sexta-feira, 25 de junho de 2010

A Ciência da Polis III

Abordamos nesta terceira parte a sabedoria como pedra angular da construção da cidade ou do Estado.

Texto José Luís Maio fotografia Dina Cristo 

Desde a mais vetusta antiguidade que se debate a justeza dos argumentos apresentados pelos pensadores que se dedicaram à ciência da “polis”.
Se, de todas as formas de estado (timocracia, oligarquia, democracia e tirania) que, ciclicamente, definiram e exerceram as mais variadas políticas dos países do mundo, nenhuma foi capaz de se afirmar perante as suas concorrentes, isso deve-se a algo de realmente profundo e indelével, tanto no âmago das sociedades, como no de cada ser humano: nenhuma foi capaz de servir todos os cidadãos simultaneamente, isto é, de servir verdadeiramente. E, nos breves interstícios em que o poder foi exercido sabiamente, todos os cidadãos foram de facto beneficiados por ele, mesmo que disso não tivessem consciência imediata, pois tais “embaixadores” do espírito – que é unidade na diversidade – agiram de acordo com a Regra de Ouro do hinduísmo, do budismo, do judaísmo, do cristianismo, do islamismo, etc., “Faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti”, posteriormente actualizada por Immanuel Kant com o seu imperativo categórico: "... Age somente segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal" (0), ou ainda de acordo com o ensinamento de Aiax, o Avatar de Síntese: “Ensinai como quem serve, servi como quem dá, dai como quem compartilha, compartilhai como quem festeja, festejai como quem consagra. E, assim, vivei como se o universo inteiro dependesse de cada um dos vossos gestos”(1).
A decadência global do “mundo ocidental”, ocorrida a partir da época clássica grega – por influência dos sofistas e demagogos – até à actualidade, acentuou-se quando o imperador romano Constantino I tornou o Cristianismo religião de Estado e, na sequência disso, a Igreja Católica dominou em absoluto a partir do século IV. E, aqui, vem a propósito e vale a pena lembrar o editorial da revista "Biosofia", nº28, intitulado “Pecados?”, da autoria de José Manuel Anacleto.
A partir do alastramento do império “cristão”, ou da civilização ocidental, todas as estruturas sociais, políticas, económicas e artísticas do mundo dito desenvolvido foram tolhidas pela Igreja e pela ignorância despótica de monarquias e repúblicas por ela dominadas. Como alguém disse, “cinco séculos antes de Cristo construiu-se o Partenon. Cinco séculos depois de Cristo não se sabia construir uma casa”. Isto é, salvo em ocasiões excepcionais, quem ocupou o vértice da pirâmide não foram os mais sábios e íntegros, mas sim a legião de ignorantes, fanáticos, astutos, demagogos e serviçais que, através do esmagamento do “espírito de unidade”, levou a cabo políticas nacionais e internacionais para proveito próprio e de uns poucos. O próprio conceito “religião” foi vituperado, pois o seu verdadeiro fim deveria ser o de “religare” – raiz latina da própria palavra –, isto é, religar ou reunificar a Humanidade através da multiplicidade e diversidade culturais, pois, como se sabe, “a Cultura cresce com a Consciência e reflecte-se na Civilização” (2).
A (des)educação
Os sábios, ou amigos (“filo”) da sabedoria (“sophia”), ou ainda, os filósofos verdadeiros, de todas as eras – cujo único e real desígnio era o “florescimento” e consolidação dos “alicerces” com que se edifica o Bem Comum – nunca deixaram de sublinhar a necessidade do progressivo e paulatino auto-conhecimento do ser humano. Pois este, se, de facto, se conhecesse:
1. responsabilizar-se-ia pelos seus próprios actos, em vez de os justificar com absurdos e incoerências, ou de os endossar ao bode expiatório mais conveniente;
2. sorriria das condenações eternas, na exacta medida com que consideramos injusta e desproporcionada a condenação à pena máxima de um faminto por furto de um alimento, ou à pena mínima de alguém por apropriação dolosa do produto do trabalho de toda uma vida de outrem;
