Marçellin Allard e Pierre Chevalier, em 1604. A primeira gazeta portuguesa periódica surgiu em 1641, quinze anos depois da publicação da primeira Relação de Manuel Severim de Faria, e tinha o nome de “Gazeta em Que se Relatam as Novas Todas, Que Ouve nesta Corte, e Que Vieram de Várias Partes do Mês de Novembro de 1641” e foi publicada em Lisboa por Manuel de Galhegos (de 8 a 12 páginas com 20x14cm).
As gazetas apresentam uma perocidade definida e frequente, com notícias seleccionadas, escritas sob a forma de textos simples e escorreitos, datados e geograficamente localizados. Por vezes, com menção directa às fontes, a narrativa, geralmente, é desenvolvida de uma forma cronológica. A primeira página titulada e, nem sempre, ilustrada, refere a data e o local da impressão/edição e o nome do editor. Inclui várias notícias sobre diferentes assuntos, paginadas a uma coluna, sem qualquer ordem lógica. As notícias ora eram obtidas por tradução de gazetas estrangeiras ora por produção própria. A perocidade normalmente semanal e depois bi e tri-semanal, até chegar a diária. A gazeta permitiu a “especialização” de cargos, existindo profissionais dedicados em exclusivo à redacção, paginação e impressão, e a implementação de custo e lucro, incluindo anúncios pagos. As gazetas resumiam um conteúdo unicamente noticioso e neutral. Incluíam notícias orientadas e seleccionadas para servirem determinadas causas, excertos argumentativos, persuasivos e opinativos, por vezes simplesmente propagandísticos. Noutros casos as gazetas perseguiam objectivos religiosos e moralistas.
Relações
As gazetas apresentam uma perocidade definida e frequente, com notícias seleccionadas, escritas sob a forma de textos simples e escorreitos, datados e geograficamente localizados. Por vezes, com menção directa às fontes, a narrativa, geralmente, é desenvolvida de uma forma cronológica. A primeira página titulada e, nem sempre, ilustrada, refere a data e o local da impressão/edição e o nome do editor. Inclui várias notícias sobre diferentes assuntos, paginadas a uma coluna, sem qualquer ordem lógica. As notícias ora eram obtidas por tradução de gazetas estrangeiras ora por produção própria. A perocidade normalmente semanal e depois bi e tri-semanal, até chegar a diária. A gazeta permitiu a “especialização” de cargos, existindo profissionais dedicados em exclusivo à redacção, paginação e impressão, e a implementação de custo e lucro, incluindo anúncios pagos. As gazetas resumiam um conteúdo unicamente noticioso e neutral. Incluíam notícias orientadas e seleccionadas para servirem determinadas causas, excertos argumentativos, persuasivos e opinativos, por vezes simplesmente propagandísticos. Noutros casos as gazetas perseguiam objectivos religiosos e moralistas.
Relações
As Relações - impressas - apresentam-se em papel de linho e em formato A5, aproximadamente. Não possuem capa individualizada e dura. O design é simples e, em tudo, semelhante aos livros da época. Com frontispício onde surge o título, o nome do autor, uma gravura xilográfica ilustrativa, a data e local de impressão e o impressor. A segunda página insere as licenças e as taxas. A partir da terceira página surgem as notícias, impressas em uma só coluna, sem qualquer intervalo entre umas e outras. O texto noticioso começa com uma letra capitular (o tipo de letra predominante é o gótico) e em itálico as licenças, separando graficamente o texto “administrativo” do conteúdo noticioso. As citações directas, várias em latim, são apresentadas em itálico. Os parágrafos assinalam-se com uma tabulação de 2/3 espaços para a direita. A informação era segmentada por países, organização das secções do jornal moderno. Não há publicidade. As Relações eram de ordem racional, com clareza, repouso para o olhar e sobriedade gráfica. Destinavam-se a um público ponderado, com tempo para consumir a informação e reflectir racionalmente sobre ela.
