quarta-feira, 23 de maio de 2012

Rádio Clube de Moçambique I


A chegar aos 80 anos, em Julho, aproveitamos para rever um pouco da história do Rádio Clube de Moçambique, entre 1958 e 1973, com base na sua revista "Rádio Moçambique"*. Nas vésperas do Dia de África, comecemos por uma breve contextualização e caracterização (d)e recuros deste Palácio da Rádio.

Texto Dina Cristo



Em 1932 eram ouvidas, em Moçambique algumas estações estrangeiras. O interesse no radioamadorismo fez com que dois ouvintes, Augusto das Neves Gonçalves e Firmino José Sarmento, tentassem montar um posto emissor. Após a legislação reguladora dos receptores particulares, a eles se juntaram algumas empresas vendedoras dos aparelhos e Aniano Serra. A primeira reunião teve lugar no Grémio Náutico no dia 5 de Junho de 1932.

Em meados de Julho, numa reunião no Teatro Scala, é fundado o Grémio dos Radiófilos da Província de Moçambique, cujos estatutos são aprovados ainda nesse mês, no dia 23. Firmino José Sarmento é eleito presidente da Assembleia Geral. O posto, CR7AA, foi montado e, a parir do dia 18 de Março de 1933, passou a emitir com maior regularidade. Os seus primeiros técnicos foram Alberto José de Morais, Augusto das Neves Gonçalves, com a colaboração de Luís Rodrigues (CR7AD).

Em 1934 dispõe de noticiários diários e música ligeira às Segundas e Quintas-Feiras. Em 1935 abre concurso para novos locutores e em Março de 1939 muda-se para instalações, alugadas, na Rua Araújo, na capital, altura em que se inicia, na Matola, a montagem do principal centro emissor. A 29 de Julho de 1937, passa a designar-se Rádio Clube de Moçambique (RCM).

Em 1939 faz a primeira grande reportagem do exterior, aquando da visita do General Carmona Rodrigues a Moçambique, cobrindo as cerimónias, sessões e espectáculos de gala, depois enviadas para a Emissora Nacional (EN), em Lisboa. Em 1943, as 1041 emissões preenche 2 663 horas de programação, numa altura em que a estação dispunha já de um trio, de um quinteto, de uma orquestras de cordas e de uma orquestra de variedades privativa.

O 18º aniversário da estação, em 1951, é comemorado nos novos estúdios, o luxuoso Palácio da Rádio, um edifício com sete pisos, com estúdios-salões e um restaurante privativo. Em 1957, a sede recebe mais de 20 mil visitantes, a grande maioria estrangeiros; em 1959 são 35.841 os que a visitam. A sua discoteca possui, em 1958, mais de 50 mil discos, atingindo, em 1970, os 120 mil.

Funcionam com a estação emissora várias orquestras - de concerto, sexteto, octecto, ligeira, e coro feminino, sendo privativas as orquestras de salão, de variedades e típica. Mais tarde, o RCM coloca em funcionamento um Centro de Preparação de Intérpretes de Teatro Radiofónico e um Centro de Preparação de Cançonetistas.

Em 1958, quando comemora 25 anos de existência, o RCM - uma instituição particular de utilidade pública, que também foi criada por colonos, como referiu o Vice-Presidente da Direcção da Associação dos Velhos Colonos - é já um símbolo e síntese da vida de Moçambique, um dos maiores, mais respeitados e ouvidos elementos de radiodifusão, segundo António Eça de Queirós, Director da EN. A estação recebe o grau de Oficial da Ordem Militar de Cristo e, entre outras, a Medalha de Ouro de Serviços Distintos da Câmara Municipal de Lourenço Marques, pelo «(…) trabalho magnífico de divulgação e propaganda (…)».

Em termos de estrutura, a seguir aos órgãos superiores (a Assembleia Geral e o Conselho Fiscal) surge a Direcção (que compreende um Presidente, Vice-Presidente e vários Vogais), logo seguida da Gerência, órgão coordenador dos diferentes serviços, sob a sua dependência: Serviços Centrais (onde se inclui as Informações e Propaganda); de Contabilidade; de Produção (que inclui os noticiários); de Rifa e Competições e os Serviços Técnicos (onde estão inseridos os exteriores). Cada uma destas cinco Divisões tem um chefe que superintende as diversas secções e as liga à Gerência.

A 5 de Julho de 1973, Augusto das Neves Gonçalves é substituído, na Presidência da Direcção do RCM, por Humberto Albino das Neves, Director das Alfândegas de Moçambique, numa altura em que se comemoram os 40 anos de existência (com uma exposição histórico-iconográfica na Sociedade de Estudos, que integra oito painéis), os mesmos do seu fundador à frente da emissora, ora como Gerente-Geral ora como Director e depois como Presidente da Direcção, retirando-se, às vésperas do 25 de Abril, tendo sido, então, proclamado Sócio-Honorário.

