sábado, 25 de setembro de 2010

A Ciência da Polis V


Fórum de Conímbriga

Nesta quinta parte propomos o Código Deontológico do Político e analisamo-lo à luz do verdadeiro poder e necessidades humanas.

Texto José Luís Maio fotografia Dina Cristo

Art.º 1º – O político terá de reconhecer e exigir o valor, a respeitabilidade e a igualdade fundamental de cada ser humano, daí decorrendo a noção de um todo participado pelas unidades que o constituem.
Art.º 2º – O político terá de encarar o seu trabalho, estritamente, como um esforço altruísta e desinteressado – abdicando das conveniências, comodismos e vaidades pessoais, em prol do contributo para o Bem Comum.
Art.º 3º – O político não deve sequer considerar a possibilidade de exercer um cargo governativo ou de direcção como uma forma de preencher e melhorar o seu curriculum pessoal ou de ampliar a sua fortuna material – devendo, nesta esteira, ser criados, cumpridos e aperfeiçoados os correspondentes mecanismos institucionais de controlo.
Art.º 4º – O político terá de evitar um certo tipo de frieza que, eivada de pretensiosa superioridade, tem como efeito a incapacidade de se identificar com qualquer anseio colectivo.
Art.º 5º – O político não deve recusar prestar a sua colaboração numa actividade governativa pelo facto de ser mais bem pago numa outra profissão, excepto quando discordar da orientação vigente (devendo neste caso justificá-lo e sugerir, fundamentando, alternativas), por se reconhecer menos capaz para desempenhar aquelas funções, ou por estar empenhado noutra esfera de trabalho que igualmente concorra para o progresso da Comunidade.
Art.º 6º – O político deve evitar a demagogia fácil ou a reprovação leviana e primária e pautará a sua intervenção por um elevado grau de exigência ética.
Art.º 7º – O político (esteja na governação ou posicionando-se como alternativa) deve executar ou propor as medidas mais convenientes à realização de valores mais elevados e globalizantes, mesmo correndo o risco de ser mal interpretado por alguns – ou muitos –, numa interpretação imediatista ou superficial.
Art.º 8º – O político deve evitar uma excessiva susceptibilidade às críticas (sem, ao mesmo tempo, incorrer num processo de autismo), não valorizar demasiado um julgamento imediatista, tendo especialmente em conta o regime democrático (em si mesmo generoso, digno e cheio de virtualidades ainda por desenvolver), no qual está não só dependente de resultados eleitorais como, também, condicionado pela força da opinião crítica dos meios de comunicação social e pressionado pelos diversos grupos que integram o tecido social, com as suas diferentes perspectivas e os seus diferentes interesses.
Art.º 9º – O político deve saber explicar serena e lucidamente as suas opções, substituindo o populismo fácil e demagógico pela necessidade de que todos compreendam a dificuldade das escolhas, quando nelas se tem de sacrificar alguma coisa, o que sempre acontece.
Art.º 10º – O político deve ponderar respeitosamente os interesses particularizados ou sectoriais e, dentro de princípios de justiça relativa, concatená-los da forma mais correcta e equilibrada possível, tendo presente que, onde se tem de distribuir bens ou recursos quantitativamente relativos, não pode deixar de haver abdicações relativas.
Art.º 11º – O político deve considerar que a função governativa não se esgota com a tomada de decisões e sequente aplicação de medidas concretas, no uso de um poder de autoridade, devendo estas ser ideal e substancialmente complementadas pela apresentação de propostas de verdadeiro progresso – assentes na solidariedade activa e voluntária, numa ampla fraternidade, numa ética feita de inegoísmo pessoal ou grupal – que sejam deixadas à consideração íntima dos cidadãos e à sua livre escolha individual.
Art.º 12º – O político deve exercer a filantropia generalizada, inteligente e continuada, em vez da pequena e ocasional caridade esmoler.
Art.º 13º – O político deve assumir inequívoca e objectivamente o grande objectivo da gradual mas progressiva integração e solidária unificação entre os diversos estratos populacionais que constituem a nação e entre as diversas nações que constituem a Terra, o que implica, necessariamente, o esbatimento do desnível entre os privilégios de uns e as privações de outros, de classes económicas e sociais, de nacionalismos separatistas e antagonismos de toda a espécie.

