quarta-feira, 1 de maio de 2013

Labutar?



Disfuncional, o trabalho está muitas vezes associado a uma espécie de frete e é encarado com enfado. O desafio está hoje, dia do trabalhador, em recuperar a sua essência, como fonte de alegria.

Texto e fotografia Dina Cristo


O dinheiro, como necessidade ou ambição, o prestígio, estatuto ou poder social, a falta de auto-estima, de reconhecimento ou aprovação alheia, a ansiedade, impaciência ou capricho, o desequilíbrio emocional e a fuga do sofrimento, pela obtenção de um alívio imediato e superficial, são algumas das principais motivações para o trabalho. Tais causas provocam quantas vezes a obsessão, o excesso (a hiperactividade), o vício e a dependência de um trabalho sem ordem e sem limites, o "workaholic".
A ocupação da era industrial é repetitiva, rotineira, automática, rápida, sob pressa(o), sem parar nem espaço para pensar. Torna-se uma l(ab)uta, em que ora se trabalha para viver ora se vive para trabalhar, com a mão-de-obra como mercadoria, sem direitos, e onde impera a competição, a exploração (mesmo a infantil), o autoritarismo, a opressão, o controlo e a dominação externa.
É o trabalho forçado, compulsivo, bloqueado pelo interesse e expectativas, vivido com indiferença e sem afecto, por obrigação, ao nível do medo instintivo e do desejo personalísticos, controlado por finalidades imediatistas e sem lugar para a criatividade, que se torna quantas vezes numa forma de aprisionamento, escravização, numa certa castração, por um lado, ou prostituição, por outro.
Alienante e desumanizado, ele não só contrai e embrutece, como cansa, fatiga, desgasta e enerva. O trabalho assim entristece, frustra e deprime, gera resistência, preguiça e proscratinação; ele envenena, destrói e esgota, da doença até à morte. Ao roubar tempo à vida familiar e ao descanso, por exemplo, conduz a uma profunda insatisfação pessoal, (des)compensada, depois, pelos bens que o salário permite adquirir.
Este trabalho, assente no (em)prego, a serviço dos objectivos pessoais, com base na “transpiração” e no hétero-trabalho, disfuncional, onde os profissionais têm como objectivo o lucro e a especialização técnica, afasta cada vez mais a “lifeworld” e o sistema, corresponde numerologicamente ao quatro.

Amar o trabalho

A era digital traz novas possibilidades ao trabalho solidário, colaborativo, participativo, democrático e voluntário, de Graça, a uma actividade mais humana, altruísta, criativa, útil, necessária, moderada, paciente, psíquica e interior. Autores como Omraam Aivanhov defendem que o verdadeiro trabalho é espiritual, de auto-domínio, auto-aperfeiçoamento, regeneração, purificação e harmonização. Trata-se de um trabalho alquímico sobre si próprio, digerindo os resíduos emocionais e mentais e transformando a sua vida numa obra de arte. Corresponde ao sacrifício, ao santo ofício de quem está ao serviço divino, da vinda do reino de Deus à terra, à ideia da fraternidade universal, ao despertar do amor, à defesa do bem, do belo e do bom.
Este tipo de trabalho, mais invisível, é o que eleva, enobrece e dignifica, ele energiza, fortalece e reforça, realiza, satisfaz profundamente, traz alegria, esperança, entusiasmo (do dever cumprido), promove a descontração, a cura e a verdadeira libertação. Corresponde numerologicamente ao vinte e dois, ao trabalho pela família universal, como é o caso dos “peace workers” ou das Pessoas Altamente Sensíveis, que o adequam à sua motivação, vocação e ritmo mais lento.
Nele se permite o repousa, a pausa, o descanso, o relaxamento e a descontração, na Lua Vazia, por exemplo, onde encontra inspiração para a sua criatividade. De carácter mais impessoal, de unificação e religação - entre o público (homem) e privado (mulher), associando o princípio masculino e o feminino, o corpo e a alma, o lado divino e a animalesco, o fazer e o lazer, a quantidade e a qualidade, o coração e o intelecto – é uma forma de expressão e realização.
Este é o trabalho motivado já não por sentimentos de culpa, medo ou desejo, que aprisionam, mas pelo amor, que liberta, habitualmente manifestada numa obra, verdadeiramente amadora, desinteressada, atenta e sensata, em prol da comunidade. Como escreveu Kahlil Gibran «(…) todo o trabalho é vazio menos onde há amor».

Mudar de trabalho

O trabalho tem sido uma tentativa de desviar da letargia e da inércia e promover a responsabilidade e o altruísmo, um treino para cultivar a mobilidade física, a actividade mental, o sentido do colectivo e da capacidade cooperativa, lê-se em “Sete Chaves”. O livro, editado pelo CLUC, refere que, quando tais intentos forem atingidos, o tempo dedicado à causa do progresso geral, com efeito mais amplo e duradouro, passará, então, a ser mais importante que as anteriores ocupações.
Para já, uma das melhores formas de o ultrapassar é pela gratidão, como ensina Louise L. Hay, e através da dedicação e não da negligência, preguiça ou adiamento, tal como defende Óscar Quiroga. "Que ninguém negligencie o seu próprio bom trabalho em função do trabalho de outro, por melhor que este seja. Uma vez que o homem tenha identificado o seu próprio trabalho, que se dedique a ele", lê-se no Dhammapada.
Carlos Cardoso Aveline refere, em "Três caminhos para a paz interior", a importância da unidade entre o fim e os meios no Karma Yoga: "Quando você estiver fazendo uma tarefa qualquer, não pense em mais nada. Faça-a como se fosse a coisa mais sagrada que existe, e dedique sua vida inteira a ela enquanto estiver fazendo"(1). Na mesma obra o autor cita Marco Aurélio: "Pensa firmemente a cada instante em fazer o que estiver em tuas mãos com uma seriedade total e sincera, com sentimento, independência e justiça; e trata de livrar-te de todas as outras preocupações. Poderás livrar-te delas se praticares cada acção ao longo da vida como se fosse a última, evitando a negligência, a irracionalidade, a hipocrisia, o egoísmo e o inconformismo diante do que te foi destinado (...)"(2).
Apesar das políticas em sentido contrário, há hoje propostas que passam por um emprego rotativo, parcial, partilhado, (re)pousado, com menos horas, mais flexível, ou seja, menos e melhor trabalho, que integre a subjectividade, a parte excluída do todo, nomeadamente a qualidade e o coração, e que, embora com menos salário, renda mais tempo e poupança e menos desemprego para todos.
O trabalho do futuro pode, pois, vir a ser despoletado não através da carência mas pela abundância, vontade de contribuir, de partilhar, de trocar e de dar, como já acontece nos serviços do Banco do Tempo, é defendido pelo Movimento Zeitgeist e posto em prática em Tamera. Nesta nova visão, o trabalho resulta não da impulsividade, do desejo de diferenciação e de se servir dele mas da preparação, da vontade de comunicação e de estar ao serviço de todos.

(1) AVELINE,Carlos Cardoso - Três caminhos para a paz interior, Editora Teosófica, 2002, p.60/61, (2) Idem, pág.62

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