terça-feira, 23 de outubro de 2012

Rádio Clube de Moçambique V


                           
Revista Rádio Moçambique nº276 de Julho de 1959


Nesta quinta e última parte concluímos o artigo sobre RCM, cuja publicação mensal se iniciou em Maio.

Texto Dina Cristo

Ao longo da recolha, análise e leitura (do significado) dos dados, tentámos compreender até que ponto o Rádio Clube de Moçambique foi um mero instrumento de propaganda (política) ao serviço de Portugal ou se, de alguma forma, constituiu já uma vocação para a informação social. Para tal, focamo-nos sobretudo na criação da rede de Emissores Regionais (ER), através da qual é difundida a “Voz de Moçambique”, um programa destinado às populações indígenas.

Despertada em relação à relevância das línguas como meio de dominação dos povos na construção artificial de identidades nacionais bem como uma falsa identificação entre o todo e a parte , por um lado, mas também como instrumento de acção, expressão e de libertação da dominação, por outro, quisemos apurar até que ponto ela constituiu um modo de penetração ideológica ou de (re)construção de laços de solidariedade.


O estudo teve como fonte fundamental todos os números, desde o 258 ao 441, editados de Janeiro de 1958 a Novembro de 1973, da revista publicada, mensalmente, pelo Rádio Clube de Moçambique, existente na Biblioteca Nacional, em Lisboa, denominada “Rádio Moçambique”. A publicação reproduz frequentemente matérias da rádio da Metrópole, nomeadamente da Emissora Nacional - como discursos, aniversários, renovação de programas, iniciativas, como os jogos florais – possuindo várias rubricas, como a história da rádio, além da programação, entrevistas, reportagens, palestras ou discursos proferidos aos microfones da estação.


A investigação - escrita no presente histórico, de modo não adaptado ao novo acordo ortográfico e usando os termos coevos, como Metrópole, Ultramar ou Província -desenvolveu-se em quatro partes essenciais. Na primeira parte se fez uma caracterização geral da estação de Lourenço Marques, a nível histórico e de condições (materiais) existentes. Na segunda, abordámos os conteúdos e horas de programação, em termos gerais, transmitidos da sede, e particulares, dos emissores distritais. A terceira parte concentrou-se na caracterização específica da “Voz de Moçambique”, o programa dirigido às populações africanas. A quarta parte centrou-se na rádio enquanto meio propício à difusão de propaganda, para além da informação e recreação.

Conclusão


De acordo com o discurso oficial, reflectido nas páginas da “Rádio Moçambique”, o esforço (político, económico, técnico e humano) investido na cobertura de uma rede de radiodifusão, com um programa nativo, único, retransmitido em cadeia, a nível do território, tem como finalidade aliar o útil - a conveniência portuguesa, a acção educativa e civilizadora, a divulgação política - ao agradável: a vantagem para o nativo com conteúdos acessíveis e compreensíveis.


A instalação desta rede de emissores que cobre as províncias tem um objectivo duplo: valorizar o folclore e língua locais e, ao mesmo tempo, cobrir «(…) a propaganda de tão vastas e várias regiões e colocando ao alcance dos Governos um elemento que rapidamente difunda pelas mais longínquas regiões as suas iniciativas e instruções». Em 1973, por ocasião da inauguração do ER de Inhambane, Humberto Albino das Neves, presidente da Direcção, recorda que o RCM: «Não visa propósitos lucrativos; não distribui dividendos; tudo o que realiza reaplica, reinveste em melhor satisfazer as populações, no campo informativo, no recreativo, no cultural, no educativo, e no imperativo, que o domina, de cooperar na consecução dos interesses superiores da comunidade, em colaboração franca com a Administração, tanto quanto lho permitam as suas faculdades e lho consintam uma gestão saudável».


Ambas as finalidades são expressas, já em 1961, em forma de trilogia: «Colocar à disposição do Governo e das autoridades locais um meio de difusão de notícias, ordens e instruções (…)» é a primeira das intenções. «Contribuir para a elevação do nível cultural e artístico das regiões servidas, pela organização de programas locais, em que se revelem e ponham em evidência os seus valores nos campos das letras, das artes, da música e da ciência» é o segundo objectivo, recordado a propósito da inauguração do primeiro emissor, o de Nampula. «Criar uma rede de radiodifusão que permita a esses valores [locais], assim como às mais importantes manifestações da vida dessas regiões, chegarem ao conhecimento dos seus habitantes» é o terceiro fim, que funde os antecedentes, o reforço da identidade nacional e a valorização da cultura local.


De facto, entre 1958 e 1973, o Rádio Clube de Moçambique aumenta considerável, contínua e amplamente o número de horas de emissão, quer ao nível da sede, Emissor da Matola, perto da capital, quer ao nível dos Emissores Regionais - Nampula, Quelimane, Cabo Delgado, Dondo, Tete, Vila Cabral e Inhambane. Se a sua implementação e aumento de potência, ao longo de 20 anos, se faz desde o início da década de 50, é no período marcelista que se multiplica e intensifica o empenho na cobertura do território moçambicano.


O investimento realizado no âmbito do plano de radiodifusão para Moçambique espelha a confiança na capacidade de eficácia da rádio ao nível da propagação ideológica e de penetração na vida das populações, ao ponto de justificar a degradação da situação económica de uma estação, historicamente sólida.


Por outro lado, a disponibilidade de uma equipa de recolha de elementos folclóricos autóctones e de locutores nativos para falar numa das onze línguas indígenas, durante cada vez mais horas de emissão, é, na prática, uma forma de fazer chegar, identificar, compreender e aceitar mais facilmente a mensagem da causa nacional (de pacificação, civilidade, unidade e progresso) - que tem como origem a Emissora Nacional, na Metrópole, e o RCM, em Lourenço Marques.

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