quarta-feira, 3 de julho de 2013

Co-operar


Antes do Dia Internacional das Cooperativas, perspectivamos a competitividade da cooperação, as vantagens de laborar com - e não contra - o(s) outro(s).

Texto e fotografia Dina Cristo

Uma das fontes mais profundas da competição é o pensamento de escassez. A sensação de insuficiência é um pressuposto que gera medo de não conseguir ter o que se necessita, o que conduz à luta pelo poder, para melhor controlar e dominar. A ideia de igualdade é outro importante factor que está na base do desejo de distinção, frequentemente de acordo com expectativas exteriores.
A consciência individual, o interesse pessoal, fazem do individualismo uma das causas mais influentes para relações competitivas, com ênfase na astúcia. «Competição ou espírito agonístico são, na nossa perspectiva, a mesma coisa. Resultam da incapacidade de sair de si próprio, no desejo de se sobrepor, ao invés de se identificar com o outro», elucida Clara Tavares[1].
Da comparação nasce uma sensação de privação relativa, o que provoca uma espécie de corrida social, para ver quem chega primeiro (ao ponto mais alto), à ostentação (de títulos e/ou de bens), como forma de sinalizar ascensão e posição social, na esperança de que esta traga algum respeito - uma ambição de diferenciação que incrementou a mobilidade social, sobretudo depois da Revolução Americana, como explica Abílio Oliveira[11].
Este foco egoísta e separatista expressa-se por uma atitude contra a Natureza, incluindo a Humana, cujo objectivo é tirar vantagens, explorar, lucrar, acumular, apropriar-se. Esta postura “anti”, meramente receptiva e coadjuvada por um estilo de vida rápida, vacilante e ensopada em quantidade, não vai, contudo, além da repetição, da homogeneidade e da uniformização.
Os seus pontos de partida reaparecem à chegada: isolamento, conflito, inimizade, agressividade, bloqueio, stress, vazio. No final, os frutos são idênticos à raiz desta “árvore”, enfraquecida em combate para ser alguém: violência, crueldade, aprisionamento, doença, indiferença e consumismo. Resulta desta relação incorrecta, após a eliminação, dominação, destruição e exaustão, ainda mais pobreza, separação, insegurança e uniformidade.
Carlos Cardoso Aveline refere, no entanto, como se trata de uma reacção em crise: «As ideologias da luta competitiva, baseadas na premissa de que o mundo é mau e o homem não presta, não sobreviverão à sociedade patriarcal que já está aos pedaços, como uma placenta que se rompe na hora do parto»[2]. «A maioria das espécies extintas ao longo do tempo» sustenta o autor no mesmo livro «não desapareceu pela competição entre si, mas por mudanças climáticasdrásticas ou doenças epidêmicas»[3]. A maior parte dos animais, argumenta ainda o autor - são sociais e dependem bastante da ajuda mútua para sobreviver.

Cooperar é natural

F.J.C. Jr. defende que a cooperação é a verdadeira essência da civilização. Ela está presente desde a célula, como esclarece Lynn Margulis, até à conversação, como argumenta Grice, constituindo a base da economia medieval, designadamente através das guildas ou do trabalho colaborativo e anónimo, de construção colectiva das Igrejas. Está actualmente presente em actos como, por exemplo, o Biogás ou o aperto de mão, uma troca entre o princípio activo (emissor) e o passivo (receptor).
Ao contrário da competição, parte do princípio de que existem recursos não só suficientes mas também abundantes, o que gera confiança, além de diversos e diferentes, o que predispõe ao desenvolvimento do potencial existente, mais interior, e à sua manifestação, através da doação e partilha, e ao reconhecimento, gerando satisfação, gratidão e cada vez mais riqueza, material e psicológica. É o caso de todo o ovo ou semente, testemunho da capacidade criadora e multiplicadora da Natureza, e do jogo win-win, aplicado no âmbito da comunicação não violenta, em que todos ganham.
Orientados por uma consciência mais social e colectiva, os cooperantes baseiam a sua actuação em harmonia com os outros (e não contra eles), numa atitude sã e amiga, em união livre, com ganhos mútuos e apoio recíproco sem esquecer os valores da solidariedade, fraternidade, camaradagem, comunhão e altruísmo. Nesta parceria horizontal e correcta, com o ponto Alfa e Òmega a coincidirem na pacificação, segurança e comunicação, tem lugar a gratuitidade, a compaixão, a inclusão, tal como a amizade ou o amor.
Os resultados de força, esperança e plenitude reflectem as intenções comunitárias, de troca, circulação, fluidez e comunicação, as finalidades de identificar, aproximar, associar, conciliar ou de tornar comum e mesmo como um. Em vez de se procurar ser alguém, destacado, é-se ninguém, nesta floresta sã, qual rede humana de interdependência, círculo que cuida, protege, apoia e convive em uni(ci)dade.
A atitude em que as acções são compartilhadas, os benefícios distribuídos e os objectivos comuns, em alinhamento com a intenção original, manifesta-se nas confrarias, cooperativas, misericórdias, casas mútuas e do povo. Com uma Aliança Internacional desde os anos 60, o espírito cooperativo renasce hoje nas mais diversas actividades, desde a pedagogia (colaborativa) à agricultura (permacultura), passando pela saúde (homeopatia).
«À medida que o tempo marcha, o clamor crescente será para mais e mais cooperação – porque, vivendo em cooperação num mundo global, nós encontraremos a paz e a abundância para todos os povos, indiferentemente da raça ou credo», assegura F.J.R. Jr. É a compreensão, aceitação e aplicação da predisposição natural colaborativa - do interesse mútuo e do trabalho em equipa, própria do dois - e complementar existente entre todos os pares de opostos, que se procuram, necessitam e completam para assim poderem criar.
Quando a Humanidade deixar de competir consigo, com os outros e com a Natureza, numa atitude hostil, e passar a cooperar com todos, poderá recuperar a graça e a alegria. Se, desde bebés, Homens e Mulheres deixarem de ter de concorrer pela atenção de um adulto e de uma relação duradoura e segura, poderão, religados, resgatar a sua vocação cooperativa. Nessa altura, sem motivo para guerras, os Seres Humanos terão espaço, tempo, dinheiro, tecnologia e criatividade suficientes para proteger as plantas e os animais, e se elevarem a planos mais subtis e refinados.


[1] TAVARES, Clara - in Biosofia, nº38, pág.43. [11] OLIVEIRA, Abílio; GRAÇA, João  - Privação relativa – porque não vivemos mais satisfeitos in Biosofia, nº38, pág.4-8. 2011.
[2] AVELINE, Carlos Cardoso -  Aqui e Agora, para viver até ao séc.XXI, Editora Sinodal, 1985, pág.39. [3] Idem, pág. 25.

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