Educação lenta
Um novo ano lectivo bate à porta. Como uma corrida para ver quem chega ao pódio, a ordem é “mais informação e cada vez mais depressa”. Quase todos aceleram, à pressa e sob pressão, excepto os que - lentamente - desafiam o sistema. Talvez tenham tido tempo suficiente para recordar que os últimos… são os primeiros.
Texto e desenho* Dina Cristo
Obcecado por exames e objectivos, com horários sobrecarregados, o estudante do séc. XXI tornou-se um discípulo apressado. Num contexto de educação intensa e abreviada, de luta para cumprir os programas, acelerados, a pressão, como para cumprir prazos e ser cada vez mais rápido, é constante. O estilo, de disciplina marcial, competição desenfreada e atmosfera sufocante, é de “treina e mata” e “estudar-até-cair”, observava Carl Honoré no seu livro “Movimento slow”.
O jornalista canadiano notou, contudo, que as crianças aprendem melhor quando o ritmo é mais lento e que um ambiente mais descontraído favorece o desenvolvimento de uma personalidade mais completa. Cita exemplos como a academia japonesa Macieira, fundada em 1988, em que os alunos vêm e vão, estudam o que e quando querem. Uma investigação que desenvolveu no seu livro mais recente “Sob pressão: como salvar as crianças da cultura dos hiper-pais”.
Na vontade de empurrar os seus filhos, os pais super-estimulam-nos. Os tempos livres… são ocupados em actividades extra-curriculares. Harry Lewis, ouvido pelo autor, nota: «O tempo livre não é um vácuo que se tenha de preencher (…). É aquilo que permite que outras coisas no vosso cérebro sejam recordadas de forma criativa (…)». Por isso, defende, há que limitar as actividades e reservar algum tempo para o lazer, divertimento, descontracção, solidão e imaginação.
É o reflexo do medo de ficar para trás, num mundo “turbo-alimentado”. A escola é vista como um campo de batalha em que o que interessa é ser o primeiro, o melhor. A hiperpaternidade, na vontade compulsiva de aperfeiçoar os filhos, agarra-se ao resultado dos exames e empurra-os tanto que os deixa exaustos; há crianças a dormir insuficientemente e a sofrer de stress. Maurice Holt, escutado por Carl Honoré, lembra que «(..) atulhar as crianças de informação o mais depressa possível é tão alimentício como devorar um Big Mac”(1).
Além do mais, a especialização desde tenra idade pode causar danos. José Luís Maio deu grande relevância à educação no ensaio “A Ciência da Polis”, nomeadamente à maximização da pluralidade de informação, com campos pedagógicos, integrados na Natureza e na comunidade. O autor destacou a importância de, até aos três anos, a criança estar próximo da mãe, cuja vitalidade o nutre, de entre os três a seis anos, brincar e jogar naturalmente e depois dos seis atender às necessidades do corpo, pela ginástica, e da alma, através da música.
Educação lenta
No sistema finlandês e sueco, por exemplo, o jardim-de-infância devolve aos pequenos o tempo para brincarem e a liberdade de serem crianças. Pais e professores estão mais motivados para que adquiram auto-estima e auto-confiança. Mais tarde, na fase de aprendizagem verbal, o entusiasmo e dedicação multiplicam-se. Já Omraam Aivanhov lembrava a importância da preparação para a aprendizagem para que o discípulo possa apreciar e aplicar o que é ensinado (2).
Há quase dez anos Maurice Holt publicou um manifesto pela “Escolaridade lenta” – a defesa do alívio da carga de actividades e de um ritmo mais adequado à velocidade de cada um; a importância de um espaço-tempo para a procura e compreensão do conhecimento por si próprio. Ninguém consegue ensinar aquilo que só se pode aprender, referia há décadas Khalil Gibran. Talvez por isso, os autodidactas ao longo da história não têm deixado que a escola atrapalhe os seus estudos.
Em Ridgewood, New Jersey, realiza-se em Março o “Preparar, estão prontos, relaxar!”, um dia em que não são marcados trabalhos para casa e são cancelados treinos, explicações e reuniões: “Os pais tratam de virem para casa mais cedo, a tempo de jantarem com os filhos e passarem algum tempo com eles à noite”(3).
Em Portugal, a Escola da Ponte, em Vila das Aves (Santo Tirso), inserida no sistema de ensino público vem, desde há décadas, ensaiando um novo modelo de educação mais motivante, participativo e democrático. Espelho da atenção a uma educação mais extensiva, informal, descentralizada e, ao mesmo tempo, livre e profunda.
Esta tendência para desacelerar e procurar um ritmo mais suave, mais natural, reflecte-se no interesse pelo ensino doméstico, em que Roland Meigham é perito. Na América há mais de um milhão de jovens que estão a ser ensinados em casa. São educados numa determinada tradição, têm mais protecção e mais liberdade de escolher os seus próprios horários; a aprendizagem torna-se mais produtiva e equilibrada, combinando curiosidade, criatividade e imaginação, além de que sobra mais tempo livre para o divertimento.
Carl Honoré tem mostrado a futilidade e os perigos de uma aceleração constante. «O segredo está no equilíbrio: em vez de fazer tudo mais depressa, faça-se tudo à velocidade certa. Por vezes, depressa. Outras vezes, lentamente. Outras, algures no meio»(4). Abrandar e escolher o ritmo que o faz mais feliz, usar o tempo de forma mais sensata, traz benefícios. Apreciar a vida, fazer as coisas como deve ser, com significado e prazer, eis a proposta do movimento slow aplicado à educação.
Uma educação mais lenta, livre, corajosa e humana que tenta satisfazer o amargo de boca de um modelo institucional, imposto e rápido, sob pressão para ser o melhor, e superar o vírus da pressa que, num sistema industrial, tem contagiado alunos, pais e professores, velocificados numa espécie de regime militar, esgotante.
• Anos 70
(1) HONORÉ, Carl – O movimento slow – A corrida contra o tempo afecta o trabalho, a saúde, as relações e o sexo. É possível desacelerar e recuperar a qualidade de vida?, Estrela Polar, 2006, p.224.(2) Caso contrário «(…) só irá entrar em choque com ele, ver-se-á em toda a espécie de contradições e continuará tão fraco e ignorante como antes». AIVANHOV, Omraam -pensamentos quotidianos, Edições Prosveta,2010: 22/7/2011. (3) HONORÉ, Carl – O movimento slow – A corrida contra o tempo afecta o trabalho, a saúde, as relações e o sexo. É possível desacelerar e recuperar a qualidade de vida?, Estrela Polar, 2006, p.233. (4) Idem, p.240.
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