Co-operar
Antes do Dia
Internacional das Cooperativas, perspectivamos a competitividade da cooperação, as vantagens de laborar com - e não
contra - o(s) outro(s).
Texto
e fotografia Dina Cristo
Uma
das fontes mais profundas da competição é o pensamento de escassez. A sensação
de insuficiência é um pressuposto que gera medo de não conseguir ter o que se
necessita, o que conduz à luta pelo poder, para melhor controlar e dominar. A
ideia de igualdade é outro importante factor que está na base do desejo de
distinção, frequentemente de acordo com expectativas exteriores.
A
consciência individual, o interesse pessoal, fazem do individualismo uma das
causas mais influentes para relações competitivas, com ênfase na astúcia.
«Competição ou espírito agonístico são, na nossa perspectiva, a mesma coisa.
Resultam da incapacidade de sair de si próprio, no desejo de se sobrepor, ao
invés de se identificar com o outro», elucida Clara Tavares[1].
Da
comparação nasce uma sensação de privação relativa, o que provoca uma espécie
de corrida social, para ver quem chega primeiro (ao ponto mais alto), à
ostentação (de títulos e/ou de bens), como forma de sinalizar ascensão e posição
social, na esperança de que esta traga algum respeito - uma ambição de
diferenciação que incrementou a mobilidade social, sobretudo depois da
Revolução Americana, como explica Abílio Oliveira[11].
Este
foco egoísta e separatista expressa-se por uma atitude contra a Natureza,
incluindo a Humana, cujo objectivo é tirar vantagens, explorar, lucrar,
acumular, apropriar-se. Esta postura “anti”, meramente receptiva e coadjuvada
por um estilo de vida rápida, vacilante e ensopada em quantidade, não vai,
contudo, além da repetição, da homogeneidade e da uniformização.
Os
seus pontos de partida reaparecem à chegada: isolamento, conflito, inimizade, agressividade,
bloqueio, stress, vazio. No final, os frutos
são idênticos à raiz desta “árvore”,
enfraquecida em combate para ser alguém: violência, crueldade, aprisionamento,
doença, indiferença e consumismo. Resulta desta relação incorrecta, após a eliminação,
dominação, destruição e exaustão, ainda mais pobreza, separação, insegurança e
uniformidade.
Carlos
Cardoso Aveline refere, no entanto, como se trata de uma reacção em crise: «As
ideologias da luta competitiva, baseadas na premissa de que o mundo é mau e o
homem não presta, não sobreviverão à sociedade patriarcal que já está aos
pedaços, como uma placenta que se rompe na hora do parto»[2]. «A
maioria das espécies extintas ao longo do tempo» sustenta o autor no mesmo
livro «não desapareceu pela competição entre si, mas por mudanças climáticasdrásticas ou doenças epidêmicas»[3]. A maior
parte dos animais, argumenta ainda o autor - são sociais e
dependem bastante da ajuda mútua para sobreviver.
Cooperar
é natural
F.J.C.
Jr. defende que a cooperação é a verdadeira essência da civilização. Ela está
presente desde a célula, como esclarece Lynn Margulis, até à conversação, como
argumenta Grice, constituindo a base da economia medieval, designadamente
através das guildas ou do trabalho colaborativo e anónimo, de construção
colectiva das Igrejas. Está actualmente presente em actos como, por exemplo, o
Biogás ou o aperto de mão, uma troca entre o princípio activo (emissor) e o
passivo (receptor).
Ao
contrário da competição, parte do princípio de que existem recursos não só
suficientes mas também abundantes, o que gera confiança, além de diversos e
diferentes, o que predispõe ao desenvolvimento do potencial existente, mais
interior, e à sua manifestação, através da doação e partilha, e ao reconhecimento,
gerando satisfação, gratidão e cada vez mais riqueza, material e psicológica. É
o caso de todo o ovo ou semente, testemunho da capacidade criadora e
multiplicadora da Natureza, e do jogo win-win, aplicado no âmbito da
comunicação não violenta, em que todos ganham.
Orientados
por uma consciência mais social e colectiva, os cooperantes baseiam a sua
actuação em harmonia com os outros (e não contra eles), numa atitude sã e amiga,
em união livre, com ganhos mútuos e apoio recíproco sem esquecer os valores da
solidariedade, fraternidade, camaradagem, comunhão e altruísmo. Nesta parceria
horizontal e correcta, com o ponto Alfa e Òmega a coincidirem na pacificação,
segurança e comunicação, tem lugar a gratuitidade, a compaixão, a inclusão,
tal como a amizade ou o amor.
Os
resultados de força, esperança e plenitude reflectem as intenções comunitárias,
de troca, circulação, fluidez e comunicação, as finalidades de identificar,
aproximar, associar, conciliar ou de tornar comum e mesmo como um. Em vez de se
procurar ser alguém, destacado, é-se ninguém, nesta floresta sã, qual rede humana de interdependência, círculo que
cuida, protege, apoia e convive em uni(ci)dade.
A
atitude em que as acções são compartilhadas, os benefícios distribuídos e os
objectivos comuns, em alinhamento com a intenção original, manifesta-se nas
confrarias, cooperativas, misericórdias, casas mútuas e do povo. Com uma
Aliança Internacional desde os anos 60, o espírito cooperativo renasce hoje nas
mais diversas actividades, desde a pedagogia (colaborativa) à agricultura
(permacultura), passando pela saúde (homeopatia).
«À
medida que o tempo marcha, o clamor crescente será para mais e mais cooperação
– porque, vivendo em cooperação num mundo global, nós encontraremos a paz e a
abundância para todos os povos, indiferentemente da raça ou credo», assegura
F.J.R. Jr. É a compreensão, aceitação e aplicação da predisposição natural
colaborativa - do interesse mútuo e do trabalho em equipa, própria do dois - e
complementar existente entre todos os pares de opostos, que se procuram,
necessitam e completam para assim poderem criar.
Quando
a Humanidade deixar de competir consigo, com os outros e com a Natureza, numa
atitude hostil, e passar a cooperar com todos, poderá recuperar a graça e a
alegria. Se, desde bebés, Homens e Mulheres deixarem de ter de concorrer pela atenção
de um adulto e de uma relação duradoura e segura, poderão, religados, resgatar
a sua vocação cooperativa. Nessa altura, sem motivo para guerras, os Seres Humanos
terão espaço, tempo, dinheiro, tecnologia e criatividade suficientes para
proteger as plantas e os animais, e se elevarem a planos mais subtis e
refinados.
[2] AVELINE,
Carlos Cardoso - Aqui e Agora, para viver até ao séc.XXI, Editora Sinodal, 1985, pág.39. [3] Idem,
pág. 25.
Etiquetas: Co-operar, Dina Cristo, Psicologia social
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