Rádio Clube de Moçambique III
Nesta terceira parte concentramo-nos no programa "Voz de Moçambique", destinado às populações nativas.
Texto Dina Cristo
Em 1958, além das emissões especiais em língua francesa - nomeadamente para o Congo belga e com música e novidades portuguesas, inglesas e em afrikaans - há uma em língua indígena. Desde o dia 6 de Abril desse ano que existem três horas semanais do serviço especializado “Hora Nativa”, na língua autóctone Xirronga, onde os ouvintes do ER de Matola, são ensinados e aconselhados, em termos da vida doméstica, política, saúde e agricultura.
De carácter popular, o programa contém notícias desportivas e diversos avisos. Começa com a seguinte abertura: «Aqui, Portugal Moçambique! Fala-vos a Voz de Moçambique a transmitir nas bandas dos 60 e 90 metros onda curta, e em 245 metros, onda média. O locutor… ao iniciar o seu trabalho de hoje, cumprimenta os seus estimados ouvintes, desejando-lhes uma boa audição para o programa que vai apresentar».
Nesse ano, em que o programa possui cinco funcionários, segundo João Pinheiro, gerente geral, «Muitos milhares de indígenas possuem já o seu receptor e outros em audições colectivas escutam entusiasmados e com regularidade as emissões que o Rádio Clube de Moçambique lhes dedica todos os domingos». O aumento de audiência entre os nativos, facilitado pelos transístores, é, assim, impulsionado pela programação destinada às populações autóctones.
Em 1959, conta já sete horas e meia de emissão por semana, mas esta irá estender-se substancialmente. Se no início dos anos 60, não são atingidas as duas mil horas de emissão, o mesmo já não acontece em 1967. Contudo, é no final da década e sobretudo na de 70 que a aposta neste programa se intensifica e as emissões são desdobradas, aumentadas e expandidas a diversos dias da semana. A 20 de Janeiro de 1961 a “Hora nativa” estende-se a Cabo Delgado, num ano em que transmite em cinco línguas dos povos autóctones. Em 1962 é substituído pela “Voz de Moçambique”; as emissões passam a ser diárias e nos nove dialectos mais falados.
Em 1963, a emissão estende-se ao ER do Norte, na língua Emacua, com milhão e meio de falantes. Num propósito explicitado de “fraternal altruísmo” e feito por locutores africanos, para identificação com a vida, problemas e aspirações das populações, o programa procura distrair, instruir e contribuir para o aperfeiçoamento moral.
São rubricas do programa, além do teatro infantil, “Diga-nos o que pensa”, “Português, minha língua”, “Vamos conversar”, “Correio do emigrante”, “Os nossos campos e os nossos animais”, “O conto da semana”, “Palestra sobre a saúde”, “Programa para a mulher” («(…) com o intuito da promoção social da família»), “Conselhos breves”, a que se juntam, em 1964, relatos de futebol, “Procurando vocações”, “Programa de variedades” e “Hora do recreio” (com música, diálogos e concursos).
O programa, com as máximas de honestidade, simpatia e humor, é orientado pelo chefe da Divisão de Acção Educativa e Cultural, a 3ª Divisão dos Serviços de Acção Psicosocial - cuja maior parte dos funcionários, redactores, tradutores e locutores são de raça negra - que depois de extinta deixa a produção a cargo dos Serviços de Radiodifusão e de Cinema Educativo e Informativo, na dependência do Centro de Informação e Turismo.
As emissões têm em vista a elevação do povo. Para uma acção construtiva ajusta-se aos seus particularismos, daí estar assente sobretudo na recreação, apoiada nas suas expressões musicais, fábulas e novelística, o que gera cumplicidade e confiança entre os ouvintes: «É a sua emissora. Ensina-os a tratar dos campos, a criar os filhos, conta-lhes histórias, dá-lhes os mais variados conselhos, proporciona-lhes as músicas que amam, vive para eles enfim».
Embora comercial, o programa inclui noticiários, contos, palestras, temas religiosos, música e língua portuguesa, folclore regional e história de Moçambique. Cresce e desenvolve-se a tal ponto que em 1968 as emissões se fazem em dez dialectos locais. Nesse ano há 4 085 h em línguas nativas a partir do emissor em Lourenço Marques, 1 625 h a partir do emissor de Nampula (em Macua), 624 h dos emissores de Quelimane (em Chuabo) e 286 h a partir dos emissores de Porto Amélia (em Medo), num total de 6 620 h de transmissão em línguas nativas.
Em 1969, das onze línguas autóctones transmitidas pelos quatro emissores, Emacua, emitida do ER do Norte lidera com mais horas: 1730, embora sempre ultrapassadas pela língua portuguesa, que neste caso conta com 3725 h de programação. Em 1971, com uma média semanal de 240h de emissão, o programa tem à sua disposição o quarto e quinto andares do edifício-sede, para serviços administrativos.
Em 1972, mantém-se a liderança dos dialectos Xirronga e Xissena, com mais de duas mil horas, e, dos restantes, apenas Emacua Metho não atinge as mil horas. Nesse ano, a língua portuguesa, só nos ER de Quelimane, Nampula, Porto Amélia e Tete, totaliza 12 998 h 50 m; por seu lado, a “Voz de Moçambique”, em vários dialectos e através de todos os Centros Emissores, perfaz 15 945 h 45 m.
Ao todo são as seguintes as onze línguas moçambicanas transmitidas:
Xirronga (distrito de Lourenço Marques): 2 165 h - Distrito de Lourenço Marques e Gaza, Suazilândia e larga área da região vizinha da África do Sul durante 5h 30m nos dias de semana, com acréscimo de 2h 30m aos Sábados e Domingos, em OC e OM.
