quarta-feira, 10 de julho de 2013

Vi(d)a hortícola





Antes do Dia do Agricultor vamos conhecer, através da pena de um deles, alguns  dos principais desafios dos homens da terra.

Texto Filipe Sêco desenho Patrícia Sêco

Sol na eira e chuva no nabal. Este podia muito bem ser o Santo Graal de qualquer hortelão, e demonstra bem os tormentos que o cultivo da terra acarreta. A Natureza quer, pode e manda nas vontades do agricultor, pondo à prova, ano após ano, a sua persistência, força de vontade e paciência.
O agricultor é um eterno insatisfeito. Se faz sol, anseia por uma chuvinha, se chove, pede sol, e se o frio aperta, reza pelo tempo mais quente. Nunca se pode ter tudo, e em agricultura a frase é ainda mais certa. É evidente que o sol dá vida a tudo o que aquece, mas também pode queimar quando o termómetro sobe. A chuva incha as sementes e dá-lhes o sinal de que que é tempo de despertar, mas também pode ter efeitos destruidores, quando em excesso alaga os campos. O frio tem um efeito positivo no controlo natural de pragas, mas quando uma geada fora de tempo congela as “novidades” da horta, o hortelão roga pragas a quem controla o tempo.
Nesta relação homem /natureza, umas vezes ganha-se outras vezes perde-se. O agricultor depende então de si mesmo e das boas graças da mãe natureza. Há já muito tempo que se diz que a agricultura vive dos subsídios, e que sem eles era impossível fazer-se agricultura. Ao pequeno agricultor pouco lhe importa se há subsídios ou não, o que ele quer é estar em contacto com a terra e produzir o seu próprio sustento. Se falarmos de uma agricultura em larga escala, com os custos e os investimentos em sementeiras, equipamentos, mão-de-obra, etc., estes poderão fazer algum sentido. Os subsídios servem para isso mesmo, auxiliar algo que implique grande risco. Nenhuma outra actividade está tão dependente das condições ambientais como a agricultura.
Quando decidi tornar-me agricultor biológico a ideia poética do que era trabalhar a terra estava no auge. Passados mais de 10 anos desde o início e após grandes tormentos, como a perda da estufa passando por colheitas fracas, a ideia poética, apesar de tudo, ainda se vai mantendo. A Lousã é considerada pelo Ministério da Agricultura como uma zona desfavorecida, principalmente pelas condições climatéricas e fertilidade dos solos, muito diferentes, por exemplo, de uma região mais costeira. Acrescido ao facto de a Agricultura Biológica exigir muito trabalho manual e de planeamento de culturas mais rigoroso.

O grande desafio, para os próximos anos, vão ser as alterações climáticas, que já se fazem sentir. Também esta lei das sementes de que tanto se fala poderá limitar bastante a autonomia do agricultor, caso se confirme a impossibilidade de podermos guardar e trocar as nossas próprias sementes. Para mim, o maior desafio de todos vai ser mesmo resistir, e ter força de vontade para vencer o desânimo interior que a incerteza de uma sementeira traz. Uma vez agricultor, agricultor para sempre, o que pode mudar é mesmo o objectivo para o qual se trabalha, auto-suficiência ou produção em grande escala.

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