quarta-feira, 21 de março de 2012

Rádiotelefonia de sessenta IX




"Revista Rádio & Televisão" 22/08/1959, p.10

Neste último artigo contemplamos os postos particulares, as inovações técnicas, de programação, algumas estações e programas marcantes.

Texto Dina Cristo

Foi nos anos 60 que se iniciaram, em Portugal, as emissões estereofónicas e se generalizou a utilização da Frequência Modulada (FM), inovações técnicas que permitiram alterar programas, públicos e a própria maneira de fazer rádio.

“O som estereofónico prestou provas que merecem uma acolhida entusiástica por parte dos ouvintes”, afirmava, em 1961, Máximo Esteves, director da Rádio Peninsular de Madrid(1). Em Portugal, as emissões em estereofonia do RCP (através do emissor de FM, de Lisboa) e da EN iniciam-se em 1968.

A instalação da rede de modelação de frequência que inundou o continente nacional repartiu-se pelas três principais estações, o RCP, a RR e a EN. O Rádio Clube Português realizou, nos anos 60, a radiodifusão por FM, iniciada na década anterior. O RCP colocou em funcionamento, em 1963, o novo emissor de FM de Lisboa, assegurando o funcionamento dos emissores de Monchique, Valongo, Lousã e Mendro, no Alentejo, seguindo-se-lhes, em 1967, Bornes e Guarda. A Rádio Renascença iniciou a montagem da rede em 1964, com a entrada em funcionamento do primeiro emissor de FM, em Monsanto.

A utilização do transístor, por exemplo, veio revolucionar os hábitos dos ouvintes. Mais pequeno e a um preço mais económico, permitiu um maior acesso do público à rádio, que diversificava os locais de audição, introduzia uma nova dimensão intimista à escuta radiofónica e provocava uma apropriação renovada por parte dos jovens.

Programas inovadores

O surgimento, em 1965, do “Em Órbita”, no Rádio Clube Português, foi um reflexo do fluxo de mudanças então em curso, a nível (inter)nacional, provocando significativos índices de audiência, avaliados pela correspondência e pela venda de discos que o programa transmitia. Emitido em FM, o programa inovava em forma e conteúdo, ao preparar previamente tudo o que iria ser dito ao microfone, apenas por uma pessoa, e divulgando música desconhecida em Portugal. “De repente, no meio da pacata paisagem do nacional cançonetismo, que o regime se entretinha a cantarolar, ouviam-se os Beatles, o Jimy Hendrx, os Rolling Stones, o Leonard Cohen, a geração do Woodstock, das guitarras eléctricas, dos poemas de protesto. O mundo em mudança chegava assim pela rádio todos os dias ao fim da tarde”(2).

O Rádio Clube Português foi ainda o pioneiro nos horários nocturnos na rádio portuguesa, primeiro, com o programa “Meia-Noite”, emitido entre as zero e as três horas da manhã, e depois com o “Sintonia 63” que, naquele ano, ao ser transmitido entre as três e as seis horas da manhã, tornou possível a emissão de 24 horas ininterruptas.

A “Página Um”, da Rádio Renascença, nascida a 2 de Janeiro de 1968, constituiu a primeira audição do que, de ora em diante, se tornaria o símbolo-resistência da rádio portuguesa ao regime, chegando a emitir discos censurados. Ao longo dos anos 60, a rádio nacional, ao ultrapassar os 25 anos, atingiu a idade adulta: em 1960, a EN completou 25 anos; em 1961 já o RCP festejava os seus 30 anos, e, em 1962, foi a vez da Rádio Renascença comemorar o seu quarto de século – mas veria falecer alguns dos seus progenitores.

Finados de fundadores

A revista “Rádio & Televisão” (R&T) relatava assim, em 1961, a morte de Jorge Botelho Moniz, co-fundador do RCP: «Morreu em Lisboa um verdadeiro “homem da Rádio” (…) A ele se deve o Rádio Clube Português (…) Mas Botelho Moniz foi compreendido. O seu exemplo perdurará. Logo que se soube da sua morte, a urna foi rodeada – e manteve-se assim pela madrugada fora – de velhos amigos e camaradas, dos homens da nossa Rádio oficial e particular”(3). Alberto Lima Basto, co-fundador do RCP, viria a falecer em 1968.

Monsenhor Lopes da Cruz, o edificador da Emissora Católica Portuguesa, desapareceu em 1969: “Foi durante a Missa do aniversário das Novidades, em 15 de Dezembro de 1968, que Monsenhor Lopes da Cruz teve o primeiro rebate da doença que havia de vitimá-lo. Dias depois diagnosticava-se o mal implacável que logo aconselhou uma intervenção cirúrgica. Internado no Instituto Português de Oncologia, ali seria operado no dia 7 de Janeiro de 1969. (…) Sucederam-se meses de sofrimento, suportado sempre com edificante resignação. Até que se deu o seu encontro definitivo com Deus, falecendo às 22 horas de 9 de Junho. O corpo foi transladado para a Basílica dos Mártires e o funeral realizou-se, no dia 11, de Lisboa para o cemitério de Faria, Barcelos. Toda a Imprensa Portuguesa, a Rádio e a Televisão prestaram digna homenagem à memória do ilustre sacerdote e realçaram os vários aspectos da sua obra de apóstolo, principalmente no domínio dos Meios de Comunicação Social”(4).

