quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Vi(d)a rápida?

Perto do atraso de uma hora, na madrugada de Domingo, reflectimos sobre o “vírus” da pressa, que nos põe à mercê dos ponteiros do relógio, cinco anos depois do primeiro dia nacional nos EUA pela diminuição das horas de trabalho e a defesa de mais tempo livre para o lazer.

Texto e fotografia Dina Cristo

Quem, hoje, não está ocupado? Poucos. E quem não está por vezes parece estar. Estar ocupado tornou-se uma espécie de estatuto social elevado: quanto mais atarefado mais importante se parece ser. Parar, fazer uma pausa, estar disponível parece ter sido relegado para o mundo dos fracos e indigentes. Mais do que isso, os humanos são de tal forma “elevados” que correm e vivem continuamente apressados, para aqui e para ali, fazendo isto e aquilo, atarefados entre um compromisso e outro, entre uma e outra chamada telefónica, @mail, e os mais afazeres que a tecnologia nos possibilitou.

«Na maioria da humanidade», escreveu Max Heindel, «existe tal preponderância de egoísmo e um desejo tão veemente de tirar o maior partido possível da vida física, que os seres humanos se encontram sempre ocupados, seja em manter o “lobo fora da porta”, seja acumulando posses e cuidando delas. Daí que tenham pouco tempo ou inclinação para se ocuparem com a cultura da alma, tão necessária para o verdadeiro êxito da vida»[1].
Para além das nossas actividades, sempre “importantes” e quase sempre urgentes, homens e mulheres esforçam-se por ser os primeiros: na escola, no trabalho, na estrada. Chegar primeiro é ser “mais” do que os outros e acrescenta ainda uma sensação de mais “poder”. É, assim, que muitas vezes já não corremos mas “voamos”, e algumas vezes nos estatelamos. Nesta correria, esquecemo-nos de que estar ocupado é estar preso, como explica Luís Martins Simões, é não deixar vago o lugar para tudo o que o agora nos pode presentear, e de que os últimos são os primeiros.
Embora os lamentos acerca da falta de tempo sejam habituais, o horror à pausa (como ao silêncio ou ao espaço vazio) parece ser ainda maior. E assim ocupamos excessivamente os tempos livres (talvez a mesma disfunção que leva a condicionar o ar) tentando encaixar numa vida, numa década ou, de preferência, num ano, quem sabe numas férias, todas as experiências possíveis. Para poder viver e fazer tudo só aumentando o ritmo. E foi o que fizémos: tudo, cada vez mais rápido. Fotografias num minuto, consertos rápidos, “conversas” de 30 segundos, crescimento intensificado (mesmo de crianças), canções concentradas num refrão.
Infectados pelo vírus da pressa, contagiamo-nos e de aguda tornou-se em doença crónica. A preocupação em gerir o tempo de forma eficaz gerou o aparecimento de gurus que nos aconselham a poupar tempo ao segundo. Só que a contabilização cada vez mais precisa do tempo torna-nos autênticos neuróticos, numa relação com o tempo patológica, perigosa e disfuncional.
Há mesmo quem sonhe em travar o tempo e o “anuncie” como marca do seu serviço e até bancos do tempo, onde as actividades são gratificadas consoante as horas dispendidas e não segundo o valor de mercado de cada serviço. Em Portugal existem agências desde 2002. Pagamos o trabalho com aquilo que, em cada época tem, para nós, mais valor. Se outrora fora o sal (daí o salário) e hoje é o dinheiro, quem sabe se no futuro vai ser o tempo a retribuição do exercício profissional.
Mas o tempo não tem todo o mesmo valor. O mundo, que se tornou num gigantesco centro mundial sempre acessível, potenciado com a internet, dá-nos essa ilusão. Quase tudo está a qualquer hora ao nosso alcance. Em Portugal a “revolução” começou com a abertura dos hipermercados ao Domingo e não mais parou. Fazem-se compras indiscriminadamente, de dia e de noite, à semana e ao fim-de-semana, durante a hora do almoço ou do jantar, nos dias profanos ou sagrados. Sempre as festas (diárias) das novas aquisições.
Desrespeitámos as tradições, os ritmos naturais e passámos a ter tudo sempre. É o caso da fruta que, congelada e vinda de vários países, temos durante todo o ano, a luz artificial que nos permite fazer da noite dia e trabalhar como se houvesse luz do sol. Mas, recorda Carl Honoré[1], a natureza tem os seus próprios horários e há uma altura certa para tudo. O Sábado, por exemplo, é um dia consagrado ao descanso (de onde vem a dispensa sabática) e não ao trabalho, muitas vezes duro, como se vê por quase todo o lado.
Desafiámos também os nossos próprios limites, até a (e à) morte. Quando aceleramos em excesso colocamos a vida em perigo, corremos o risco, na estrada, no trabalho (onde se verificam vários óbitos devido ao excesso de actividade) e na vida, com todo o desgaste orgânico gerado pelo stress continuado e de cuja tensão resultam inúmeras doenças. Radicalizamos, mesmo no desporto.

