quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Comunicação lusófona

Aos 15 anos das emissões regulares da RTP África, abordamos a (falta de) oportunidade de desenvolvimento da comunicação digital no continente negro.
Texto Dina Cristo 

A Lusofonia, espaço não apenas geográfico, mas também linguístico, cultural, histórico, institucional e identitário, ganhou força política nos anos 80 (década de desenvolvimento tecnológico e de entrada de Portugal na então CEE) e convergência política, nos anos 90, com objectivos internos (o imaginário de um país que ultrapassa as suas fronteiras físicas) e externos, como a afirmação de Portugal.
Nos governos de Cavaco Silva foram feitas alterações estruturais, com a privatização e liberalização da Comunicação Social (investindo no seu segundo governo na missão do serviço público e na solidariedade e cooperação, particularmente ao nível técnico e de formação), estabilizadas e aperfeiçoadas no governo seguinte de António Guterres, designadamente em termos de legislação e de regulamentação.
Contudo, a iniciativa considerada mais importante foi no plano externo: a criação da RTP Internacional, no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, em 1992, sendo emitida 24h por dia três anos depois, num esforço centrado na distribuição (através do satélite, do cabo ou via terrestre) de forma a tentar atingir os 200 milhões de falantes da língua portuguesa e estreitar os laços de afecto, acentuando o universalismo da alma lusitana.
Em 1996 realiza-se o Fórum da Comunicação - com as agências, televisões e rádios de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Portugal -, é formada a Aliança das Agências de Informação de Língua Portuguesa e as Televisões de Língua Portuguesa e previsto apoio à produção, distribuição e livre acesso. Durante o encontro, em Lisboa, anuncia-se a constituição da RTP África, um desdobramento da RTP Internacional, com a promessa de participação dos povos. Após alguns dias constitui-se a pluricontinental Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, com base na amizade, na cooperação, na solidariedade e no intercâmbio.
Após o “Canal África”, integrado na RPT Internacional, desde 1996, nasce, em Janeiro de 1998, uma nova fonte de informação e entretenimento: a RTP África, com programação autónoma, produzida pelas estações públicas da CPLP, com descodificação nas capitais africanas e retransmissão via terrestre. Em vista está a maior aproximação aos 25 milhões de habitantes dos cinco países africanos de língua oficial portuguesa.
Trata-se da concretização da política de desenvolvimento do espaço lusófono, de contemplação da diversidade e diferença, com base na capacidade de relacionamento, de ligação e de estabelecimento das pontes entre culturas, expressão de um princípio anímico, «(…) uma espécie de família espiritual repousando na recordação de um passado comum, sobre uma parte do esquecido e sobre uma vontade de construir o futuro em conjunto»[1].
África digital?
O continente africano - que tem necessidades ao nível da alimentação, da saúde, da habitação e da electricidade, bem como problemas de pobreza, analfabetismo, iliteracia ou abertura ao debate público - tem a mais baixa taxa de penetração da internet: abaixo dos cinco por cento (apesar do rápido aumento ao longo da primeira década do séc. XXI, devido à baixa de custos).
Em contextos de construção democrática, com restrições à liberdade de expressão, imprensa ou associação, como é o caso de África, os novos “media” podem desempenhar um papel relevante com efeitos ao nível da democratização, da liberalização, do desenvolvimento e da modernização. Nesse sentido, a internet pode constituir um meio para atingir objectivos como os do milénio, proclamados pela ONU.
Este medium digital pode ser vantajoso ao nível da facilidade de uso e de acesso, de auto-produção, de participação ou de interactividade, constituindo um espaço para novos actores, conteúdos e pontos de vista e, portanto, com potencialidades ao nível da diversidade e da liberdade de expressão, de opinião e de informação, como são exemplos os websites noticiosos e os blogues.
Tendo em conta um ambiente de limitações à liberdade, Susana Salgado considera as suas potencialidades ao nível do aumento do pluralismo, da independência, de pontos de vista, de debate, de agendamento de novos temas, de crítica e de vigilância do poder político e, sobretudo, ao nível da participação política, através da facilidade, simplicidade, disponibilidade, interactividade, auto-produção e distribuição.
Contudo, os mesmos meios informativos podem ser instrumentos ao serviço do autoritarismo e os seus conteúdos dominados pelas elites. Apesar de existirem cada vez mais websites e blogues, muitos temáticos e anónimos, estes resultam de outros órgãos de informação, controlados. Por sua vez os bloggers pertencem, normalmente, à classe média e alta, têm profissões liberais e alto nível académico.
A teoria do knowledge gap, nos anos 50, defendia que cada novo medium aumentava as diferenças já existentes entre os indivíduos de menor e maior estatuto e habilitações, sendo os de maior posição sócio-económica e educativa os que tendiam a beneficiar mais rapidamente das vantagens do novo meio de comunicação: era para eles mais fácil lidar, obter e compreender a informação, acentuando as disparidades, desequilíbrios e diferenças anteriores.
Daqui resultou o conceito do digital divide, o fosso de oportunidades e de uso da tecnologia. A maior parte da população mundial não tem sequer as infra-estruturas, à electricidade ou aos equipamentos. Além disso, não basta o acesso à informação de outras regiões, também é importante a produção e partilha de informação local quando a maior parte dos conteúdos são produzidos nos países desenvolvidos, o que significa um risco de dominação dos valores ocidentais e a redução à mera recepção por parte dos africanos.
Susana Salgado cita o perigo do consumo se sobrepor à cidadania, da liberalização dos “media” ser mais uma oportunidade de negócio bem como a fragmentação dos conteúdos, a dispersão das identidades e o desinteresse do cidadão comum face à complexidade dos pormenores das decisões políticas.
Além do mais, as disparidades em relação ao mais elementar, o acesso à tecnologia, verificam-se não só entre países, o chamado global digital divide, mas também dentro dos próprios Estados, nomeadamente ao nível de status, área geográfica ou de género. No geral, as desigualdades verificam-se não apenas ao nível dos recursos e acesso, mas igualmente no âmbito da competência, da vontade, do uso e da participação. Os indivíduos que usam os “media” digitais são, por exemplo, os que possuem meios e conhecimentos para tal.
São exemplos da ambivalência dos “media” digitais as possibilidades de ultrapassar os constrangimentos, designadamente ao nível da distribuição, porém com o perigo da concentração (a propriedade dos órgãos de comunicação social nas mãos de grupos económicos próximos do poder política, que os tem controlado, fechado ou substituído) e controlo da opinião pública por parte das elites.
Entre a posição optimista que vê a tecnologia como meio de libertação e de expressão, de participação política e de democratização, de desenvolvimento humano sustentável e a posição mais negativa, que se centra nas necessidades mais primárias, prioritárias, ainda por resolver, está uma atitude moderada, segundo a qual o papel dos “media” é variável, a de que mesmo que as novas tecnologias consigam diminuir as desigualdades, uma vez que estas são endémicas, não serão com certeza eliminadas.

[1] Yves Léonard citado SOUSA, Helena – Os media ao serviço do imaginário: uma reflexão sobre a RTP Internacional e a Lusofonia. Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Braga, 1999, pág. 3.
Bibliografia:
SALGADO, Susana – O digital entre os muitos “divides” de África in Media & Jornalismo, nº 18, vol.10, nº1. Primavera/Verão 2011, pág.100-111.
SOUSA, Helena – Os media ao serviço do imaginário: uma reflexão sobre a RTP Internacional e a Lusofonia. Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Braga, 1999.



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