quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Perdão?


Copyright © Neale Donald Walsch, 1998



Na véspera do Ano Internacional da Reconciliação, propomos uma viagem: da culpa (em que nos degeneramos, destruimos, paralisamos) à desculpa (em que nos regeneramos e reconstruimos a nossa vida) - conscientes dos erros, corrigimo-los e, desenganados, absolvemo-nos.

Texto Dina Cristo fotografia(*) Frank Riccio (**)


«- No momento em que eu te atacar e atingir, - respondeu a Alma Amiga – no momento em que te fizer a pior coisa que possas imaginar – nesse preciso momento… - sim? – interrompeu a Pequena Alma. –Sim? A Alma amiga ficou ainda mais quieta. - Lembra-te de Quem Realmente Sou»
[1].

Quem nos fere não é mais do que uma alma amiga, perfeita e maravilhosa, como todas, Luz pura que, por amor, acede penetrar na vida física, pesada, e fazer-nos coisas terríveis. São anjos disfarçados, só para que possamos experimentar (ser e sentir) a compreensão e o perdão e perante a escuridão, o que julgamos como mal, lembrarmos que todos somos o Sol.

Nesta parábola para crianças, editada em Portugal pela primeira vez em 2001, Neale Donald Walsch recorda que «(…) para se experimentar o que quer que seja, tem de aparecer exactamente o oposto»
[2]. É assim que da culpa, temos, lembra Louise Hay, o poder, a capacidade, a liberdade e a inteligência, para atingir a desculpa.


Perante circunstâncias adversas que nos fazem sentir dor imensa - raiva, amargura, ódio, rancor, tristeza, arrependimento, desejo de vingança e medo – temos o poder de escolher se nos mantemos como vítimas ou fazemos o nosso caminho até à responsabilidade. Como afirma Louise Hay
[3]: “Você pode escolher continuar preso e amargo ou pode fazer um favor a si mesmo perdoando voluntariamente o que aconteceu no passado; deixando-o; e depois seguindo em frente para criar uma vida alegre e que o faça sentir-se realizado”.

A decisão mais comum é o “primeiro nível”: culpar-se e culpar os outros. No centro está (quase) sempre a dor. Tais feridas vão-se formando ao longo da vida. Ao nível religioso (ao prazer é atribuído um sentimento de culpa), social, cultural, familiar (as críticas por sermos, pensarmos, expressarmos ou actuarmos de dada maneira). Espalhada um pouco por toda a parte, como vírus, a dor, mais cedo ou mais tarde, acaba por se transmitir a outrem, sob qualquer forma de hostilidade. E a ferida, se não curada, agrava-se.

Da culpa…


Sempre que alguém culpa outra pessoa está a assumir o papel de vítima e a dar-lhe poder. Transfere para o outro a responsabilidade que não sabe, pode ou quer assumir. Neste caso o passado mantém-se vivo, recorrentemente ou, até, obsessivamente lembrado, tornando-se mesmo numa prisão ineficaz que paralisa. Por vezes, um preço a pagar para se permitir cometer o mesmo erro: «Os sentimentos de culpa não o ajudam, apenas o mantêm paralisado, mas podem, pelo contrário, fazer aumentar as hipóteses de repetição do comportamento indesejado, isto é, os sentimentos de culpa podem tornar-se a sua própria recompensa, dando-lhe também permissão para que repita o comportamento»
[4].

Vive-se em ódio, raiva, ansiedade, conflito (tipicamente mental), num stress que conduz à doença e à infelicidade. Vivemos ressentidos, com o lado mais negativo da experiência, o pecado, o castigo, o dever de sacrifício. Uma pós-ocupação vã, assente na (auto)rejeição, desaprovação e reprovação inútil. Segundo Wayne W. Dyer, as prisões, tendo em conta as taxas de incidência, são um exemplo de como a instigação da culpa não resulta.
Fase intermédia é aquela que passa pelo reconhecimento, expressão (da dor e da raiva, nomeadamente pelo choro), arrependimento (através da confissão), compreensão e purificação. Neste caso, os erros mais não foram do que vias para o conhecimento do caminho mais correcto e são, pois, motivo para premiar, celebrar e elogiar em vez de condenar, criticar ou castigar. Houve uma evolução, através da experiência (ainda que equívoca), para o conhecimento.