Entre 1958 e 1973, têm expansão o transístor, que permite, com pequenas pilhas, cerca de 450h de audição autónoma - os portáteis que acompanham os ouvintes enquanto se deslocavam: «É tão vulgar encontrar-se nestes nossos dias uma pessoa transportando consigo um aparelho de rádio, de transístores, para ouvir o programa da sua emissora enquanto trabalha, passeia, descansa ou, até, conversa com amigos, familiares ou conhecidos, que não deve haver praticamente ninguém que não conheça essas pequenas maravilhas desta época em que vivemos».

Os magnetofones, gravadores portáteis, cujo aparecimento deu origem à Federação Internacional dos Caçadores de Som, com sede em Bruxelas; a Frequência Modulada (FM), livre de interferências e os auto-rádios, isentos de taxa de radiodifusão são algumas das maravilhas técnicas do período em estudo.

A partir de 18 de Março de 1963, Lourenço Marques é a terceira zona do mundo a estabelecer emissões estereofónicas, de alta-fidelidade, aplicado nomeadamente ao teatro, com audições públicas devido ao reduzido número de ouvintes com receptores estereofónicos em 1964, ano em que, em média, se transmite dez discos estereofónicos no programa C.

Em 1972, no Centro de Lourenço Marques funcionam 20 emissores, com uma potência total de 525 kw; no Centro Beira/Dondo, sua extensão, possui sete emissores com 215 kw e nos Emissores Regionais de Quelimane, Nampula e Porto Amélia 16 emissores num total de mais de 280 kw.

Depois de 1974, o RCM defende abertamente a independência, passa a designar-se por Rádio Moçambique, sob os auspícios da FRELIMO, integra a Rádio Pax e a Rádio do Aero Clube da Beira (que em 1958 transmie habitualmente entre as 11.30 e as 22h) intensifica o uso das línguas nativas e expande ainda mais a cobertura às províncias e distritos, como relata Eduardo Namburete.

Colaboram com a estação nomes como Luís Pereira de Sousa (correspondente em Lisboa), que entrevista, por exemplo, o jornalísta de rádio crítico, Luís Filipe Costa; Carlos Pinto Coelho, que participa no “Jornal da Noite”, ou António Luís Rafael. Locutor de primeira classe e quadro do RCM desde 1963, é enviado especial a Lisboa aquando da doença do Presidente do Conselho, Oliveira Salazar; entrevista Edmond T.S. Brown, presidente do consórcio Zamco, a quem foi adjudicada a construção da barragem de Cabora-Bassa e, em 1969, entrevista o Governador-Geral de Moçambique, Balthazar Rebello de Sousa, sucessor do almirante Sarmento Rodrigues, está entre os 565 funcionários que a emissora detém a 18 de Março de 1973, alguns caricaturados nas páginas da sua revista.

Ao longo dos anos 50 e 60, o Rádio Clube de Moçambique apresenta o seguinte índice de desenvolvimento : «Considerando como 100 o valor correspondente ao ano de 1935, desenha-se a seguinte curva: 85 (1940), 91 (1945), 535 (1950), 691 (1955), 777 (1960), 1056 (1965) e 2204 (1968)».

Em termos financeiros, a estação apresenta, continuamente, uma situação desafogada, o que lhe permite investir 140 mil contos em instalações em (vias de) funcionamento, em 1970, totalizando, em 1972, os 160 mil contos. Segundo o relatório da Direcção referente ao exercício de 1969, o saldo positivo da conta é distribuído 5% para o Fundo de Reserva, 5% para o Fundo de Renovação e 90% para o Fundo de Melhoramentos.

Em 1970 o RCM é, segundo Virgílio Rodrigues, uma emissora financeiramente sólida, mas passados dois anos, pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, o RCM apresenta, um saldo negativo de 1 776 907$77, mesmo após a criação do programa D, com objectivos comerciais. São apontadas como principais causas a desvalorização do Rand, a redução da receita dos juros e da publicidade comercial bem como o aumento de encargos com a exploração e administração dos novos investimentos realizados.

Além do Centro Emissor e Centro de Comando do Dondo, Central Técnica e Estúdios da Beira, Centro Cultural e a instituição da Caixa de Pensões, no final do Estado Novo, intensifica-se, já no Marcelismo, o investimento nos ER o que, embora muitos dos equipamentos sejam construídos nos próprios laboratórios e oficinas do RCM, implica um grande esforço financeiro e humano, em consequência do alargamento dos tempos de emissão, com aumento das despesas em colaboradores e horas extraordinárias.

* Fotografia: capa da revista "Rádio Moçambique", nº 259, de Fevereiro de 1958.

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