Segundo Lanciani, as relações de naufrágios portuguesas dos séculos XVI e XVII sofreram a influência estrutural de crónicas de viagens medievais, seguindo cânones retóricos já existentes: exordium, proposito, narratio e conclusio. Os dois primeiros formam, na retórica clássica, a introdução a um discurso, o espaço apropriado para se explicar o respectivo tema e finalidade.
A noção de hierarquia social é vincada pelo facto de, nas Relações, apenas os homens “grandes” serem nomeados pelos nomes e cargos, a que ainda se adicionam adjectivos honrosos. Os outros diluem-se no anonimato, sendo que os nativos tendem a ser apresentados com enquadramentos negativos, contrastando com a adjectivação positiva com que são catalogados os portugueses, especialmente os nobres. Inclusive, quando se referem os nativos, os autores das Relações, tendem a vincar a oposição "nós" (portugueses, superiores) e "eles (inferiores, incivilizados). As histórias das Relações são marcadamente masculinas. As mulheres, nas poucas vezes que são mencionadas, são representadas como seres frágeis e dependentes dos homens, tal como as crianças. O discurso das Relações pode classificar-se como tendo uma dimensão, não apenas cultural, mas também ideológica, reforçando, simbolicamente, as relações sociais de poder e dominação.
As Relações podem considerar-se exemplos do jornalismo emergente. Sofrendo a influência das crónicas medievais, já elas “quase-reportagens”, as Relações constituem-se como reportagens de acontecimentos notáveis, recentes e dramáticos e foram elaboradas para terem ampla difusão pública. Os relatos jornalísticos, ontem como hoje, são histórias que indicam o mundo real e as circunstâncias de cada época, por vezes atentando mais no particular do que no geral, naquilo que afecta directa e quotidianamente as pessoas. “O jornalismo é uma história do mundo continuada, é um curriculum da humanidade”. Quando começa o jornalismo em Portugal? É uma questão difícil de responder, apesar de ser possível datar o aparecimento de algumas publicações, periódicas ou ocasionais. No entanto, as Relações de Manuel Severim de Faria são os primeiros indícios de práticas jornalísticas em Portugal.
A noção de hierarquia social é vincada pelo facto de, nas Relações, apenas os homens “grandes” serem nomeados pelos nomes e cargos, a que ainda se adicionam adjectivos honrosos. Os outros diluem-se no anonimato, sendo que os nativos tendem a ser apresentados com enquadramentos negativos, contrastando com a adjectivação positiva com que são catalogados os portugueses, especialmente os nobres. Inclusive, quando se referem os nativos, os autores das Relações, tendem a vincar a oposição "nós" (portugueses, superiores) e "eles (inferiores, incivilizados). As histórias das Relações são marcadamente masculinas. As mulheres, nas poucas vezes que são mencionadas, são representadas como seres frágeis e dependentes dos homens, tal como as crianças. O discurso das Relações pode classificar-se como tendo uma dimensão, não apenas cultural, mas também ideológica, reforçando, simbolicamente, as relações sociais de poder e dominação.
As Relações podem considerar-se exemplos do jornalismo emergente. Sofrendo a influência das crónicas medievais, já elas “quase-reportagens”, as Relações constituem-se como reportagens de acontecimentos notáveis, recentes e dramáticos e foram elaboradas para terem ampla difusão pública. Os relatos jornalísticos, ontem como hoje, são histórias que indicam o mundo real e as circunstâncias de cada época, por vezes atentando mais no particular do que no geral, naquilo que afecta directa e quotidianamente as pessoas. “O jornalismo é uma história do mundo continuada, é um curriculum da humanidade”. Quando começa o jornalismo em Portugal? É uma questão difícil de responder, apesar de ser possível datar o aparecimento de algumas publicações, periódicas ou ocasionais. No entanto, as Relações de Manuel Severim de Faria são os primeiros indícios de práticas jornalísticas em Portugal.
Etiquetas: Débora Cunha, Fazer gazetas, Livros
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