Web: 2-0
A Web 2.0 tem servido mais para separar do que para unir – Lincoln Dahlberg explica como e porquê num artigo* que seguimos hoje, quando estamos a menos de uma semana do Dia da Internet Segura, em que o tema é “Aproximar gerações”.
Texto e fotografia Dina Cristo
Esta última, recuperada de Habermas, é considerada a causa da divisão digital estrutural, por natureza. Dalhberg não acredita que as desigualdades de acesso possam alguma vez ser eliminadas, dadas as vastas camadas de população que nem sequer infra-estruras possui, como electricidade, mas nota como têm vindo a ser diminuídas, quer pelo investimento privado nas redes móveis quer por instituições (caso da Association for Progressive Communications) ou projectos (como o Widernet) que promovem a comunicação digital.
A redução das desigualdades de acesso à internet em termos gerais e mais particularmente à Web, no caso em estudo a Web 2.0. - que optimiza a interactividade, a geração de contéudo por parte do usuário, os proconsumidores e as redes sociais – tem-se verificado entre países (mais ricos e mais pobres) e dentro dos próprios países, que tendem cada vez a estar mais conectados.
Apesar de reconhecer os últimos avanços na diminuição das barreiras ao nível da acessibilidade e de oportunidade de fazer parte da rede - como a diminuição dos custos, a maior difusão, a facilidade de uso, as possibilidades de produção de conteúdos e sua quantidade e disponibilidade de dados, da comunicação pública mais livre e até o desafio ao sistema que esta evolução representa - Dahlberg não se deslumbra e opta pela reflexão crítica.
Nas suas investigações contrapõe-se ao entusiasmo dos que designa por individualistas, neo-liberais e cyber-libertários, que celebram as potencialidades e oportunidades da Web 2.0, como a de ultrapassar as divisões, não só ao nível digital, on line, como ao nível social, off line.
O acesso por si só não traduz os diferentes modos de se ligar e explorar a Web nem a (in)actividade aí desenvolvida; não significa necessariamente participação e contribuição activa. Dalberg defende a tese de que a Web 2.0 não só tem mantido as divisões digitais como as tem agravado, com repercussões em diferentes dimensões sociais, como a educação, a saúde ou o lazer.
Argumentos acríticos como a inclusão, a igualitariedade, a descentralização ou mesmo a expansão das línguas nacionais estão por realizar. Nas suas observações, o autor verificou e existência de uma pluralidade de desigualdades radicadas desde logo na propriedade e no controlo. São tão avultados os valores das empresas de “media” e telecomunicações digitais que só muito poucos o podem obter. É apontado, entre outros, o caso da Google que adquiriu, por exemplo, a Orkut, o Blogger, o Youtube ou a Doubleclik.
É esta posse, detenção (dos domínios) que permite às grandes corporações o controlo e a hegemonia, expressa, por exemplo, nos seus códigos, licenças ou termos de uso que permitem a apropriação dos conteúdos fornecidos pelos usuários.
Numa economia da atenção, como a do sistema Web, os proprietários determinam quando desejam ver e ser vistos. Usam todo o tipo de estratégias para atrair e manter a atenção dos usuários sobre os seus serviços e produtos, incluindo manipulações e pagamento a «floggers». Adquirem assim grande visibilidade, cada vez mais concentrada em escassas fontes.
Pelo contrário, a grande maioria dos usuários são monotorizados e vigiados, nas suas pesquisas, compras e perfis (re)construídos (e, no caso das redes sociais, também dos amigos), gerando uma quantidade de informação armazenada para posterior venda – incluindo dados privados e pessoais, indispensáveis aquando dos registos.
A exploração dos utilizadores e do seu trabalho, seja ao nível de «crowdsourcing», «outsourcing» ou de conteúdo fornecido, verifica-se não só ao nível da expropriação, fiscalização realizada pelos empregadores mas também de quotas de audiência, fabricadas, focadas nos produtos mais comerciais e depois vendidas às agências de publicidade.
O que é visto, do ponto de vista acrítico, como uma oportunidade de expressão e comunicação, é considerado do ponto de vista crítico como um abuso, controlo e dominação; as alegadas oportunidades de emprego como novas linhas de montagem digital; as alegres escolhas aceites em troca de serviços prestados como falsas, irracionais e previsíveis e a expansão das línguas nacionais da “lifeworld” verdadeiros enclaves dada a dominação de certas línguas no Sistema.