A cura pode ser facilitada através de terapias naturais, como os remédios florais (floral “pine”) ou auro-soma (frasco nº 81) bem como de uma espécie de higiene mental todos os fins-de-semana: ao Sábado, dia especialmente indicado para reparar e perdoar, tratar de assuntos delicados e estar em repouso (sabático) junto da Natureza, e ao Domingo, altura propícia a considerar todas as dívidas pagas, saldadas e ultrapassadas. A visualização e meditação são outras das formas de dissipar a culpa, tratando-a no presente, evitando que se acumule. Marta Cabeza lança as perguntas: “Porque te culpas há tanto tempo? Porque carregas com culpas que não são tuas? Porque tens medo que te culpem? Porquê?”
[5].


[6], que encontrou na culpa uma das causas para várias doenças, definiu sete etapas para o perdão. Já há décadas, Louise Hay havia notado a mesma ligação: «Já descobri que o perdão, o libertarmo-nos do ressentimento, contribui para dissolver inclusivamente o cancro».


… à desculpa

Depois do trabalho psicológico de enfrentar a dor, manifestá-la e aprender com ela, poderá atingir-se o “segundo nível”, aquele em que nos damos ao direito de ter (tido) não só os erros e enganos, com os quais aprendemos, mas inclusive sentimentos negativos, uma vez que nos são úteis; segundo Lise Bourbeau, o medo indica a necessidade de auto-protecção, a raiva a de afirmação e a tristeza a de desapego.

Neste caso desculpamo-nos a nós próprios pela vivência equívoca bem como à outra pessoa, ou seja, assumimos a responsabilidade pelos acontecimentos. E, quando acontece o auto-perdão, perdoar os outros simplifica-se. «Ás vezes é difícil perdoar, mas torna-se ainda mais difícil perdoares a ti próprio»
[8], escreve Marta Cabeza ou, como afirma Luís Simões, "(...) quando não perdoo os outros é só porque não consigo perdoar-me a mim próprio"[9].


Ao isentar de culpa, o que só o coração tem coragem para fazer, por amor e compaixão, o indivíduo liberta-se do passado, esquece-o. E assim, num acto e visão positiva, curamo-nos perante a absolvição de nós próprios e do outro. “Só o perdão”, afirma Bernabé Tierno, “tem o poder de nos libertar das dolorosas amarras do ressentimento e de nos devolver o equilíbrio e a paz interior (…) Perdoar até nos libertarmos por completo do ressentimento e do rancor, aumenta a nossa saúde física, psíquica e mental, beneficia o corpo e o espírito (…) Perdoar é arrancar a raiva, destruir qualquer resquício de rancor, é construir-se a si mesmo, salvar-se a si próprio»

Pacificado, consciente do erro, mas não tolerando a situação que reprova, deixa-a e sai; segue em frente, recomeçando a sua vida. É a grande perda (de um relacionamento, um emprego, uma habitação) e o desapego, a entrega depois de se haver encontrado, o que tanto se procurou. Mas as pessoas, essas, são perdoadas.

O perdão implica uma (auto)aprovação e (auto)aceitação. Errar é humano (cair no mesmo erro é que não) e já mesmo S. Paulo escrevia na Epístola aos Romanos (7:19) «Porque não faço o bem que quero, mas, o mal que não quero, esse faço»
[11] e exortava na carta aos Colossenses (3:13): «Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se algum tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós, também».


Em síntese, ou nos culpamos (guerreamos, adoecemos e deprimimos) ou nos perdoamos (pacificamos, curamos e alegramos). Como escreveu José Manuel Anacleto (JMA), promotor do movimento cívico “Ano 2000, Perdão e Reconciliação” e do Dia do Perdão
[12], «Perdoar é começar de novo, quebrar os grilhões que nos aprisionam a um passado tantas vezes doloroso, que nos oprime. Não se trata de um moralismo qualquer mas, sim, de aprendermos a ser felizes, em conjunto. Todos precisamos de todos”.

