quarta-feira, 20 de março de 2013

Recurso vital


Neste que é o Ano Internacional da Cooperação pela Água, e antes do seu Dia Mundial, reflectimos sobre o que nos espelha.
Texto Dina Cristo
Cai do céu e gosta de penetrar profundamente na terra, onde descansa. Depois de repousar, brota como nascente. Corre lentamente pelo leito dos rios, nutrindo as suas margens. Vitalizada, desagua no mar. Eis o grande ciclo, em equilíbrio, sem falta ou excesso de água.
Contudo, hoje, com a deflorestação, sem húmus suficiente, ela desperdiça-se apressadamente pelos vales abaixo. Enquanto deixa o solo seco inunda as margens dos rios, levando consigo detritos e causando destruição. Crescem os riscos de incêndio, aumenta a poluição e o nível do mar. As fontes secam, os caudais diminuem, as reservas escasseiam. Existe cada vez menos água potável e com menor qualidade.

O consumo, esse, aumenta. Durante o séc.XX o uso de água cresceu nove vezes, segundo Janez Potocnik, Comissário Europeu do Ambiente. Quando mais de um bilião de pessoas não possuem abastecimento de água, e Moçambique consome quatro litros diários, no território português, apesar de um Programa Nacional para o seu uso eficiente, utiliza-se cerca de 175 litros por dia, 70% dos quais em autoclismos e em duches.
Em Portugal existe uma legislação quase centenária e uma Lei da Água desde 2005, um Plano Nacional, do qual decorre o Plano de Gestão das Regiões Hidrográficas, além de um Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais (PEAASAR), uma Estratégia Nacional para os Efluentes Agro-Pecuários e Agro-industriais (ENEAPAI), uma Entidade Reguladora e, entre outros organismos, um Instituto da Água, agora integrado na Agência Portuguesa do Ambiente.
Contudo, falta uma gestão articulada e integrada, disse Carmona Rodrigues, em entrevista à “QuercusAmbiente”(1), referindo que um terço da água tem má ou muito má qualidade, que a factura do consumidor se mantém demasiado elevada e que do Plano de Barragens, lançado à margem do Plano Nacional de Água, não constava o do Baixo Sabor, além de não ter sido sujeito ao parecer prévio do Conselho Nacional da Água.

Reequilíbrio
Em Tamera, desde 2007 que Bernd Walter Mueller vem pesquisando e implementando uma paisagem de retenção de água e o grande ciclo. Lagos, com barragens naturais, permitem aproveitar a água da chuva que, de forma lenta e profunda, é absorvida pelos solos. Os lençóis freáticos recuperam-se, a paisagem regenera-se e, além dos três lagos existentes e cerca de uma centena de pássaros, há já uma nascente.
Eis o resultado da cooperação com o espírito da água, de natureza feminina e que gosta de repousar como de se movimentar livremente, em S: «Como qualquer ser vivo, a água precisa de ser livre para se mover de acordo com o seu Ser. A água gosta de se mover sinuosamente, de se enrolar e de descrever curvas e espirais. Desta forma, ela mantém a sua frescura e vitalidade. Através destes movimentos, purifica-se a si própria ao mesmo tempo que abranda o seu ritmo e se infiltra no corpo terrestre» (2), explica Bernd Walter Mueller.

O segredo está em compreende-la, respeitá-la e estimá-la; conhecer a sua essência, por dentro, e não apenas medi-la por fora. Trabalhar com ela, em harmonia, e não contra ela, em concorrência, exploração ou abusos, permite obter nutrição e energia suficiente, reverter o deserto em paraíso, sonhar com mil lagos para o Alentejo e visionar a região como um modelo para o mundo, com direito a acesso livre a água potável de boa qualidade.
Universalmente conhecida como origem da vida, de purificação e de regeneração (a sua capacidade de Memória, ligada à Imortalidade) será, assim - despoluída, cuidada e protegida - capaz de devolver aos seres (humanos) as bênçãos da Graça, da cura e do rejuvenescimento(3). Fonte altamente informativa, capaz de receber e distribuir pela terra inteira informações vitais, restruturando-a, e veículo de comunicação entre todos os seres, ela é hoje também foco de olhares mais (híper)sensíveis e atentos que experienciam outros modos mais energéticos de a purificar, como o pensamento ou a aurosoma.

