quarta-feira, 29 de maio de 2013

Ser criança


 

Que função social têm as crianças? Está o seu potencial a ser aproveitado? Qual o papel que desempenham os cuidadores? Vamos ler antes do seu dia mundial.

 Texto e desenho* Dina Cristo

A exploração infantil faz-se em toda a linha, desde o trabalho ao marketing e publicidade, passando pela via militar, com a infantaria, e até sexual. Eis um panorama indicativo do estado de “saúde” da sociedade já que, como afirma Carlos Cardoso Aveline, «Pode-se saber o estado de alma de um povo observando apenas o modo como ele trata suas crianças»[1].
Quantas são mortas, desprezadas, mal tratadas, negligenciadas, ignoradas, abusadas ou violentadas, quando não são vistas como um dano colateral ou mais uma posse. Só no Brasil há cerca de oito milhões abandonadas. Por vezes, começa logo nos hospitais, ao nascer. Por todo o mundo são inúmeras as meninas e meninos de rua, órfãos, carenciados, doentes e esfomeados, física e psicologicamente.
Com cada vez menos condições para brincar e mais (de)pressões, falta de atenção, orientação e compreensão por parte dos seus progenitores, educadores e cuidadores, as crianças sofrem cada vez mais cedo sintomas de patologias e atitudes “adultas”, quer ao nível do corpo quer da alma. Por vezes o problema é o oposto, excesso de preocupações, expectativas ou protecções, desproporcionadas e exageradas, que as envolvem e atrofiam o seu desenvolvimento. Os sentimentos de medo e de imperfeição incutidos, mesmo ‘sem querer’, nos mais pequenos, como explica Louise L. Hay, são disso exemplo.
Vítimas de uma sociedade hipermaterialista as crianças imitam e degeneram, por vezes, em pequenos monstros de egoísmo; como os alimentos, apodrecem rapidamente sem nunca antes terem amadurecido. Contudo, elas nascem para construir o futuro, novo e diferente, para induzir a mudança, acrescentar valor, (re)criar a realidade, alterar as estruturas, fazer avançar a sociedade e facilitar a evolução dos povos.
As crianças vêm para mostrar qual o caminho a percorrer, para lembrar qualidades entretanto esquecidas ou perdidas, como autenticidade, bondade, felicidade ou simplicidade. Os mais pequenos dão uma lição aos mais crescidos sobre, por exemplo, como viver aberta e plenamente, no aqui e agora. Os bebés, por exemplo, não temem expressar livremente as suas emoções e não fazem comparações, lembra Louise L. Hay.
Cada recém-nascido traz consigo a pureza, a inocência e a bem-aventurança da unidade original. «Uma criança que encanta a alma das pessoas com seu sorriso estimula nos adultos a capacidade de amar e de compreender. Recém-chegada do Reino dos Céus, ela traz consigo o perfume sagrado da etapa celestial (…)»[2], refere Carlos Cardoso Aveline, no artigo "O poder das crianças".
Para o autor brasileiro, os mais pequenos são um símbolo da alma, alegre, sincera e confiante. «Ela faz acordar a criança imortal dentro de cada um. O sorriso infantil que se abre como um sol cura instantaneamente as feridas da alma»[3]. Também Omraam Aivanhov ensina que a criança, que se encontra ou se cuida, é enviada «(…) para despertar em vós algo de delicado, de poético, de espiritual….»[4].
A criança exterior é um reflexo do centro infantil que existe em cada um, a criança Interior, Imortal e Divina que se comemora no Natal, um símbolo da consciência Crística: «Uma criança de um a dois anos de idade confia em todos. Seu amor é universal. Ela sorri para qualquer um e faz amizade em um instante. Não reconhece rixas ou preconceitos e ignora disputas políticas.  Não vê separação entre pessoas nem percebe a si mesma como um ser independente»[5], explica o pensador brasileiro.
A criança é veículo de uma sensibilidade ampliada, ela tem frequentemente percepções extra-sensoriais, como a telepatia ou a clarividência, muitas vezes ignoradas e que não devem, segundo o editor de “Filosofia Esotérica”, ser reprimidas. Sabine Lichtenfelds revela, em “As pedras de sonho”, o seu vínculo natural às plantas, até aos sete anos, e aos animais, até aos 14 anos de idade, o qual era apoiado nas sociedades ancestrais. As crianças cristal e índigo de hoje são exemplos do quanto a sociedade tem a aprender com as novas gerações, mais refinadas e intuitivas. Elaine Aron esclarece que as crianças hipersensíveis preferem muitas vezes brincar sozinhas e que quanto mais brilhantes forem maior a possibilidade de serem introvertidas.
Esta aparente inadequação das crianças, a espontaneidade, descontração e despreocupação, a capacidade de brincar e imaginar podem resgatar a Humanidade, devolvendo-lhe leveza e alegria. Para aquelas que foram incompreendidas na infância têm mais tarde, ao contactar com crianças, a oportunidade de cicatrizar as feridas, «(…) passando a limpo de um ponto de vista superior os primeiros anos da nossa vida», indica Carlos Aveline, no seu livro “O poder da sabedoria”[6]. A cura acontece quando alguém recupera a capacidade de amar, a si, aos outros e a todas as crianças.
Contudo, numa sociedade que desconhece os rituais e iniciações de passagem entre as idades e obliterando a infância a preenche precocemente de stress, pressa e sobreocupação, em vez do apoio, o mais habitual é ouvir a repreensão: “não sejas criança! Que parvoíce!” – num incentivo à contenção, à repressão, à “seriedade” e à hipocrisia.