Motivo de pensamentos, poemas, canções, livros[13], programas de rádio, dias e orações, a amnistia, o indulto é um sinal claro de amor e sabedoria que, aliás, Jesus Cristo veio ensinar há dois mil anos, e nos permite evoluir em bases mais correctas e (re)fundadas. Perdoar, como demonstraram portugueses e timorenses, é quebrar o ciclo infernal de violência. Já Tertuliano confrontava: "Você quer ser feliz por um instante? Vingue-se! Você quer ser feliz para sempre? Perdoe!".

* Imagem reproduzida mediante autorização da editora Sinais de Fogo. ** Copyright das ilustrações © Frank Riccio, 1998.
[1] WALSCH, Neal Donald – A Pequena Alma e o Sol, Ed. Sinais de Fogo, 2001. [2] Idem, Ibidem. [3] HAY, Louise – Eu consigo! Ed. Pergaminho, 2006, pág.31. [4] DYER, Wayne W – As suas zonas erróneas, Ed. Pergaminho. [5] CABEZA, Marta – Dia-adia com os anjos, Ed. Pergaminho, 2005, pág.160. [6] BOURBEAU, Lise - O teu corpo diz “ama-te” – a metafísica das doenças e do mal-estar, Ed. Pergaminho [8] CABEZA, Marta – Dia-adia com os anjos, Ed. Pergaminho, 2005, pág.67. [9] SIMÕES, Luís Martins Simões -Goste de Si, Ed. Pergaminho, p.60 [10] TIERNO, Bernabé – Aprenda a viver, Lisboa, Ed. Presença, 1998. [11] Ou em outra versão: «Porque o que faço, não o aprovo; pois, o que quero, isso não faço, mas o que aborreço, isso faço» Epístola aos Romanos 7:15 [12] No respectivo projecto educativo o mesmo autor afirmava «(…) A fim de evitar traumas, situações de revolta e o desenvolvimento de uma agressividade latente (susceptível de explodir em determinadas circunstâncias), é de capital importância que o jovem saiba conciliar a recusa de atitudes que injustamente o magoaram com a compreensão relativamente aos autores dessas injustiças; que um indispensável processo de maturação e aprendizagem (que também implica conhecer os lados menos bons da vida e do ser humano) não o marquem de forma patológica, levando-o a gerar ódios, bloqueios, alienações ou situações de não integração» in Brochura “Um minuto, uma flor, um mundo melhor!”, JMA, pág.11.
[13]ENRIGHT, Robert – o poder do perdão. Estrela Polar, 2001. JAMPOLSKY, Gerald G. – Perdoar – a melhor de todas as coisas. Sinais de Fogo, 2004. BARROS, José H. - Perdão e optimismo: uma abordagem intercultural. Revista Portuguesa de Pedagogia. Coimbra. Vol.37, nº2. WALSCH, Neale Donald – A Pequena alma e o Sol, Sinais de Fogo, 1º ed. 2001.

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1 Commentarios:

Anonymous Anónimo disse...

Só quem perdoa pode ser perdoado. Quem procura a felicidade, está sujeito a errar, errar e errar como forma de encontrar a tal felicidade e o amor que todos desejam e esperam ou simplesmente acertar. O reconhecimento impar das culpas leva-nos a deparar com a verdade que muitas vezes não queremos aceitar, supondo sempre que o erro apenas está do outro lado e nunca do nosso. Por isso não creio nessa que errar duas vezes na mesma coisa seja burrice mas sim a busca da certeza e felicidade, que afinal é o que todos nós queremos e buscamos, é que nos leva a tais ocorrências. (temos que erguer sempre a cabeça assumir ou relevar sempre as coisas com frontalidade, inteligência e elegância).

Pascoal Carvalho.

sábado, 03 janeiro, 2009  

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