terça-feira, 21 de junho de 2011

Rádiotelefonia de sessenta II


Nesta segunda parte, abordamos a rádio nacional e os grandes acontecimentos da década.

Texto e fotografia Dina Cristo

Em 1958, ano de eleições presidenciais, o regime estremeceu pela primeira vez aos olhos da comunidade internacional. Em Portugal, a população mostrou a sua adesão ao candidato da oposição.
Na tarde em que Humberto Delgado regressou do Porto, em campanha, a EN emitiu o aviso de que seriam reprimidas quaisquer manifestações na chegada de Delgado a Lisboa, acabando por gerar uma demonstração de apoio ao candidato que ousara afirmar que demitiria Salazar, caso fosse eleito.
No discurso sobre o acto eleitoral, Salazar não ocultava a ‘traição’ do seu antigo coadjutor: «Não fazemos apelo à violência, não diminuímos ninguém e a todos queremos prestar justiça, pois agora teremos de pacientemente varrer a sementeira de ódios com que por acto de outrem a atmosfera do país se envenenou»(1).
Já exilado, no Brasil – onde se refugiou após o ‘acto eleitoral’, perante uma prisão iminente – Humberto Delgado emitiu um apelo clandestino à resistência contra o regime opressor: «(…) Quem vós considerais o vosso presidente eleito? Eis-me a tantos milhares de quilómetros, a dirigir-vos a minha oração de fé, do futuro próximo, a exortar-vos a que vos unais e saibais resistir ao despotismo pelos meios adequados»(2).
Em 1959, no âmbito de uma nova campanha eleitoral, desta vez para a Assembleia Nacional, o Rádio Clube Português emitiu uma sessão de propaganda da União Nacional no Porto, durante mais de uma hora. Os três intervenientes, Irene Leite Costa, Jorge Botelho Moniz e Marcello Caetano, defenderam com vibração os argumentos em prol de uma tese governamental.
A primeira candidata expôs as vantagens do interesse da Nação e independência dos deputados, elogiando o Presidente do Conselho: «(…) Salazar esse estadista de génio que criou novos rumos aos destinos da pátria e nos dá a todos o exemplo de como devemos servi-la»(3). O segundo, falando de improviso, ironizou sobre a oposição, exaltando a juventude portuguesa, exortando à continuação da luta: «Lutemos, lutemos sem descanso, lutemos unidos, porque só unidos podemos vencer. Lutemos por Portugal, lutemos por Salazar»(4).
Por último, na intervenção de encerramento, Marcello, Ministro do Interior, sublinhou que o seu voto exprimia gratidão, confiança e admiração por Salazar, a quem se deve a prosperidade de Portugal, afirmando que «(…) o país necessita para a conservação da sua integridade territorial, para a conservação da sua unidade moral, para a resolução dos seus problemas vitais, de que continue banido da nossa vida pública o espírito de partido (…)»(5).
No primeiro ano da década, Madagáscar, República do Congo, Catanga, Federação do Níger, Costa do Marfim, Chade, África Central, Chipre e Mauritânia tornaram-se independentes, mas a rádio calou-se. Contudo, a Rádio Conakry abria os olhos dos guineenses: «(…) Eu vos digo estes dois homens de valor Presidente Seco Turé e Dr. Krumah estão lutando pela independência da África, a África tem de ser livre, e ela terá de ser livre de qualquer maneira. (…) mas julgo [que] hoje em dia chegou a emancipação da África, toda a África está no seu apogeu, devemos todos lutar pela libertação da África, para todos nós ficarmos livres (…)»(6).
Em relação aos acontecimentos explosivos de 1961, que agitaram a política nacional, a rádio, apesar de em muitos casos não ocultar os acontecimentos, serviu aos ouvintes uma informação com apenas um ponto de vista: o do Governo. A EN, em especial, assumiu o seu papel propagandístico, para o qual havia já sido preparada legalmente, na década anterior, fazendo amortecer o embate da oposição interna e externa.