Xissena (região da Beira, parte norte de Manica e Sofala e sul da Zambézia): 2 013 h – Distrito da Beira, em OM, com o emissor de 50 kw e o de Vila Pery, e em OC, com o de 10 kw. É escutado também pelas populações ribeirinhas do Zambeze, dos distritos de Zambézia e Tete. O dialecto é ainda escutado e entendido pelos elementos da etnia “Chenwé” do distrito de Inhambane. O período de emissão é de 5h 30m.
Xinhungue (distrito de Tete): 1 830 h. Com um emissor de 25 kw, em OC, é destinado a grande parte do distrito de Tete durante 5h.
Emakua (Norte da Zambézia, distrito de Moçambique e partes de Cabo Delgado e Niassa): 1 730 h. Todo o distrito de Moçambique e parte dos distritos do Niassa e Cabo Delgado, de Segunda-Feira a Sábado, durante 4 h. Aos Domingos e feriados a duração do programa é de 8h 30m.
Etchuabo ou Xichuabo (região de Quelimane): 1 647 h. Toda a região de Quelimane em OC, com um emissor de 10 kw, bem como a maior parte da Zambézia durante 4h 30m, todos os dias.
Xichangana (distritos de Gaza e Inhambane): 1 314 h. Distritos de Lourenço Marques, Gaza e Inhambane, em complementação do programa de Xirronga, com duração de 4h 30m de Segunda a Sexta-Feira e suplemento de 2h 30m aos Sábados e Domingos.
Kiswahili (da região costeira, começando a sul da Ilha de Moçambique até Mocimboa do Rovuma e fronteira norte ao longo do rio Rovuma): 507 h 15 m. Destinado às populações dos distritos do Norte que falam esta língua. Tem larga audição na Tanzânia e até Quénia. É transmitido da Beira por um emissor de 100 kw e tem a duração de 3 h.
Xinianja (regiões de fronteira com o Malawi dos distritos de Tete, Moçambique e Niassa): 479 h 45 m. Emitido em 100 kw, durante 3 h por dia; abrange a área do distrito do Niassa e é largamente escutado no Malawi. Ouve-se em razoáveis condições no distrito de Tete.
Kiyau ou Ajáua (a maior parte do distrito de Niassa): 365 h. Dirigido, especialmente, às populações ajauas do Niassa. Utiliza-se na sua emissão o emissor de 100 kw, que assegura a audição para além-fronteiras. Passa a ocupar 3 h diárias.
Emacua Metho (regiões de Porto Amélia e Montepuez): 262 h 30 m. Às Quartas-Feiras e Domingos durante 2h 30m em Porto Amélia.
Kimakonde ou Emaconde (grande parte central de Cabo Delgado até junto à fronteira do Rovuma): 169 h. Transmitido pelo emissor de 100 kw para a região habitada pela etnia maconde. Tem muitíssimos ouvintes na Tanzânia. O programa, que vinha a ser feito a título experimental, passa a ter a duração de 3 h diariamente.
Embora com períodos dedicados à cultura regional, a grande parte das emissões é preenchida com retransmissões da sede, em cadeia, como atestam a diferença percentual entre a utilização da língua portuguesa e as línguas nativas nos ER. «Estes centros, bem como as actuais estações regionais e as que se irão instalar noutros centros populacionais, serão ligados à estação-sede por uma rede-mista, de forma a permitir que seja ouvido em toda a província o programa de carácter geral emanado de Lourenço Marques, do qual se designam as estações regionais em certos períodos do dia para darem noticiários, reportagens e programas de carácter local».
Ao contrário de Angola, com a disseminação de estações comerciais concorrentes por todo o território, devido à formação de maiores núcleos populacionais e em maior número, Moçambique adopta o modelo de uma emissora única de âmbito provincial que agrupa e estabelece a unidade, em detrimento da pulverização. O plano dos emissores regionais em rede, a funcionar em cadeia, com um serviço de produção centrado na capital é salientado aquando da inauguração, em 1972, do ER de Tete: além do seu contributo para a programação geral, o programa é comum, suplementado a espaços longos com inserções exclusivamente locais.
Em relação à emissão, «(…) os nossos emigrantes do Transval e ainda imensos grupos de nacionalidade sul-africana, escutam os programas com extraordinário agrado. A comprová-lo há arquivos repletos de copiosa correspondência, quer de nacionais radicados na África do Sul, quer de negros sul-africanos, sem falar evidentemente, nos da Província, de Norte a Sul».
Em 1963, só dos dialectos Xirronga e Xichangana, o RCM recebe, em média, 1700 cartas por mês, cujo conteúdo vai desde os discos pedidos à exposição de problemas íntimos e solicitação de informações e conselhos. Numa dessas cartas, o ouvinte Eário Matos Muchelze escreve: «(…) Na nossa casa já sabemos fazer bolos, e esperamos que nos ensinem outras coisas. Muito obrigado».
Em 1963, a “Voz de Moçambique” acolhe 26 887 pedidos de discos e 311 462 votos, no concurso do Rei da Rádio. Em 1964 o programa recebe, em média, 4 000 cartas por mês; em 1967 são 154 120, 42 520 das quais de militares e 15 600 de emigrantes. Em 1968, quando a “Voz de Moçambique” tem mais de dois mil visitantes, são 150 mil as cartas recebidas que, em 1970, ano em que o programa alcança os 3 500 visitantes, atingem as 215 mil.
De acordo com as estatísticas oficiais de 1966, existem, em Moçambique, cerca de 75 mil aparelhos de rádio licenciados, o que, tendo em conta o censo populacional de 1960, proporciona, em média, um receptor de rádio para 88 ouvintes, enquanto isso no mundo há centenas de milhões espalhados por milhares de emissoras.
Etiquetas: Dina Cristo, Rádio, Rádio Clube de Moçambique III
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