Rádios insulares

Nas ilhas adjacentes, o regime deu especial atenção à rádio açoriana: “Dados os perigos que comportava um prolongado contacto das populações insulares com as forças estrangeiras aí estacionadas, impôs-se a necessidade de montar uma estação emissora que, no mínimo, limitasse os efeitos dessa convivência e, por outro lado, justificasse e propagandeasse, de modo permanente, a integralidade do território nacional, bem como a política de neutralidade de Salazar, permanentemente colocada em causa por estações estrangeiras”(5).

Nos Açores, em 1964, entraram em funcionamento dois emissores de OM, de 1 kw cada, e um emissor de FM, de 0,2 kw, não sendo, no entanto, coberto o território na íntegra. Em 1962, o Emissor Regional dos Açores (ERA) emitia nove horas diárias, distribuídas por três períodos de emissão; transmitia programas dedicados aos militares açorianos, em Ultramar, perfazendo em 1968, 4382 horas, 832 gravações, 208 das quais em exteriores(6).

Ao longo da década, o ERA revelou-se de capital importância para a informação e orientação das populações, aquando de dois acidentes naturais, o primeiro dos quais foi o vulcão dos Capelinhos, em 1958, que significou “(…) um ponto alto na informação da estação, fazendo-a transmitir para todo o país e desenvolvendo um serviço público de informação às populações sinistradas”(7). Em 1964, ocorreu um novo sismo, em S. Jorge, cujas informações do ERA, em colaboração com as autoridades, se revelaram importantes para orientar e aconselhar a população.

Em Outubro de 1967, o Emissor Regional da Madeira da EN iniciou, com 1kw e para um terço do território, a retransmissão de quatro horas da emissão nacional, um espaço que, até ao final da década, não se autonomizaria.

Emissores regionais

Por seu lado, os Emissores Associados de Lisboa (EAL), bem como os Emissores do Norte Reunidos (ENR) destacaram-se enquanto rádios mais populares, cumprindo algumas delas um papel de algum afrontamento ao “status quo” e inovação da programação. Na sua primeira crónica depois do 25 de Abril, Natália Rego, crítica de rádio, elogiou a “Alfabeta”: «Reconhecemos o esforço da maior parte dos jovens de “Alfabeta” para a conquista, ainda tímida, de liberdade de expressão e juízos de valor»(8).

Tratava-se de uma estação que produziu um êxito, “1-8-0” (vencedor ex-aequo do Prémio Imprensa, em 1969) e que emitia na Rádio Peninsular, uma das constituintes dos EAL, à qual se juntavam o Clube Radiofónico de Portugal, a Rádio Voz de Lisboa e a Rádio Graça – independentes, mas a trabalhar com os mesmos emissores: um de 1 kw e outro de 10 kw, para a OM, e o terceiro de 1 kw, para o FM. No Norte, os ENR eram constituídos pela Electro-Mecânica, o Rádio Clube do Norte, a Ideal Rádio e a Orsec.

No resto do país, para além das emissoras regionais, como a Rádio Ribatejo, existiam também as chamadas “rádio-fantasma”, estações modestas e quase desconhecidas como a Rádio Oceano – Posto Emissor dos Marinheiros (na Serra do Caramulo), Estação C.S.B.23, que emitiu “de e para doentes da Estância Sanatorial do Caramulo”(9); a Rádio Pólo Norte – Estação C.S.B.20, Emissora das Beiras, que transmitiu diariamente, entre as 10 e as 19 horas. Em Setembro de 1967, recebia, em média, mais de mil cartas por mês e cerca de quatro mil pedidos e dedicatórias de discos; a Rádio Alto-Douro, da Régua – Estação C.S.B.33, possuía 4h 30m de programação, tendo recebido, em 1966, em “Cartas do Ultramar”, 6324 aerogramas com mensagens de soldados e de 385 madrinhas de guerra(10).

(1)R&T 11/11/1961, pág.17. (2) Alexandra Lucas Coelho - RDP 01/04/1997. (3) “R&T” 05/08/1961, pág.3. (4) “Para a história da Rádio Renascença”, pág.99/100. (5) Op. Cit., pág. 49. (6) Idem, pág.52. (7) Idem, pág.51. (8) R&T 04/05/1974, pág.27. (9) R&T 16/12/1967. (10)Idem, 07/10/1967, pág.11.

Etiquetas: , , ,