Devagar que tenho pressa

Queremos ser tão despachados por fora, que acabamos empachosos por dentro. Como, entre tanta pressa, sem tempo para “intervalo” – quantas vezes mesmo o natural e vital sono – havemos de assimilar e digerir tanta “comunicação”, experiências e “novidades”? Como, sem reflexão, atingiremos a consciência? Como, à força de assumirmos ritmos e horários apostados no trabalho sem tempo para a vida – incluindo o tão sonhado tempo para nós próprios e as coisas (às vezes mais simples) que nos alimentam a alma e nos devolvem a felicidade e alegria – não nos desumanizamos?
Haverá forma de nos protegermos desta doença do tempo, a necessidade gerada pela tecnologia de termos e fazermos sempre mais – mesmo à custa de sermos cada vez menos – com uma sensação crescente de falta de tempo e a mania de poupá-lo?
Desacelerar, como explica Carl Hororé no seu livroO movimento slow[2], é um risco numa sociedade apressada, competitiva e materialista. Abrandar tem um preço e os Lentos sabem-no bem. Mas deixar voluntariamente uma carreira de alta tensão, estatuto e lucros para adoptar uma vida mais simples, criativa, e descontraída tem inúmeras vantagens e uma delas é a de ser mais feliz.
Podemos começar por recuperar quer a sensação de ter tempo suficiente quer o auto-controlo. O primeiro passo - após a tomada de consciência de que o poder de escolha é nosso - é “dizer não” e optar: libertar a agenda e deixar espaço de tempo livre para passatempos que nos agradem, enriqueçam e alegrem ou, quem sabe, aproveitar para visitar o Museu do Relógio António Tavares D`Almeida, em Serpa.
Em relação às outras tarefas, seremos mais eficazes se tivermos em conta dois factores: primeiro, começar pelo essencial, depois o importante e no final o acessório; segundo, aproveitar os 20% de tempo em que atingimos os 80% de produtividade – período variável consoante os casos. Seja como for é importante manter o equilíbrio entre o trabalho e a vida ou, como sugere Louise Hay, dedicar oito horas por dia ao trabalho, ao lazer e ao descanso, bem como saber aplicar diferentes velocidades consoante as circunstâncias internas e externas, como indica Carl Honoré.
Não se trata de deixar de “correr” com fundamento, mas reconciliar-se com arte do fabrico manual, atentar ao aqui e agora, sem dele tentar escapar, saber dar tempo ao tempo, porque “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, ser capaz de relaxar, parar ou, simplesmente, contemplar. “Não fazer nada, ser Lento, é essencial para se pensar bem” lembra Carl Honoré.
Por outro lado, “Ler implica tempo para reflectir (…)”[3], como lembra Paul Virilio, e “Tudo o que seja digno se ser lido é digno de ser lido lentamente”, reforça Cecília Howard. Para Uwe Kliemt “É estúpido beber um copo de vinho rapidamente. E é estúpido tocar Mozart muito depressa”[4]. É hora, pois, de reconhecer as virtudes da tartaruga.


[1] HEINDEl, Max - Princípios Ocultos de Saúde e Cura, Cap.V, pág.5. [2] HONORÉ, Carl - O movimento slow, Ed. Estrela Polar, 2006. [3] Citado por Carl Honoré [4] Citado por Carl Honoré

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1 Commentarios:

Anonymous Anónimo disse...

Boa tarde,

Só me pergunto se será mesmo inocente este sistema que nos mantém presos a compromissos, sempre inadiáveis e urgentes, numa correria que não nos deixa tempo livre para estudar, pensar ou reflectir como deve ser, para amar, sonhar… ou ser humano.
Parar não será demasiado perigoso? Que podemos nós fazer, com mais consciência, com melhor cultura, com boa informação?
A velocidade mantém-nos lerdos. Parecendo muito activa, a grande parte das pessoas nunca esteve tão apática como hoje. Não se mexe mentalmente um centímetro do local onde foi colocada e instalou-se.
São poucos os cidadãos, políticos, jornalistas e empresários que fazem algo de duradouro, e têm uma visão de longo prazo.
E assim, a maioria que faz tudo á pressa e que parece tudo fazer mexer, nada de muito valor faz na verdade. Corremos mas não andamos. Não saímos da crise.


Obrigado pela oportunidade e parabéns pelo blog

Vitor Gonçalves Pereira

domingo, 26 outubro, 2008  

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