Matriz
Matéria-prima original, Prakriti, a Mãe do Universo, ligada à Mulher, à Alma, como à Luz, à Águia e a Gabriel, excelente condutora (de Electricidade, Sabedoria, Verbo e Sentimento), é também, segundo Maria Flávia de Monsaraz, filtrada pela Lua.
Manifesta-se como fonte, lago, rio, ribeira, mar, gelo, chuva ou vapor. Pode ser doce (pura) ou salgada (amarga), destilada ou mineralizada, pluvial ou subterrânea, ácida ou alcalina, corrente ou pantanosa, benta e abençoada, termal ou residual, pode estar calma ou raivosa, viva ou adormecida, livre ou engarrafada, limpa ou poluída, em cisternas ou fontanários, aquedutes, açudes ou albufeiras (hoje transformados em praias fluviais).
Depois da herança romana, com os seus balneários termais, e, séculos mais tarde, das termas, com as suas águas caldas, minerais e curativas, um pouco por todo o país e para as mais variadas doenças, ela é hoje não só considerada um elemento vital para a saúde como também para a beleza e bem-estar, como mostram, por exemplo, os SPA, saúde pela água, e a talossoterapia.
Água presa
A água salgada é um importante recurso terapêutico mas quando, devido à secura dos solos, neles se infiltra torna-os inférteis - um perigo sempre que os aquíferos subterrâneos naturais se começam a esgotar. Neste momento, o recurso a barragens ou mesmo mini-hídricas não é, para a Quercus, a solução. As grandes (mais de cem) ou pequenas e médias (cerca de 800) infra-estruturas ocupam 90% dos troços dos rios (4) e afectam a sua conectividade, qualidade, quantidade e morfologia de água, além de, entre outros danos, a livre e efectiva passagem de peixes.
Em vez disso, a Associação Nacional de Conservação da Natureza, que aponta deficiências ao nível da aplicação, fiscalização e gestão das entidades responsáveis e documentação produzida, propõe a poupança do recurso hídrico e a micro-geração como moinhos de água, preservando em vez de destruir o património, como no caso de Alqueva onde «Pastagens, montados, olivais foram engolidos, centenários moinhos do Guadiana e um castelo ficaram cobertos pela água, estradas foram cortadas, conduzindo a lado nenhum, e uma povoação desapareceu para sempre» (5).

«O Programa Nacional de Barragens, onde a Barragem do Foz Tua se destaca como um dos casos mais deploráveis, deve ser cancelado. As nove grandes barragens aprovadas permitiriam satisfazer apenas 3% das necessidades anuais de electricidade em Portugal. Apostar em medidas de eficiência energética é dez vezes mais barato do que aumentar a capacidade instalada de produção de electricidade», escreviam há um ano, a Quercus, o GEOTA, Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, e o CEAI, Centro de Estudos da Avifauna Ibérica (6).

Aguados

Quase a finalizar a Década Internacional de Accção da Água para a Vida, estamos perante um confronto, como na Bolívia, entre os que lutam pelo seu controlo, domínio, privatização e em que a escassez de H2O se transforma em poder e lucro, e os que defendem o seu livre acesso, como um direito fundamental, a um bem indispensável à prossecução da vida e nela vêem a sacralidade, abundância, fertilidade e pacifismo. Em Portugal, Carmona Rodrigues, em entrevista a Carla Graça, afirmou que a privatização das "Águas de Portugal" deveria ser (re)equacionada pois o mais importante é a capacidade reguladora do Estado. O tema é objecto de atenção mediática internacional.
Os humanos, que são seres de água, constituídos essencialmente por ela, em especial o seu cérebro, dela dependem para sobreviver. Este elemento que não se fabrica, está na base do ecossistema, que provê a própria economia, hoje tão desejada. Constituída por elementais, como as ondinas, associada à terra, também ela elemento receptivo, omnipresença constante, em cada ser e objecto, interna e externamente, para tudo é necessária.
Contudo, aos olhos técnicos a água não passa de uma fórmula a controlar, manipular e explorar. O afastamento da Natureza levou a medi-la, a planifica-la estratégica e friamente. E desconhecendo-a, a Humanidade desrespeitou-a. Invadiu o seu próprio espaço, poluindo-a, abusando e desperdiçando-a. A água cai graciosamente e os humanos, além de não a aproveitarem, muitas vezes maldizem-na, quando chove na cidade, mesmo após anos de seca severa.
Cantada, em Portugal e no mundo, ela é hoje peça de Museu, uma prenda acessível, motivo de pesquisa, de invocação e também de atenção em fóruns de discussão real e internacional. Faz parte da pegada ecológica de cada ser humano que a requer pura para primeiro lavar e depois levar as suas máculas. Depois de tão ignorada, mal tratada e poluída, é da sua própria reabilitação que está dependente o futuro e regeneração da própria Humanidade.
(1) GRAÇA, Carla - Recursos hídricos em Portugal in QuercusAmbiente, Janeiro/Fevereiro, 2013, pág.4-5. (2) MUELLER, Bernd Walter - o segredo da água - a base para um novo mundo. Institute for Global Peace Work, pág.6. (3) CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain - Dicionário dos símbolos, Teorema, 1994, pág.41-46. (4) «Não nos sobram muitos rios num território já cortado em fatias por dezenas de auto-estradas», afirmavam Mara Sé, Bruno Caracol e Marcos Pais, na QuercusAmbiente, Maio/Junho 2012, nº52, pág.26. (5) JORGE, José Luís – Alqueva – paisagem de água. Tempo Livre, Setembro 2012, pág.28. (6) Quercus, GEOTA, CEAI – Plano Nacional de Barragens in QuercusAmbiente, Janeiro/Fevereiro 2012, pág.20.

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