3. jamais usaria títulos académicos ou posições políticas, económicas ou sociais para prestígio pessoal, mas antes para servir o bem comum, como retribuição aos seus concidadãos pelo contributo havido na sua formação;
4. acentuaria a sua natureza tolerante, compreensiva, fraterna e bondosa face à imaturidade e imperfeição humanas, jamais pactuando com a permissividade, com a cumplicidade e com a cobardia perante a astúcia e o erro premeditado, doloso, opressor e vingativo, pois a sua apurada capacidade intuitiva (búdica ou crística) permitir-lhe-ia discernir entre o bem e o mal.
A redução e a adulteração das “ofertas” pedagógicas que nos levam ao conhecimento, à sabedoria, à emancipação, à autonomia, ao discernimento e à libertação dos grilhões da ignorância, do obscurantismo e demais doenças da alma (ou consciência), enquadram-se perfeitamente na estratégia dos agentes do “caos” individual e social.
Vejamos apenas um exemplo. A Filosofia deixou de ser obrigatória no nosso sistema de ensino. Se, por um lado, é possível que alguns professores desta disciplina tão nobre e essencial tenham alguma responsabilidade no facto de ter perdido muito do esplendor e sublimidade que a caracterizam, por outro lado, não resta a menor dúvida de que o principal responsável é o obsoleto “edifício” educativo a que os estudantes logo no início têm sido submetidos.
A origem, ou identidade (Id+entidade, o ser profundo), de cada indivíduo, povo ou nação, é desde os tempos mais remotos o “porto de abrigo” que lhe dá o sentimento de pertença a algo superior (protector) e, portanto, lhe transmite segurança num mundo a todos os níveis desconhecido ou mesmo hostil. O fatal esquecimento do que somos e da nossa verdadeira natureza, que foi violenta e despoticamente segregada pela gangrena da insídia clerical a partir de Constantino, contribuiu para o fatal “virar de costas” próprio da estultícia destruidora do “dividir para reinar”.
A real Filosofia – que é, ao fim e ao cabo, toda a “tentativa intelectual (ou mental) de compreensão do universo”, estando o homem incluído neste universo (o microcosmos integrado no macrocosmos), ou ainda “a apreensão e a expressão da Verdade” – é parte indissociável do ser humano enquanto agente de investigação de todos os fenómenos da Natureza e das causas que lhes dão origem. A sua agonia – perpetrada durante séculos pela infâmia teológica, tanto com a cumplicidade político-partidária da sua guarda-avançada conservadora ou “direitista”, como da omissão e indiferença dos pseudo-revolucionários ou “esquerdistas” – agravou-se com o esvaziamento e esterilização das chamadas disciplinas sociais, científicas e tecnológicas. O espírito inquiridor de todo o indivíduo foi sendo gradualmente apagado pelas superficialidades imediatistas do homem produtor e do homem consumidor de bens perecíveis. Efectivamente, todo o conhecimento, seja científico, religioso, artístico, ou técnico, não progride sem o questionamento profundo que só o pensamento filosófico é capaz de estimular. Não existe absolutamente nada no universo, no céu e na terra, no macrocosmo e no microcosmo, que esteja isento das perguntas fundamentais “porquê?” e “para quê?”. Se o “como”, próprio do conhecimento técnico, tem levado a Humanidade a terríveis catástrofes individuais e colectivas, é porque tem sido desprovido dessa alma filosófica, que aglutina os seres humanos e a vida que os anima numa única Realidade.
Ao retirar-se ao Homem a ferramenta essencial para o surgimento, crescimento e maturação do seu pensamento racional, ou razão – condição sine qua non para a exteriorização da sua efectiva plenitude – manter-se-á ele, para sempre e irremediavelmente, reduzido à condição de escravo servil e de ovelha acéfala que durante séculos vagueou pelos cinco continentes, sob a “cobiça e na rudeza duma austera, apagada e vil tristeza”.
