quarta-feira, 8 de maio de 2013

Seara jornalística


Após o desaparecimento físico, há uma semana, de António Alves Seara, Director do jornal “A Voz do Mar” durante mais de 40 anos,  publicamos uma entrevista realizada, em sua casa, em Outubro de 1985.
Texto e fotografia Dina Cristo
Qual foi a evolução da “Voz do Mar”, desde o seu nascimento até à actualidade?
A sua primeira edição foi no dia 25 de Dezembro de 1956. O jornal foi fundado pelo Sr. Luís dos Santos Costa. Comecei a participar no segundo número. Quando começaram a surgir alguns problemas esteve durante algum tempo sem sair.
Assim, o Centro Paroquial propôs a compra o que foi aceite pelo fundador, ficando eu como editor, embora fizesse praticamente todo o trabalho de director, porque o Sr. Francisco Manuel Reis na prática não dirigia a vida do jornal; após alguns anos morreu ficando eu como responsável principal – director, o chefe de redacção e o administrador Carlos Sá.
Até agora não tem tido modificações significativas.
Porquê o nome “Voz do Mar”?
Porque nasceu num meio essencialmente marítimo e com uma preocupação dominante de dar prioridade a temas relacionados com o mar.
Quais são os vossos apoios?
Vivemos à custa dos nossos próprios meios e da publicidade. Temos ajudas insignificantes como o subsídio de papel (dez contos de três em três meses para uma despesa de cem contos por mês) e o benefício do porte pago. Também é verdade que não queremos subsídios pois dá-nos uma certa dependência em que não estamos interessados.
Quais são os temas aos quais a "Voz do Mar" dá prioridade?
Problemas de interesse local que são abordados em várias secções do jornal como “Ecos e Notas”, “Reparos”, “Café-Concerto” e outras.
A “Voz do Mar” está receptiva a propostas dadas pelos leitores?
Está, e abriu recentemente uma secção que lamentavelmente não teve sucesso.
A vossa posição mantem-se em relação a artigos?
Sim, aceitamos artigos desde que tenham o mínimo de qualidade (a fim de não prejudicar o jornal e a própria pessoa) e que não defendam partidos políticos ou acusem a Igreja.
Quais são as vossas aspirações?
Que os nossos colaboradores sirvam os interesses da terra.
É difícil conjugar a actividade de director de um jornal com a de responsável de educação de adultos?
Muito difícil, porque cada número que sai é produto de muitas noites perdidas pela parte dos responsáveis máximos. Mas penso que vale a pena, é aliciante, como é tudo aquilo que constitua um serviço à comunidade.
O público tem correspondido às vossas expectativas?
A nossa receptividade em Peniche, quanto a mim, é razoável, sendo de considerar que se fizesse uma campanha de angariação de assinaturas os nossos leitores aumentariam consideravelmente.
Quais são as principais diferenças encontradas na “Voz do Mar” no seu começo e actualmente?
No início não tinha tantos artigos de opinião; quanto ao aspecto gráfico era interessante porque era artesanal, depois caiu um pouco porque passou a ser mecânico, e actualmente está bem melhor pois é impresso em off set - não apresenta melhor qualidade por manifesta falta de tempo.
Quer-se pronunciar em relação ao fornecimento de notícias particulares pelos próprios leitores?
Desde que o assunto tratado nessa notícia tenha interesse para a comunidade damos a publicidade que merece. São prova disso as notícias desse género que normalmente figuram nas “Cartas ao Sr. Director”.
Já publicaram livros acerca do IVA?
O jornal já publicou alguns artigos sobre o assunto para esclarecimento não sendo na quantidade desejada por falta de colaboração. Penso que a imprensa devia fornecer esclarecimentos sobre isso.
E quanto às consequências da nossa adesão ao Mercado Comum?
O jornal também já publicou alguns artigos sobre o assunto e inclusive colaborou na organização de iniciativas para esclarecer determinados sectores da população, concretamente os agricultores.
O que é para si fazer jornalismo?
É um modo de realização pessoal e de servir a comunidade.
Qual é, no seu ponto de vista, o jornalismo de má qualidade?
É aquele que destaca fundamentalmente os aspectos negativos, procurando promover-se através da violência, da pornografia, etc.
Quais as medidas que são de tomar para mudar esta situação?
Promover acções de consciencialização da missão do jornalista, de modo que nunca perdesse de vista a formação dos leitores, no sentido de serem melhores cidadãos dentro da sociedade a que pertencem.
A televisão deveria evitar o excesso e o abuso daquilo que é negativo.
Os estabelecimentos de ensino deveriam procurar fazer sentir junto dos jovens a importância que o jornal tem dentro de uma comunidade. Despertar nos jovens o desejo de servir a comunidade através do jornal. E no serviço que assim venham a prestar à sociedade não perderem de vista a identidade cultural desta.
Como vê o jornalismo em Portugal?
Sem ser alheio a programas de qualidade apresentados pela televisão, considero que esta tem sido um órgão bastante manipulado e demasiado manipulador. Penso que está muito longe de ser um órgão eminentemente formativo de acordo com as possibilidades que tem para tal.
Merece mais credibilidade o jornalismo que se pratica através da rádio e da imprensa escrita, pois é mais isento e formativo.
Quer comentar a frase “o redactor faz o fabrico da actualidade”?
Na TV os redactores dão uma imagem que por vezes não corresponde inteiramente à verdade pelas grandes possibilidades que tem de desmistificar o acontecimento. Assim, a notícia que dá é mais um produto da sua ideologia política e sensibilidade do que da verdade.
O verdadeiro redactor deve veicular a verdade sem a modificar de acordo com as suas ideias políticas ou outras, deve ser, pois, o veículo da verdade e não o seu fabricante.

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