Rádiotelefonia de sessenta VIII
Nesta oitava parte, abordamos a propaganda em Ultramar, como a acção psicossocial em Moçambique e na Guiné.
Texto e fotografia Dina Cristo
Em Moçambique, quer o Rádio Clube (RCM), de carácter privado, quer a Voz de Moçambique, estatal, realizavam acção propagandística em prol do regime português. Estas emissoras tinham por objectivo difundir os valores e culturas portuguesas, incutindo a ideia da justiça do domínio português: «Decorrente da própria política do Governo colonial português, o RCM inculcava nos colonos a concepção de que os sistemas de opressão eram livres e os movimentos de libertação nacional eram formados por “terroristas” a “soldo do comunismo”»(1).
O Serviço de Acção Psicossocial, responsável pela “Hora Nativa”, um programa do Rádio Clube de Moçambique, afirmava: “O simples facto de os nossos conselhos e sugestões estarem a ser transmitidos por uma voz autorizada que contacta as pessoas nas suas próprias línguas é, para os mais atrasados, uma garantia de autenticidade, omnisciência e infalibilidade. Tal como aquele que aprendeu o alfabeto acredita na voz que lhe fala, através do ar, na sua própria língua (…)”(2). O objectivo era “procurarmos formas de combater teorias desagregadoras, e a propaganda capciosa vinda do exterior e do interior (…)”(3).
O relatório preliminar do Rádio Clube confirmava, em 1977, o papel do RCM, após o início do conflito armado: «Foi criada a rede dos emissores regionais e surgiram programas dedicados às Forças Armadas Portuguesas e outros que se destinavam a vincular posições colonialistas como as “Notas do Dia” dos noticiários orientados por entidades ligadas à chamada “Acção Psicossocial”»(4).
A Voz de Moçambique, constituída logo após o início da guerra, visava despersonalizar os africanos: “Nesse sentido a Voz de Moçambique foi encarregada da tarefa de combater ideologicamente a FRELIMO para o que era dedicada a parte mais importante da sua programação”(5). Como estratégia para evitar a audição do programa dos movimentos de libertação e outras emissões estrangeiras inimigas, o Governo elevou dez vezes o imposto mínimo sobre os aparelhos de ondas curtas, em Moçambique.
Guiné
Na Guiné, a (contra)propaganda dominava. A Emissora da Guiné Portuguesa promovia as suas ideias de colonização, através da informação sobre inaugurações ou como na emissão de 14 de Junho de 1959, afirmando a positividade nacional: “Dizem que os portugueses vieram aqui para nos dividir. Mas, dividir quem, se não há divisão entre nós? Antes de os portugueses aqui chegarem é que nós estávamos divididos. Noutros pontos de África, as tribos não se entendem umas com as outras. Aqui na Guiné portuguesa há milhentas tribos e todas se entendem umas com as outras, não há guerra entre elas, todas vivem e trabalham em paz. Vê-se bem que essas Emissoras não conhecem a nossa história nem a própria história da sua terra (…)”(6).
Por seu lado, a Rádio Conakry tentava estimular a população negra incentivando-a a libertar-se: “O Português é que dividiu, pega e entrega-te um bilhete de identidade e diz-te: tu és civilizado e aquele é gentio, e tu vás logo tratá-lo por tal, mas ele é teu irmão é como tu é preto como tu e ainda vais fazê-lo sofrer, e acham que isto é bonito? Irmãos da Guiné Portuguesa vocês precisam abrir os olhos, precisam ver o que estão fazendo, nós somos todos a mesma coisa, todos os outros são vossos irmãos, não acredites na colonização portuguesa, pois ela só nos divide, para poderem reinar mais, para reinarem mais tempo, porque se não nos dividirem e nós nos unirmos ela não reinará mais, porque teremos a nossa união e estaremos na mesma “PALAVRA”, mas para que continue a reinar ela vai-nos dividindo, eu vos peço para fazerem uma união, mandinga, fula, balanta, manjaço, papel, todas as raças da Guiné Portuguesa, pretos, devem unir-se. Vocês que dizem sou civilizado, vocês mesmo é que dizem, serem civilizados, então pode-se nascer civilizado, civilizado não há, nós todos somos civilizados, somos todos iguais”.
Ultramar
Num relatório dos anos 60, sobre a rádio e o Império pode verificar-se o desejo de investir na cobertura das colónias: “Dada a actual orgânica, a Emissora Nacional só tem à sua conta as emissões originárias da Metrópole e nesse campo tem vindo a fazer um grande esforço financeiro para aumentar a potência e o número dos seus emissores de ondas curtas, para poder utilizar várias frequências simultâneas e para dotar os seus programas dum serviço de noticiários e de reportagens que permita aos ouvintes ultramarinos estar a par dos grandes acontecimentos do país.
Por outro lado, tem sido cada vez maior o número de programas da Emissora Nacional gravados em bobines e enviados por via aérea para as Províncias Ultramarinas, a fim de alimentarem, com trechos de bom nível que não pode ser atingido ali, os programas das emissões locais. Estas retransmitem-nos e dão assim a conhecer aos radiouvintes ultramarinos, poucos dias depois de ouvidos no continente, as melhores produções metropolitanas”(7).
Em outro relatório de 1966, assinado pelo então presidente da Direcção da EN é especificada a importância estratégica das emissoras ultramarinas. “(…) na guerra psicológica e subversiva que nos é movida, talvez seja mais vantajoso ter menos um avião de combate mas possuir uma boa cobertura radiofónica, a trabalhar de acordo com a acção das forças armadas”(8). O documento terminou abrindo as portas da EN para estágios de especialização “(…) não só nas matérias gerais da programação, como também naquelas matérias mais específicas da propaganda e contra-propaganda que há anos vêm sendo ensaiadas nos nossos programas para o estrangeiro em diversas línguas”(9).
(1) “Relatório Preliminar da Rádio Moçambique”, pág.1. (2) “Província de Moçambique”. Lourenço Marques, Março 1962, citado em “O fim de uma era: o colonialismo português em África, pág.199. (3) Idem, ibidem. (4) Op.Cit, pág. 1. (5) Idem, pág.2. (6) AOS/CO/UL – 35 pasta 2 14/06/1959. (7) AOS/COPC 81 B (8) AOS/CO/PC 26, pág.13. (9) AOS/CO/PC 26, pág.17.
Etiquetas: Dina Cristo, Ensaio, Rádiotelefonia de sessenta VIII
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