Política sem poder
Como um dia disse uma grande mulher, “negamos a mínima intenção de sugerir desrespeitosamente ideias àqueles que são tão sábios que recusem uma sugestão”.
A liberdade humana é um fim ou objectivo a atingir, nunca um meio para o que quer que seja, como generalizadamente se pensa. Apesar dos conceitos “livre”, “liberdade para…”, etc., poderem iludir-nos de que somos livres para agir de acordo com os desejos, sentimentos e pensamentos que nascem em nós, ou que nos envolvem e influenciam, nomeadamente os de baixo cariz – e que aqui designamos por consciência inferior, inteligência passiva/reactiva, própria do quaternário inferior (por consistir em quatro veículos, mente inferior, corpo emocional, duplo etérico e corpo físico, por ordem decrescente de frequência vibratória, ou do mais espiritual para o mais material) –, somente de um modo somos, de facto ou permanentemente, livres: quando a nossa consciência está sintonizada com um dos níveis da tríade superior, atma-buddhi-manas, a trindade divina no Homem, expressão da Unidade – ou “Espírito”, “Essência Eterna”, “Centelha Individual do Fogo Universal” – no mundo manifestado. Somos tanto mais livres quanto mais os outros o são e vice-versa. Trata-se, pois, de uma questão de reciprocidade. E se, para obter algo, tivermos que dele privar outrem, em vez de livres, tornar-nos-emos escravos do desejo de possuir esse algo. De outra forma essa liberdade não faria qualquer sentido, pois, por via dela, acabaríamos submetidos às coisas, aos fenómenos e aos seres, em vez de enraizar e fortalecer no nosso íntimo o auto-domínio e o controle das situações, mesmo as mais desesperantes. A liberdade, a verdadeira, nunca conduzirá à escravidão. Em rigor, é o livre-arbítrio (a “liberdade de acção”) que nos conduz à dependência destruidora ou à liberdade (à libertação das escravidões de todo o género, da dor e do sofrimento).
Face a esta realidade, só os políticos com aspiração pura e ardente e vontade inquebrantável e constante de servir o Bem Comum aceitarão fazer um verdadeiro pacto – ou contrato – com as comunidades que, com (e por) todos os condicionalismos que as afectam, são o único móbil da sua acção esclarecida, competente e filantrópica. Deixarão assim de fazer qualquer sentido, por obsoletos e fomentadores de separatismos anacrónicos, quaisquer pactos que visem lucros, vantagens e prebendas eticamente ilegítimos, exclusivistas e manchados por delírios inconfessados.
Actualmente, todos sabemos de certos acordos de conveniência, falaciosamente chamados “de regime”, feitos entre partidos políticos em que a unanimidade parlamentar (em rigor, unanimismo, símbolo de passividade e omissão da maioria dos deputados, por interesse, em vez de unanimidade, isto é, deliberação activa de todos eles, por razões lúcida e devidamente ponderadas e conscientemente assumidas) – que deveria imperar nas matérias verdadeiramente decisivas, nucleares e de profundidade e dignidade inquestionáveis para o desenvolvimento e realização dos cidadãos – só acontece nas deliberações sobre matérias inócuas (estéreis) e iníquas (perversas), sem real benefício para todos.
Trilogia essencial
Em que matérias de cariz verdadeiramente essencial para o Bem Comum deveria haver unanimidade parlamentar – e a consequente acção governativa? Toda a gente o sabe, excepto os membros dos poderes legislativo e executivo (1): pão, habitação e educação – que conduziria à saúde física, anímica e espiritual, isto é, à realização do equilíbrio integral dos indivíduos e das sociedades. A força política que tiver como imperativo categórico a realização deste programa é de esquerda, é de direita ou é do centro? É democrática ou republicana? É conservadora ou reformista? É liberal ou ecologista?... Responda quem souber! A aparentemente redutora trilogia pão, habitação e educação só o é, de facto, na aparência.
O pão é, não só, físico mas, principalmente, espiritual(2). O alimento com que os seres humanos ficam real e prolongadamente saciados é, sem dúvida, o supra físico. Todos os indivíduos, sem excepção, que viram saciada a fome do conhecimento e da adveniente sabedoria que os levou a percorrer os “mares nunca dantes navegados” da vida espiritual são adeptos da frugalidade do alimento para o corpo físico. Qualquer pediatra competente ensina-nos que uma atmosfera de amor, tranquilidade e segurança que as crianças recebem dos seus progenitores é o alicerce realmente estruturante, a verdadeira pedra angular, na construção de um corpo físico enérgico e saudável e que a componente dietética é secundária (não confundamos com desnecessária). Como sabemos, a palavra “dieta” é de origem grega. A propósito, nunca nos devemos esquecer de que o grego é a língua sagrada (no sentido de espiritual, radical, nuclear) do ocidente. Assim, diaita, “dieta”, significa “género de vida”. Ora, parece não ser necessário perdermos muito tempo em avaliar a qualidade da existência de alguém que passa a vida à mesa ou a pensar excessiva ou exclusivamente nos prazeres da mesa.