A (des)politização
De todos os sectores fundamentais para que a Humanidade avance rumo ao futuro sonhado por todas as consciências nobres, o primeiro em importância, a real pedra angular de todas as actividades edificadoras do cidadão “global”, é o da política. É o poder político que determina a vida dos seres humanos organizados em sociedade e, em última instância, é ele que condiciona os demais, inclusive o poder económico. A sua sujeição a este último levar-nos-á (como sempre nos levou no passado) ao caos, à anarquia, à obsoleta lei do mais forte (em bestialidade, ignorância, ignomínia e belicismo, não em virtude, amor, sabedoria e inteligência).
Vivemos num tempo de “grandes enfileiramentos, de grandes movimentações colectivas e trabalhos grupais e, por isso, os impulsos político-sociais, condicionantes que são das grandes massas, ganham especial relevância. As ideias, a proclamação e a sustentação dos direitos humanos, das liberdades dos cidadãos e do primado da justiça, o surgimento de importantíssimos países e a … reunificação de outros, a promoção dos chamados direitos económicos, sociais e culturais e a efectivação da santa obra da educação (com a consequente melhoria das condições de vida e elevação das capacidades perceptivas das massas humanas, o que constitui plataforma para mais altos voos), as variadas experiências de modelos político-económico-sociais em diferentes países e regiões, a concepção e o avanço prático de formas de cooperação multinacional que, revelando já uma visão internacionalista, são precursoras da futura Fraternidade (planetária) das Nações, constituem importantíssimos frutos do labor dos que servem nesta área…” (3).
A grande conquista da Humanidade – a integração das nações numa nova ordem internacional verdadeiramente democrática – colide frontalmente com os crescentemente insustentáveis interesses económico-políticos (e não político-económicos, pois os primeiros sucumbem sobre a pressão dos segundos) que insistem em continuar a reduzir os seres humanos a um novo tipo de escravos e a marionetas silenciadas.
Ora, temos perante nós o cenário desta vigorosa marcha colectiva e as correspondentes convulsões planetárias. O futuro, que já é presente – ou vice-versa –, está a criar tremendas e irreparáveis brechas nas “construções de areia” dos demagogos e sofistas, pois nelas está demonstrada a sua incapacidade criadora e beneficamente voluntariosa, assim como a sua indignidade ideológica, em unir as populações num grande projecto nacional/internacional (pois hoje já não é possível separar do Todo planetário as partes que O constituem).
Somente a consistência filosófico-científico-religiosa – nos seus indestrutíveis e reais fundamentos, como 1. a vontade espiritual, 2. o amor/sabedoria e 3. a inteligência criadora e activa, acumulados e comprovados ao longo dos séculos por tantos sábios anónimos (porque humildes, não servis) – permite o acesso ao poder legitimo, aquele que serve para elevar os cidadãos e dar-lhes a oportunidade de “serem em acto aquilo que sempre foram em potência”, isto é, a oportunidade de manifestarem no mundo visível a sua verdadeira natureza de homens e mulheres de incontestada e incontestável integridade e dignidade e, afinal, de Filhos do Divino, progénitos “d’Aquele Acerca do Qual Nada se Pode Dizer”.

(0)In Fundamentos da Metafísica dos Costumes, 1785 (1) In As Novas Escrituras, Vol. II, Centro Lusitano de Unificação Cultural, 1993, 2.ª edição, pág. 105). (2) Sementes do Jardim de Morya e Pérolas de Luz, do CLUC, semente 185. (3) In As Novas Escrituras, vol. II, Mensagens dos Avatares Invisíveis, Centro Lusitano de Unificação Cultural, 1993, 2.ª edição, págs. 15/6

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