quarta-feira, 2 de junho de 2010

Portugal SA


Num momento negocial da PT e de vulnerabilidade económico-financeira do país, editamos um artigo, publicado em Março de 1993, no jornal do Gabinete do INE Norte, "O INtEndido"

Texto Fernando Pinto Basto fotografia Dina Cristo


Nos últimos anos a ideologia neoliberalista preconizou para as empresas um modelo de custo-beneficio que seria o padrão único de medida da sua eficácia. Como são as multinacionais quem mais ordena neste sistema, os Estados foram-se, com maior ou menor descaramento, submetendo à sua lógica. Temos agora instalado no nosso país uma coligação de duas minorias (caso não se tivessem apercebido, só esta santa aliança lhes permite o cumprimento dos deveres conjugais assumidos no casamento com a Pátria) que vai tentando estabelecer uma governação baseada em lógicas empresariais, ainda assim longe do pretendido pela nata empresarial nacional; conforme se devem lembrar, 40 ilustres empresários foram entregar (em 1992) ao governo uma petição para que fossem acautelados os seus interesses que são - como todos sabemos os da Nação.
Que acto nobre! Que dignificante! Que nacionalismo exacerbado!
E no entanto, nesses signatários estava um empresário que meses antes tinha vendido a Telecel (lembram-se, uma empresa nacional com lucros?) à multinacional Vodafone. E assim nos tornámos patrocinadores do Manchester United e da Ferrari. Uau! Que bom fazer parte das vitórias do Beckham e do Schumacher! Está bem, dirão os mais cépticos, mas foi só um entre quarenta! Dou-lhes mais um exemplo: a recente venda de parte das acções de um banco nacional aos espanhóis do Santander partiu de livre e espontânea vontade de outro desses empresários.
Questionado sobre esta iniciativa, depois de ter sido um dos signatários da tal petição, a resposta foi, entre outras subtilezas: "subscrevi-a, mas não fui eu que a redigi".
Elucidativo do carácter moral e da ética empresarial que regem as grandes empresas nacionais. As tais que não conseguiram colocar um produto, uma marca que se impusesse com sucesso na Europa e no Mundo (o vinho do Porto não conta, pois estes ainda não eram nascidos e o seu comércio começou a ser feito por ...ingleses).
Nesta história das mil e uma noites, não há Ali-Bábá que nos valha. Com um discurso irresponsável de crise a cobrir todas as suas acções, o primeiro-ministro e os seus acólitos implementaram uma série de medidas draconianas para acabar com o suposto regabofe do governo precedente.
Escolhendo como alvo a Função Pública, trataram de a difamar primeiro aos olhos da opinião pública, para justificar depois todos os meios coercivos utilizados contra tais hereges, começando pela redução da despesa pública como primeva solução para não ultrapassar o sacrossanto défice.
Atente-se no seguinte facto: os trabalhadores da Administração Pública são mais de 600 mil e o Estado é o maior empregador dos recém-licenciados.
Com o congelamento de admissões decretado para este ano e seguintes, e a inevitável reforma de algumas dezenas de milhar de funcionários públicos por limite de idade, parece-me linear o descalabro que irá reinar nas mais diversas áreas do funcionalismo público nos próximos anos: administração local, educação, saúde, justiça, obras públicas, transportes ferroviários e por aí fora. Mas, nada de aflições antecipadas: o primeiro-ministro, homem alertado que é, esteve há uns meses nos Estados Unidos da América (país a quem - como se verificou recentemente - deve maior fidelidade do que a Portugal!) especificamente para convidar os empresários norte-americanos a investir em terras lusas pois "a mão-de-obra é barata" (sic). O nosso drama é que ainda existem melhores escravos (na Roménia, na Índia, nos países asiáticos) e as empresas estrangeiras, que cá estavam, estão a abandonar este oásis cada vez mais árido.
Agora que continua o emagrecimento de instituições onde se quer fazer crer que se tinha emprego remunerado mas não se trabalhava, também o I. N.E. começa a sentir os danos colaterais de tais medidas: não concretização do acordo de empresa, perda de autonomia financeira, não renovação de contratos a termo, diminuição dos prestadores de serviços, aumentos salariais liliputianos e um sentimento de conformismo que levaram à falta de solidariedade e intervenção quando era preciso demonstrar precisamente o oposto a quem nos tutela.
Mas era pedir demasiado a quem já tinha sido instilada uma porção de medo q.b. para não colocar em perigo o ordenado contado no fim do mês, o suficiente para se deixar extinguir uma Comissão de Trabalhadores. Agradecidos ficaram aqueles que ainda pensam poder tirar proveitos de uma instituição pública e das suas virtudes privadas, e uma força política que quando esteve no poder, em 1993, teve um ministro das Finanças a dizer que as estatísticas do INE não serviam para nada. E os seus funcionários, ainda servirão?.

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