Todas estas desigualdades têm repercussão na divisão ao nível do poder - aceder, participar, adquirir, controlar, chamar a atenção, explorar e vigiar - e de estruturar o discurso [agenda digital] – dominado pelos significados capitalistas, consumistas, comerciais e individualistas, o que leva à exclusão, marginalização, invisibilidade ou ocultação de largas camadas da população, pondo em causa o princípio de igualdade de oportunidades.
Mesmo nas plataformas de maiores potencialidades de participação, como as redes sociais e os blogues, as disparidades estão presentes, nomeadamente ao nível de género, cultura e etnicidade. Nesse trabalho em rede, mulheres e africanos, por exemplo, estão mais ausentes. Predominam os homens e as vozes ocidentais e, agora também, asiáticas.
Além do mais, o trabalho ali executado é, em grande parte, de reprodução dos “mass media”, que imitam, repicam e para os quais estabelecem ligações, bem distante do trabalho criativo de produção. A maioria limita-se à distribuição e disseminação das vozes de “mainstream” enquanto uma larga camada se restringe ao consumo e ao “downloading”. São poucos, pois, os que se destacam tornando-se «vloggers».
São os que têm maior estatuto sócio-económico, mais classe e recursos, os que mais participam, se envolvem e produzem na Web 2.0, os que melhor exploram as oportunidades fazendo crescer o seu capital digital e aumentando a sua influência social.
A Web 2.0 não só reproduz as desigualdades do off line como as reforça, amplia, acentua e agrava. Aqueles que têm melhor posição na sociedade, nomeadamente escolaridade, são também os que mais vantagens – competitivas - retiram da participação on line; mais avançados, são aqueles que mais se adiantam ainda. Enquanto isso, as prometidas vantagens da segunda geração Web traduzem-se para os que nada têm - infra-estruturas, equipamentos, competências e tempo – em oportunidade nenhuma.
O hiato entre incluídos e excluídos, on line e off line, cresce, num momento em que a migração da vida social para o sistema é cada vez maior e as repercussões da presença (no) virtual se reflectem mais e mais na vida de todos os dias. O fosso entre determinados indivíduos, grupos (classe média, jovem e móvel) e instituições, que lucram, e os que, pelo contrário, se desvalorizam aumenta.
Muito do “trabalho a pedido”, simples, rápido, mal pago e de finalização, é hoje recrutado entre os mais pobres e desesperados do mundo, incluindo bairros de lata e campos de refugiados. São estes trabalhadores, que sustentam o próprio sistema económico, político e digital, que dele são ocultados e marginalizados, violando a norma democrática.
Dahlberg vê as situações de desigualdade, estratificação e separação como tendo causas muito mais políticas do que tecnológicas. Entre o determinismo tecnológico, optimista, e o fatalismo, pessimista, defende a organização da contestação política, radical, de defesa da liberdade, igualdade e democraticidade.
Lincoln Dahlberg defende que a desigualdade discursiva é reversível e possível de se conter. O exemplo, a resistência, a popularidade e a visibilidade que representa a Wikipédia é sublinhado pelo autor, designadamente como fonte livre e aberta de trabalho colaborativo, voluntário, para o bem comum.
O 2P2, nó(dulo)s descentralizados, constitui também uma esperança não só para a reunião entre os pares - dispersos, desunidos e desligados - como também para os discursos, alternativos, até agora obscurecidos. Contra-discursos, de contra-culturas de contra-ideologias de contra-poderes, que não irão eliminar, afirma o autor, mas poderão alterar ou, no mínimo, desafiar o poder capitalista neo-liberal.
É preciso, tendo em vista a mudança social, defende, mais e melhor activismo digital, pesquisa crítica e comunicação pública, sem fins lucrativos. Ocupar espaços abertos, usar ferramentas disponíveis - como o micro-blogging Identi-ca, o trabalho colaborativo Crabgrass, a rede social Appleseed, a plataforma de vídeo Kaltura - pode ajudar a consertar a divisão de fragmentação.
As promessas de ultrapassar as barreiras (digitais) ainda estão por cumprir. Falta ainda realizar uma comunicação democrática, igualitária e comum(itária), efectivamente activa, produtiva, diferente e livre. Uma forma de expressão e de (re)conexão cooperativa, justa e benéfica em que o empreendedorismo comunicativo, cultural e genuíno de gente comum não seja engolido por gigantes sistémicos.
* DAHLBERG, Lincoln - Web 2.0 divides: a critical political economy. University of Queensland.
Etiquetas: Dina Cristo, Sociedade, Web: 2-0
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