Mozart no telemóvel?
Publicamos hoje - dia em que faria 45 anos - um dos poemas* do cinéfilo, musicófilo e cosmófilo, antigo locutor na Rádio Activa, membro do grupo seis da Amnistia Internacional, presidente da Associação Portuguesa de Subbuteo e do Cineclube do Porto.
Texto Fernando Pinto Basto pintura Alexa
Final de tarde num Agosto qualquer.
Prenúncio de autocarro cheio em hora de
Ponta. Silêncio entrecortado por ruminantes
Telemóveis. O Pára-arranca do BUS transforma
Passageiros em equilibristas e mesmo em frente
A mim uma mulher com aspecto desgastado
Mata o tempo a carregar nas teclas do
Telemóvel. Que toca. Alto. Abafado o som, é
Interpelada por um idoso com curiosidade
Pelas novas tecnologias. – O seu telemóvel dá
Música? Ignora-o (estava de phones).
- Desculpe, o seu telemóvel dá música? Não era
Nada com a sujeita, entretida a mandar
Mensagens escritas.
O Ancião não resiste, toca-lhe no braço e
repete a pergunta. A sujeita tira um phone do
ouvido e com ar contrariado erra: SIM. DÁ!
Volta a colocar os phones e com enfado, volta
À música e ao teclado do aparelho. Não ouve
(ou não quis ouvir) a pergunta nova do
Incauto: Não dá a 5ª de Mozart, pois não?
Como não obteve resposta, ficou cabisbaixo a
olhar para um vazio enorme, com cara de
arrependido, cogitando certamente se não
deveria ter antes optado por Beethoven ou
Wagner. O alarido continuava noutros lugares
do veículo e eu senti-me também
envergonhado por não ter respondido algo
como – é grande demais para tão minúscula
caixa, não lhe parece?
Porto, 27/8/2002
* "Mozart não cabe no telemóvel" in BASTO, Fernando J. Pinto - Por ti e para ti, Edição de autor, Fevereiro 2005, pág. 71-73.
Etiquetas: Alexa, Crónica, Fernando J. Pinto Basto, Mozart no telemóvel
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