Necessidades infantis

Há mais de meio século que foram consagrados, na Declaração Universal dos Direitos da Criança, os deveres da sociedade, adultos e cuidadores perante estes novos seres humanos. Além da alimentação, vestuário, habitação, saúde e educação, também foi reconhecido o direito ao amor, à compreensão e à protecção. De referir que tradicionalmente colocava-se em cada recém-nascido um círculo (fio, pulseira ou anel) em ouro como talismã.
As crianças têm uma natureza mais receptiva e estão intrinsecamente ligadas aos pais pelo que precisam de ser protegidas do mal e de permanecer num ambiente de tranquilidade: «Os pais devem criar uma atmosfera de paz, de harmonia, ao redor dos seus filhos, mesmo enquanto eles dormem, pois as crianças são recetivas a todas as correntes que circulam à sua volta», explica Omraam Aivanhov[7].
O mesmo autor destaca a responsabilidade de todo o adulto perante qualquer criança da qual se aproxime: «É necessário, sobretudo, que eles evitem abusar da sua confiança, dar-lhes maus exemplos e conselhos perniciosos. O que uma criança vê, ouve e vive imprime-se nela para sempre»[8]. Contudo, evitar a exposição aos perigos não significa negar a vida. Para que se possam enriquecer é importante que as crianças contactem com o maior número possível de seres humanos e adquiram consciência do que se passa à sua volta.
O mais importante não é ter crianças, ocupar-se delas ou educa-las. O essencial é o amor, a atenção, o respeito e a sinceridade. A criança necessita de ser acompanhada, encorajada, sobretudo nos momentos mais críticos, de ter bons exemplos e a presença da figura paterna para além da mãe, a qual pode agir desde logo sobre o feto que traz no ventre pelos seus pensamentos e sentimentos. Elaine Aron descreve como é fundamental a criação de relações afectivas, estáveis, seguras e estimulantes para o seu são desenvolvimento e moderada auto-estima.
Como Omraam, Kahlil Gibran lembra que as crianças não são posse dos pais nem estes lhes devem incutir as suas ideias: «Os vossos filhos (…) Vêm por vosso meio mas não de vós; e apesar de estarem convosco, não vos pertencem. Podeis dar-lhes o vosso amor, mas não os vossos pensamentos: porque eles têm pensamentos próprios»[9]. Kahlil Gibran aconselha a que os progenitores os deixem voar, como setas projectadas do arco que fica, em vez de os tentar torcer ou forçar: «Podeis esforçar-vos por ser como eles; mas não tenteis fazê-los como vós»[10].
Assim, sensatamente cuidadas e devidamente respeitadas na sua essência, as crianças também têm o dever de obedecer e confiar nos adultos, ser humildes em relação aos seus conselhos e submissos quanto às suas ordens. Na “República”, Platão defende que não se deve dar liberdade às crianças até que cultivem o seu melhor e saibam governar-se.
Gabriela Oliveira defende[11] que o meio familiar é o ambiente mais adequado para responder às necessidades emocionais das crianças mais pequenas e refere, entre outros, o caso da Noruega que desincentiva o tempo de estadia na creche, onde têm de competir pela atenção de um adulto. Como referiu Victor Hugo «A criança é como a tenra planta que o hábil jardineiro ajeita a seu prazer».
Para compensar a sua falta (de qualidade), multiplicam-se campanhas e instituições, como as Aldeias de Crianças SOS, a Casa do Gaiato, a Comunidade Juvenil de S. Francisco de Assis ou a Fundação Infantil Ronald McDonald, para além da Unicef. Há dez anos foi criada no Brasil a Agência de Notícias dos Direitos da Infância e depois o Jornalista Amigo da Criança com vista a defender o universo infanto-juvenil.
Um pouco por todo o mundo, têm sido criados com vista a apoiar, proteger e cuidar das cria(nça)s, as mais diversas iniciativas, projectos e obras em múltiplas áreas, desde yoga, meditação e orações para crianças, ao mercado de trocas de brinquedos, passando pela pedagogia. A Escola da Ponte, no concelho de Santo Tirso, a Escola da Esperança, em Tamera, são exemplos de inovação pedagógica, como a Waldorf, implementada no território português, com vista a adequar a vontade de conhecer e descobrir o mundo às necessidades infantis dos novos tempos.
Aos poucos institucionaliza-se a verdadeira amizade e amor pelas crianças, a vera pedofilia; para a História fica o abuso da sua confiança e inocência. Como elucida Carlos Aveline «As crianças chegam ao mundo com seus corações puros, e se encontrarem adultos sinceros poderão fazer com que a vida colectiva melhore radicalmente em pouco tempo»[12]. 



* Anos 70 [1] In http://www.filosofiaesoterica.com/ler.php?id=142 [2] Idem [3] Idem [4] AIVANHOV, Omraam Mikhael – Pensamentos quotidianos, Edições Prosveta/Publicações Maitreya, 2013, pág. 151. [5] AVELINE, Carlos Cardoso – O poder das crianças in http://www.filosofiaesoterica.com/ler.php?id=142  [6] AVELINE, Carlos Cardoso – O poder da sabedoria, Editora Teosófica, Brasília, 3ª edição, 2001, pág. 152. [7] AIVANHOV, Omraam Mikhael – Pensamentos quotidianos, Edições Prosveta/Publicações Maitreya, 2012, pág. 26 [8] Idem. [9] GIBRAN, Kahlil – O profeta, Editora Pergaminho, 2004, pág. 40. [10] Idem, pág. 41.[11] OLIVEIRA, Gabriela – Bebés – nada se compara ao aconchego do lar in Biosofia Inverno 2009/2010, pág.7. [12] AVELINE, Carlos Cardoso – O poder da sabedoria, Editora Teosófica, Brasília, 3ª edição, 2001, pág. 152.

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