Rádiotelefonia de sessenta VII
Nesta sétima parte, recordamos as estruturas da Rádio colonial, a (escassa) cobertura da guerra e os números; os kw, receptores e emissões de informação e propaganda.
(1) Quantidade que deverá estar subavaliada, devido às fugas ao imposto e ao pagamento da taxa. “O fim de uma era: o colonialismo português em África”, pág.191. (2) Idem, ibidem. (3) Idem, pág. 194. (4) Op. Cit., pág. 12. (5) Idem, pág.198. (6) A.H. RDP. R.C.de Malange. 1961. (7) Entrevista a António Jorge Branco, Lisboa, 14/07/1997. (8) Idem. (9) Idem. (10) Entrevista a Carlos Brandão Lucas, Lisboa, 15/08/1997.
Texto Dina Cristo
O Governo, experiente na multiplicação da mensagem radiofónica em Portugal, maioritariamente sua aliada, decide, aquando das hostilidades em África, explorar e expandir o meio radiofónico existente, partindo das infra-estruturas locais, os Rádios Clubes, estações particulares de carácter associativo-recreativo.
Necessitando de um meio de comunicação social, especialmente rápido na transmissão de informações, passou desde então a utilizar a radiodifusão como arma de (contra)propaganda na luta armada, dando um novo impulso ao sistema radiofónico colonial, em especial em Angola e Moçambique. Se antes dos anos 60 a cobertura radiofónica colonial era limitada, não existindo nenhuma estação de rádio que fosse ouvida, regularmente, em todo o território, depois, com o investimento na radiodifusão colonial, a rede ampliou-se.
Angola, que tinha, em 1958, 24 emissores, passou a deter 48 postos, dez anos mais tarde, em 1968, atingindo, em 1969, os 59 emissores, com uma potência total de 88 kw, alterada em apenas um ano, em 1970, para 480 kw. De 1960 a 1970 o número de estações subiu de 18 para 19 e a duração da emissão semanal passou de 688 horas, em 1960, para 2439 horas, em 1970, 191 das quais eram da responsabilidade do Estado. Em 1960 foram registadas 53 mil licenças e 84,5 mil em 1970, o equivalente a 15 aparelhos de rádio por mil habitantes(1). Em Angola, no entanto, a expansão da cobertura radiofónica só se realizou após 1963, não existindo, até 1964, nenhuma estação que pudesse ser escutada regularmente pelo país.
Moçambique, de um total de quatro emissores, em 1958, chegou a 1969, com 43, possuindo 22 deles cinco ou mais kw. Ao longo da década, entre 1960 e 1970, o país manteve-se com sete estações particulares. As suas emissões aumentaram as 800 horas por semana, em 1960, para 917 horas semanais, em 1970. No mesmo período, o número de receptores alterou-se de 37 mil para 125,7 mil, valores estimados em 15 aparelhos por mil habitantes.
A Guiné permaneceu, contudo, até aos fins dos anos 60, com uma cobertura radiofónica pouco significativa, com apenas uma estação, do Estado, e dois emissores. No entanto, no final dos anos 60, as suas emissões semanais registaram um aumento, entre 1968 e 1970, de 13 para 126 horas, públicas. O número de aparelhos por mil habitante não foi além dos oito, em 1970, correspondendo a quatro mil receptores, mais 2,2 que em 1960 (2).
Para além do número de receptores situar-se muito abaixo da média africana, avaliada em 45 por mil habitantes, em 1969, os aparelhos concentravam-se essencialmente em Lourenço Marques e em Luanda, locais onde se encontrava grande parte da população europeia: “Segundo um estudo feito em Angola por meados da década de sessenta, a maior parte dos aparelhos em Angola eram possuídos por europeus”(3).
Doses de propaganda
A cruzada de convencimento das massas na retaguarda da guerra foi realizada em várias frentes. A sala de Ultramar, estrutura paralela à EN, produzia informação com destino às províncias: «Ao arrepio de tudo que já se estudara e experimentara quanto à forma de comunicar, os redactores da sala de Ultramar “fabricavam” horas seguidas de informação, as mais das vezes obsoleta, sem o mínimo de condições de redacção áudio, na sua maioria alienantes e com uma componente futebolística máxima no pressuposto de que toneladas deste tipo de matéria iriam massificar as Massas, satisfazê-las e mantê-las calmas e aderentes»(4).
Enquanto de África chegavam, até Portugal, as crónicas de Ferreira da Costa, os estrangeiros ouviam a “Voz do Ocidente”. As emissões de Onda Curta propagavam ainda, em língua espanhola, francesa, inglesa, alemã e italiana, e num breve resumo de informações e comentários a ideologia do regime, defendendo a legitimidade das ofensivas militares.
Apesar da introdução das línguas nativas, para tornar a mensagem propagandística mais compreensível pelos africanos, a utilização da língua portuguesa em Moçambique subiu de 67,9%, em 1966-1967, para 79,9%, em 1972, ao passo que as nativas desceram, no mesmo período, de 11,8% para 7%, uma percentagem que, de acordo com Eduardo de Sousa Ferreira, não deverá ser muito diferente das outras colónias(5).