Santa Maria

Em 1961, Henrique Galvão concretizou o assalto e desvio do Santa Maria, navio que levava a bordo 600 turistas e 370 tripulantes, conseguindo chamar a atenção da opinião pública internacional para o regime português. Em Portugal, o paquete-pérola português era objecto de cuidado dos homens da informação. De uma programação prevista emitir entre as 7h e as 24h, com dez blocos informativos diários, a emissão da EN tornou-se ininterrupta logo no segundo dia do assalto ao paquete, prolongando-se por vários dias, num total de 140 horas suplementares(7). Entre as alterações da estrutura informativa destacaram-se a cobertura de Artur Agostinho, no Recife, como enviado especial, as crónicas de Ferreira da Costa e os comentários de jornalistas e pessoas da vida pública nacional, bem como um programa especial, “Verdades e mentiras sobre o caso de Santa Maria”.
No dia 29 de Janeiro, chegaram ao aeroporto de Lisboa, seis tripulantes feridos: «Senhores ouvintes, se posso transmitir-vos uma primeira impressão deste feliz regresso destes portugueses, que viveram a perigosíssima aventura, será a sensação de tranquilidade, paz, de conforto, que se espelha nas suas fisionomias. Graças a Deus, eles estão sãos e salvos em terra portuguesa, onde acabam de regressar. Nós estamos solidários com a sua felicidade, assim como estamos solidários com os riscos e com os perigos que ainda correm os outros tripulantes, assim como os passageiros que ainda estão a bordo do Santa Maria»(8).
Logo após, foram abordados alguns tripulantes de forma a esclarecer os ouvintes acerca da aventura que haviam acabado de viver. Carlos Alberto Carvalho afirmou a inevitabilidade da rendição, quer por parte dos passageiros, cheios de terror, quer do comandante, coagido por armas. Uma intimidação negada por Henrique Galvão, no seu diário de bordo, em que anuncia a excessiva condescendência, que o havia até perturbado(9).
Artur Agostinho transmitiu a chegada do navio, no dia 16 de Fevereiro desde a expectativa inicial e emoção do momento até ao êxtase final: «Os portugueses unem-se em torno de Portugal, é Portugal que aqui está, senhores ouvintes, gritando ‘sim’ a Salazar, são na verdade, senhores ouvintes, dois espectáculos diferentes. De um lado, o Santa Maria na sua silhueta inconfundível acostado ao cais de Alcântara, os seus tripulantes, a sua gente, depois de uma odisseia vivida tragicamente, mas agora encerrada com alegria pelo regresso feliz ao seu lar. Do outro lado, em terra, toda a gente para aclamar Salazar. Abrem-se muito a custo pequenas alas e adivinha-se que o presidente do Conselho irá aparecer do outro lado da gare de Alcântara, na entrada principal, onde o público não desiste de o aclamar, de o saudar, de lhe manifestar a sua unidade indestrutível, a sua confiança, a sua fé inexcedível nos destinos de Portugal (…)»(10).
Apesar da brevidade da alocução de Salazar – “Temos o Santa Maria connosco. Obrigado, portugueses” – a manifestação terminou com os vivas ensaiados pelos animadores, que incitavam a multidão a repeti-los, ao que esta respondeu gritando, numa vibração apoteótica: “Salazar”, “Viva Salazar”, “Nós queremos Salazar”, “Nós queremos a paz”.
O Rádio Clube Português emitiu a primeira notícia, no dia 24 de Janeiro, às 2h12m, desenvolvendo, a partir daí, um trabalho consecutivo de 270 horas, distribuídas por turnos de redacção, locução e reportagem, envolvendo mais sete funcionários e outros três em contacto com entidades de informação, no exterior. Além dos serviços normais de noticiários, o RCP transmitiu mais de vinte outros extraordinários, por dia, chegando a interromper programas e a enquadrar as suas reportagens com entrevistas a membros do Governo.
O programa “Meia-Noite” iria relembrar o acontecimento no final do ano, em revista: «Dia 23. Anuncia-se que no mar das Caraíbas, um grupo chefiado por Henrique Galvão apoderou-se do paquete Santa Maria. Foi morto a tiro o terceiro piloto, João Nascimento Costa, e ferido gravemente o praticante oficial, José António Lopes de Sousa. Este caso provocou em todo o país a maior excitação. Entretanto, em São Paulo, Humberto Delgado dizia que foram ordens suas que levaram à apreensão do paquete português»(11).
Na Rádio Renascença, o Santa Maria foi especialmente tratado no “Diário do Ar”, magazine dedicado à reportagem e à informação, desde 1959.


(1) Arquivo Histórico RDP. EN 1958. AHD 10584. Faixa1. Extracto 8. (2) Idem. Faixa 3. Extracto 1. (3) Idem. RCP 1959. AHD 13543. Faixa 1. Extracto 1. (4) Idem. Ibidem. Faixa2. (5)Idem. Ibidem. Faixa 3. (6) AOS/CO/UL – 35, pasta1, pág.24/25. (7) R&T. 11/02/1961, pág.10. (8) AH RDP. 29/01/1961. (9) História Completa de Portugal, pág.130. (10) Idem. AHD 1922. Faixa 3. (11) AH RDP. RCP. 31/12/1961. AHD 13538.

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