De igual modo, a habitação possui um significado espiritual. É sem dúvida importante a casa material – de argamassa, ferro e tijolos – que habitamos, sem a qual é posta em causa e negada a dignidade de todos os cidadãos. A nossa própria Constituição, no seu artigo 65.º, consagra o direito à habitação para todos. Mas de que servirá essa habitação física, visível, se a morada que a nossa consciência habita for indevida ou caoticamente – isto é, não hierarquicamente – construída? O novo conceito de saúde é pautado por uma perspectiva holística, integral, global, segundo a qual o todo é mais do que a soma das suas partes. Para Albert Einstein, "o ser humano vivencia-se a si mesmo, os seus pensamentos, como algo separado do resto do universo – numa espécie de ilusão de óptica da sua consciência. E essa ilusão é um tipo de prisão que nos restringe aos nossos desejos pessoais e ao afecto apenas pelas pessoas mais próximas. A nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compaixão, para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza na sua beleza. … Lutar pela sua realização já é, por si só, parte da nossa libertação e o alicerce da nossa segurança interior".
Como foi referido no final do primeiro trabalho desta série, há uma hierarquia septenária de planos de ser e de consciência que constituem a entidade humana. A correcta hierarquização desses sete princípios é fundamental para a saúde e equilíbrio de todo e qualquer indivíduo. Assim, por exemplo, se pensarmos que o nosso princípio emocional, passional ou de desejos pessoais e egoístas é mais valioso que o nosso princípio mental ou mesmo intuicional, em vez de fazermos um esforço para nos aperfeiçoarmos e sermos efectivamente agentes de concórdia, pacificação e harmonia social, continuaremos a agravar as nossas doenças psicossomáticas e, como um vírus ou miasma “psíquico” contagioso, a contribuir para o alastramento da demência patológica da sociedade em cujo seio vivemos.
Finalmente, temos a educação. Para cada vez mais autores e pensadores ’Educação' vem das raízes latinas 'e' (significando 'para fora'), mais 'ducere' (significando 'conduzir' ou 'trazer'). Assim sendo, 'Educação' significa, literalmente, revelar o que está dentro do estudante. A instituição que tenta impor conhecimento de fora para dentro está a perverter os objectivos da Educação.
Platão comparava a acção pedagógica a um parto, e o parteiro (o mestre) é o agente que estimula a parturiente (o discípulo) a “dar à luz”, a exteriorizar, o “filho” (a sabedoria, a inteligência e a vontade superior) que traz dentro de si.
Este problema multimilenar é de muito simples resolução. Aliás, a solução já foi suficientemente discutida e dada há muitos séculos. Basta alterar a relação entre o professor e o aluno. Em todas as épocas e civilizações em que são a ignorância e o correspondente despotismo a ditar as regras, o conhecimento é unicamente transmitido pelo professor (activo) ao aluno (passivo), de fora para dentro, do exterior para o interior (vindo dos outros, “violentamente”, sem a natural adesão e entusiasmo do destinatário).
Por que razão se terá generalizado a ideia de que qualquer actividade profissional que a escola e o estudo nos proporcionam é diferente de outra actividade, seja desportiva ou artística? Serão, por acaso, os pais ou os técnicos e profissionais que impõem aos filhos e educandos as modalidades desportivas ou áreas artísticas que estes praticam com plena e feliz motivação e realização? Salvo as excepções que desafortunadamente ainda ocorrem, em que, também aqui, a imposição dos “adultos”(?) verga e oprime a alegria espontânea das crianças e as transforma nos cidadãos desequilibrados e infelizes do futuro, todos nós conhecemos a resposta.
Sobre este assunto, verdadeiramente decisivo para todos e cada um de nós, pois dele depende o “paraíso” (a felicidade, a realização e a paz) ou o “inferno” (o sofrimento e a guerra) que somos capazes de construir, falaremos com mais detalhe posteriormente.


(1) Embora possa parecer despropositado referir aqui, a um outro poder – de grande influência ainda hoje e “que oprime as consciências” – cabe grande parte da responsabilidade pela (e perdoe-se-me a repetição) “apagada e vil tristeza” em que jazemos: o poder clerical. Aparentemente à margem da evolução, ou involução, a sua acção no seio das sociedades merece uma séria reflexão. Talvez um dia isso aconteça. (2) A noção de espiritualidade aqui referida nada tem a ver com as múltiplas formas ou tipos de teologia que induzem nas pessoas modos de existência que, ao fim e ao cabo, apenas servem para as tornar ignorantes, servis, egoístas e idiotas. Tem, sim, a ver com o que é essencial, importante, verdadeiro, central, principal, ou nuclear, como acontece, por exemplo, quando se usa a expressão “o espírito da lei”.

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