Fadista romântico
Dentro de um mês deverá ser lançado, em Peniche, o seu primeiro CD a solo. Chama-se “12 fados e uma canção”, é uma homenagem ao fado castiço e um hino ao amor.
Texto e fotografia Dina Cristo
A Associação Recreativa Penichense deverá ser o palco de lançamento do primeiro CD de Emanuel Soares, filho da terra, que conseguiu “levar o barco a bom porto” e ancorar nos estúdios António Bizarro onde acaba de gravar, acompanhado à guitarra portuguesa por Rudolfo Godinho, à viola por Francisco do Carmo e à viola-baixo por António Oliveira.
Trata-se de um disco compacto com temas maioritariamente tradicionais, como “Feira da ladra”, e alguns fados musicados, como “Roseira botão de gente”, – imortalizados por diversos fadistas, entre os quais Fernando Maurício, Alfredo Marceneiro. Todos os 13 temas são fruto da sua vontade e decisão autónoma, sempre que se sentiu suficientemente “enroupado”.
O disco abre com “É tão bom ser pequenino”, o seu fado de estreia e que o tem acompanhado nas diversas noites de fado, e termina como uma onda, uma canção cantada em espanhol. No meio fala-nos da “Feira da ladra”, da “Senhora do livramento”, da “Caravela da saudade”, da “Maria Lisboa”, da “Mansarda” e, num oceano de amor, da “Chuva”, do “Aniversário”, do “Jogo da sedução” e da “Incerteza”.
(A)mar o fado
Emanuel Soares, 40 anos, irmão de fadista, desde pequeno que ouve e canta fado. Primeiro em privado, depois nas festas em família e entre amigos. Durante quase uma década aprende a comunicar com o público, quando ainda adolescente começa a apresentar espectáculos, incluindo vários fadistas. A coragem para cantar publicamente e com acompanhamento veio apenas quando foi desafiado pelos colegas, já em Torres Vedras. Desde aí não mais parou. Sobretudo nas Caldas da Rainha as actuações multiplicaram-se e estenderam-se até às casas de fado nos bairros da capital portuguesa.
Mais recentemente a experiência de ser a voz masculina do projecto Abrilfadoatlântico, que se dedica à trilogia tango (Argentino) - morninhas (Brasileiras) - fado (Português), com meses de actuações diárias, e de viver alguns anos na Corunha, fê-lo sentir, em definitivo, o chamamento para o fado e a vocação para cantar o sentimento amoroso e a típica saudade portuguesa.
Dedica-se, nos seus tempos livres, à pesquisa de repertório tradicional, do chamado fado castiço, e tem como referências Amália Rodrigues, Ana Moura, Camané, Carlos Zel, Carminho, Cecília do Carmo, Kátia Guerreiro, João Ferreira Rosa, Maria Teresa Noronha, Pedro Moutinho, Ricardo Ribeiro, na voz, e Jorge Fernando,José Luís Gordo ou Mário Rainho, nos versos. Sedu-lo a sintonia entre fadista, público e músicos, quando “todos estão para o mesmo” e se atinge a comunhão, através de um silêncio precioso, onde só a voz fadista ousa penetrar - altura em que o fado acontece.
Com este CD, Emanuel Soares conta encetar uma nova etapa da sua “viagem pelo fado”, ir um pouco às suas raízes, cantá-lo sempre à sua maneira e deixar o seu toque pessoal. Apesar de bastante alegre, enérgico e comunicativo, encontra na expressão fadista o seu verdadeiro ser, mais calmo e tranquilo, quando interpreta a genuina identidade portuguesa e consegue, ao mesmo tempo, atingir o íntimo de cada um. Entre as figuras que classicamente estiveram ligadas à vida fadista - o vadio, o fidalgo e o marinheiro - identifica-se mais com o último ou não fosse filho de homem do mar e naural de uma península.
Como se lê em At-Tambur, «O fado não é apenas uma canção acompanhada à guitarra. É a própria alma do povo português. Ouvindo as palavras de cada fado pode sentir-se a presença do mar, a vida dos marinheiros e pescadores, as ruelas e becos de Lisboa, as despedidas, o infortúnio e a saudade. A grande companheira do fado é a guitarra portuguesa. Juntos, fado e guitarra, contam a essência de uma história ligada ao mar».
Destino fatal
O fado tem origens remotas. Está marcado pelos phatos das tragédias clássicas helénicas, pelas cantigas de amigo, amor, sátira, escárnio e mal-dizer, dos trovadores e jograis medievais, e pelo canto árabe (na Mouraria). Mas não só. Da sua história fazem parte as modinhas e o lundum afro-brasileiro, cuja fusão e introdução em Portugal se deve a Domingos Caldas Barbosa, no final do séc.XVIII.
O início do séc. XIX fica marcado pelo retorno da corte portuguesa do Brasil, após a desocupação francesa, os marinheiros que importam tais influências, e a introdução do cistro em Portugal, pela colónia britânica no Porto. O romantismo do século XIX havia de propiciar ainda a adesão à música cheia de «ais e suspiros» e as guerras civis da mesma centúria o estímulo à poesia dos bairros populares.
É assim que se desenvolve, após 1840, a primeira fase do fado, marcadamente ligada ao povo, à improvisação, à vadiagem, a uma vida amargurada e poesia humilde. Foi seu expoente máximo a Severa. Ficará conhecido como fado clássico, dos bairros populares de Lisboa. No último quartel do séc. XIX passa a ter mais notoriedade. É introduzido o piano, as letras de homens mais cultos e letrados e ascende aos salões palacianos, onde é ouvido pelas senhoras da elite social. Entra na sua fase aristocrática e fidalga.
No século XX, com o cinema, a rádio e o teatro de revista, o fado atinge uma difusão massiva. Censurado e licenciado torna-se controlado e objecto de uma espécie de indústria cultural com as suas estrelas de eleição. Aparece a primeira fadista internacional, Ercília Costa, o fado adquire um elevado estatuto social e atinge, nos anos 30 e 40, um período de ouro. Associado ao “Estado Novo”, após o seu derrube, cai em desgraça, nos anos 70 e 80.
Moda fadista
No início do século XXI o velho fatum, o destino, a melancolia, a saudade, as emoções profundas do povo português, voltam, renovadas, a serem choradas pelas guitarras e cantadas por homens e mulheres que o público aplaude com o seu tão raro silêncio.
O fado expressa a alma aprisionada de um povo que através dele comunica ao mundo as suas profundas angústias e sentimentos de dor. Além de uma vida tradicional (os bairros, a guitarra, o rio, o mar), o fado expõe os lamentos do coração, das perdas, desgostos, sofrimentos e (des)ilusões.
De um movimento inicialmente herético, nascido em tascas, tabernas e vielas, na voz de rufias e rameiras, o fado fundiu o popular (rural) com o erudito (citadino) e é hoje uma instituição nacional, que represente a identidade colectiva, nos top de vendas. Neste século XXI foi já objecto de colóquio internacional, roteiro, vários festivais, e rádios especializadas.
Tem sido recuperado desde há duas décadas com novas roupagens, instrumentos, vozes, posturas e reconhecimento internacional. O sucesso de Mariza, dos “Deolinda”, dos “Amália Hoje” ou do filme “Amália” são exemplos da redescoberta da canção urbana lisboeta e uma revalorização do mais lento, genuíno e tradicional, tal como reportado por Carl Honoré.
Etiquetas: Dina Cristo, Fadista romântico, Música
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