Em Malange, Angola, as crónicas de guerra sublinhavam os preconceitos do regime: “Por informações recebidas de indígenas fiéis à pátria portuguesa”, relatava Pitta Groz Dias, “sabia-se que alguns milhares de bandoleiros, aliciados pelo comunismo à prática dos mais aviltantes actos de banditismo, haviam abandonado as suas sanzalas (…) Seguindo os seus métodos usuais de traição e cobardia, os bandidos praticavam nas referidas zonas, as maiores crueldades e as mais revoltantes atrocidades, sobre os pacíficos nativos, que, fiéis à soberania portuguesa, e orgulhosamente leais à pátria, os não quiseram seguir na senda do crime e da vida fácil da pilhagem”(6).
Cinzentismo
António Jorge Branco afirma que “no 4 de Fevereiro de 61, a Emissora Oficial de Angola (EOA) ficou, em silêncio, à espera de ordens do Governo. Não havia notícias e muito menos reportagem. A reportagem quando havia era oficial – o suposto repórter com a tropa, por exemplo… As coisas não tinham o mínimo tratamento em Angola”(7).
O tom ao microfone era cinzento, reforçado pela rigidez do alinhamento “país-estrangeiro-desporto”. Na EOA, as ordens eram para escrever rigorosamente o que se ouvia da EN, pelo que as notícias começavam com as novidades da metrópole, e só depois se seguiam as de Angola. O noticiário angolano limitava-se (quase) a fontes oficiais, como comunicados do Governo, das Secretarias Providenciais ou dos Serviços Públicos. “A rádio feita em Angola, naquela altura, não sabe nada do que se passa em Angola. Das questões de fundo, não sabe. Mas não vai a uma aldeia de negros saber como é a vida deles. Não tenta saber o que está a acontecer na guerra. Não pode. Não a deixam. Não a deixariam”(8).
A emissão, através da Onda Curta, ao longo de 16 horas diárias, era constituída pelo envio de diversos programas para as 29 estações de rádio das colónias, através dos Serviços de Intercâmbio. Além destas, as emissões directas, como a “Hora da Saudade”, destinadas às famílias dos militares e tripulações das frotas bacalhoeiras, completavam a estratégia propagandística do regime.
Pelo Natal, os militares enviavam mensagens de boas festas, obedecendo ao mesmo modelo: “Para Manuel Alves em Coruche vai falar seu filho Alves. Para meus pais, esposa, mano e restante família e amigos com votos de feliz Natal e bom ano novo com muitas felicidades (…). Para António Vieira Lopes vai falar seu filho Augusto. Para meus pais e restante família, amigos, madrinha de guerra com votos de feliz Natal, ano novo com muitas felicidades (…) Para Vila Nova de Ourém vai falar o seu filho Mário. Para meus pais, irmãos, restante família, amigos, com votos de feliz Natal, bom ano novo com muitas felicidades".
Arejamento
A consciência político-social dos que vinham de Portugal permitia, excepcionalmente, dentro do sistema, desagravar a carga propagandística. “De vez em quando”, conta António Jorge Branco, “havia certas notícias, que vinham de noticiários da EN, que eram tão propaganda, tão propaganda que eu esquecia-me de as escrever. Ao menos não eram lidas em Luanda”(9). Outras vezes, omitiam-se algumas notícias.
No final dos anos 60, houve algumas tentativas no sentido de refrescar a rádio, com uma postura mais descontraída e menos formal, na locução. Por seu lado, o ténue arejamento, ao nível de conteúdo, começou com a chegada de alguns jovens, como António Macedo, Artur Queiroz, Emídio Rangel, Jorge Perestrello ou Manuel Fonseca.
Os censores, tal como os profissionais brancos que ali tinham crescido e vivido, nem sempre compreendiam as mensagens subliminares das canções de intervenção. “Ao fim de cinco meses de se passar “Venham mais cinco”, aparecia um papel a dizer que era proibido passar aquele disco. Então começava a passar-se Sérgio Godinho e acontecia o mesmo, pelo que a censura não tinha efeito. Eles eram incapazes de perceber”(10). Como resultado, alguns dos músicos proibidos – José Afonso, José Mário branco, Adriano Correia de Oliveira – eram ouvidos em Angola.
(1) Quantidade que deverá estar subavaliada, devido às fugas ao imposto e ao pagamento da taxa. “O fim de uma era: o colonialismo português em África”, pág.191. (2) Idem, ibidem. (3) Idem, pág. 194. (4) Op. Cit., pág. 12. (5) Idem, pág.198. (6) A.H. RDP. R.C.de Malange. 1961. (7) Entrevista a António Jorge Branco, Lisboa, 14/07/1997. (8) Idem. (9) Idem. (10) Entrevista a Carlos Brandão Lucas, Lisboa, 15/08/1997.
Etiquetas: Dina Cristo, Ensaio, Rádiotelefonia de sessenta VII
0 Commentarios:
Enviar um comentário
<< Página Inicial