quarta-feira, 19 de maio de 2010

Neurocomunicação

Sexta-Feira é Dia Mundial da Comunicação. Para o assinalar dedicamo-nos a um livro que estuda a relação entre as estruturas nervosas e o comportamento. Nele a autora explica como o conhecimento resulta de um processo selectivo daquilo que se reconhece do meio ambiente.

Texto Dina Cristo

A Sociedade de Informação fez aumentar a produção e velocidade de transmissão de dados e implodir o tempo. Enquanto o saber enciclopédico era linear, programado, limpo e preciso, hoje, perante a multiplicação de dados acessíveis através da internet, as novidades estão em inter-relação constante, relativizam-se e evoluem sem ser de forma pré-determinada. A sua apreensão tende a ser mais global mas a favorecer uma comunicação fraccionada, ou seja, fractal, em que as partes têm a mesma estrutura que o todo mas em escalas diferentes – é o caso das novas redes.
Mas os dados, por si só, não geram conhecimento. Este só advém do potencial humano de análise e compreensão, desenvolvido na idade adulta, que resulta da complementaridade proporcionada pelos dois hemisférios. O esquerdo é mais racional, analítico, lógico, explícito, ligado à linguagem verbal, ao conhecimento, ao passado, à planificação da acção. Por sua vez, o hemisfério direito é mais irracional (além da lógica racional, intuicional), sintético (apreende a globalidade e complexidade), implícito (o não dito), relacionado com a linguagem não verbal, a criatividade ou o futuro. É o corpo caloso, composto por cerca de 200 milhões de fibras, que assegura a ligação entre os dois hemisférios.
O cérebro é constituído por milhões de neurónios. Estas células nervosas têm prolongamentos, nomeadamente as dendrites, que captam os estímulos, e os axonas, que dirigem, decidem transmitir ou não, os sinais eléctricos, designadamente para outros neurónios. Cada uma delas tem cerca de dez mil possibilidades de contactos, as sinapses, fluxos electroquímicos, impulsos nervosos em movimento, com um grau de liberdade equivalente a mais de dez milhões de quilómetros.
Existem três grandes áreas cerebrais. O cérebro réptil, primitivo, controla as necessidades fundamentais e é a sede dos comportamentos rotineiros, inatos, automáticos, gestos impulsivos ou estereotipados; é rígido, não tem memória nem capacidade de adaptação. O cérebro límbico, génese das emoções, onde estão os centros de prazer que provocam desejo, facilitam o acesso de informações positivas e inibem as desagradáveis, tem faculdade de memória e aprendizagem; a conduta integra as experiências afectivas anteriores e torna-se mais subtil. O cérebro cortical, sede dos comportamentos inteligentes, mais autónomos, livres (dos instintos e afectos), sede do pensamento (abstracto) adapta-se às situações e possibilita uma resposta diferente, original.
Informação selectiva

As neurociências estudam o funcionamento do sistema nervoso, desde os estímulos às reacções comportamentais. A neurocomunicação estuda a relação entre as estruturas nervosas e o comportamento, considerado discursivo, decisivo e comunicativo. As reacções, internas ou externas, espontâneas ou reflexivas, resultam de um filtro selectivo, que se manifesta na percepção e interpretação, decorrentes do estímulo inicial.
Os estímulos podem ser caracterizados, por exemplo, pela intensidade ou sensação que provocam; no caso dos neurónios é a sua excitação que liberta neurotransmissores. De uma forma geral, podem ser quantitativos ou qualitativos, temporais (auditivos) ou espaciais (visuais). A sua percepção, desenvolvida até à idade adulta, através dos sentidos, permite ao sujeito a tomada de consciência do meio ambiente.
A percepção dos estímulos depende de filtros, que reconstroem o que é recebido pelos sentidos. Grande parte deles não é detectada devido a selecções mentais, afectivas, físicas, sociais, culturais, por exemplo, que delimitam o universo sensorial acessível. A fadiga, o desinteresse, a falta de atenção e/ou de motivação são também fechaduras perceptivas. Pelo contrário, a curiosidade facilita a percepção aguda dos fenómenos circundantes.
Os receptores sensoriais só captam, pois, uma parte da informação do ambiente: aquela que é compatível com a natureza do filtro: «(...) nós percebemos o que nós procuramos perceber (...)»1, defende Lucienne Cornu. Trata-se, portanto, de um conhecimento que reflecte o estado emocional: «A percepção é muito mais uma escolha, mais ou menos consciente, do que um facto objectivo»2. Daí o preconceito, ou seja, a representação do mundo, antecipada, pessoal e singular, sob influência, designadamente, das esperanças e intenções.
O segundo processo de tratamento informativo, a interpretação, é simbólico e refere-se à atribuição de significado, de acordo com as próprias referências e memória de experiências passadas: «Nós temos tendência de “ver” com a nossa memória antes mesmo que com nossos olhos»3, afirma a autora.
Os sistemas vivos são constituídos por massa, energia e informação. Esta divide-se em dois tipos: a circulante, variável, captada, como vimos, por estruturas de recepção, e a estrutural, constante, que dá forma ao organismo e mantém a sua estrutura. Contudo, «Todo o ser necessita de intimidade, mas também de comunicação»4, lembra a especialista. Para sobreviver, o organismo precisa de satisfazer uma necessidade vital: comunicar, estabelecer trocas entre o meio interno e externo, num sistema aberto, com laços dinâmicos, em intercâmbio. Assim, temos dois aspectos: por um lado o digital, o conteúdo concreto, e por outro o analógico, relacional, a comunicação não verbal e a paracomunicação.

1 CORNU, Lucienne – Neurocomunicação – para compreender os mecanismos da comunicação e aumentar as competências, Editora da Universidade de Caxias do Sul, 2004, p.63; 2 Idem, ibidem; 3 Idem, ibidem; 4 Idem, p.25.

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