quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Árvore de Natal


Próximo do Natal, concentramo-nos no significado de um dos símbolos mais usados: a árvore.

Texto João Gomes* fotografia Dina Cristo

«Toda a vez que encontres nos nossos livros, uma narrativa cuja história te pareça impossível, um conto que é repugnante tanto à razão como ao senso comum, tem então a certeza que a parábola contem uma profunda alegoria, velando uma misteriosa e profunda verdade e, quanto mais absurda é a letra, mais profunda é a sabedoria do espírito.»
Moisés Maimonides -Teólogo Judeu, médico, historiador, talmudista e filósofo (1135-1205).
Todos os anos, por altura do Solstício de Inverno, celebramos o nascimento do deus menino, o salvador da humanidade sofredora. Muito poderia ser dito acerca desta criança divina, deste sol espiritual que deverá, mais tarde ou mais cedo, emergir em cada um de nós para nos salvar, para nos libertar, para nos emancipar. Todavia, não é este o âmbito deste trabalho, fica talvez, para uma próxima oportunidade.
Um dos elementos simbólicos mais poderosos da quadra de natal é, seguramente, a árvore. Não há casa, não há lar, por mais modesto que seja, que não tenha a sua árvore de natal, alegrando e encantando os nossos e os corações das crianças, com as suas tímidas e volúveis luzes.
A árvore é já por si só, na dimensão simbólica, um mundo. Encontramo-la em inúmeras tradições mitológicas e religiões. Logo nos primeiros capítulos da Bíblia, no Jardim do Éden, deparamos com a referência a duas árvores especiais: a da vida e a da ciência do bem e do mal. Foi a ingestão dos “frutos” desta que tornou o homem um deus. Encontramos no Génesis, depois do episódio da queda de Adão e Eva, o seguinte: “O Senhor Deus disse: «Aqui está o homem, que pelo conhecimento do bem e do mal, se tornou como um de nós.»”
[1].
O episódio relata simbolicamente o despertar da mente no ser humano. A fruta da árvore representa o intelecto. É a mente que nos permite distinguir o bem do mal e fazer ciência. Uma criança, um animal, que têm a sua mente ainda imatura e infantil, não estão prontos para discernir o bem do mal. Por outro lado, o despertar da mente permitiu também ao homem criar cultura, as “túnicas de pele”, referidas no texto sagrado[2], são uma personificação dessa capacidade.
Por sua vez, na vida de Buda, os acontecimentos mais importantes ocorrem debaixo de árvores. Ele nasce no jardim de Lumbinî
[3], debaixo de uma enorme árvore sâla. Atinge a iluminação sentado em meditação sob a árvore de boddhi[4] e desencarna, no bosque de Upavattana, deitado à sombra de duas árvores gémeas sâla[5].
No cap. 15 do Bhagavad Gittâ (sagrada escritura hindu) vem descrita a árvore Ashvatha (ficus religiosa), cujas raízes se encontram viradas para cima e a copa para baixo. Esta árvore invertida simboliza o Universo nas suas duas dimensões: a metafísica e a material. As raízes ligadas ao céu, personificam os mundos espirituais que alimentam a árvore – é o espírito que anima a matéria e lhe dá vida. A copa, dirigida para baixo, representa o plano material, as esferas mais “baixas” e mais densas. Diz-nos o versículo 3: «Não se pode perceber a verdadeira forma desta árvore, ninguém pode compreender onde ela acaba, onde começa, ou onde se alicerça.»
Tendo dado uma panorâmica mais alargada da simbólica da árvore, vamos agora focalizarmo-nos no simbolismo da árvore de natal. Em primeiro lugar, tal como Ashvatha, a árvore de natal, corporifica o nosso Sistema. O Sistema Solar na sua dimensão física e espiritual. A parte mais larga, a base da árvore, personifica os mundos mais densos e mais materiais; a secção mais estreita representa as esferas mais elevadas e espirituais. Encimando a árvore encontramos a estrela que simboliza o Logos, a Divindade Suprema do nosso Sistema: Deus dos cristãos, Allah dos muçulmanos; Ishvara dos hindus e Amon-Rá dos antigos egípcios. Penduradas na árvore colocamos as bolas coloridas, que corporificam os astros e os planetas. Enrolando à volta da árvore penduramos as luzinhas que representam as estrelas cintilantes que iluminam o céu. Completamos algumas vezes o quadro, prendendo anjos, fadas e gnomos, que personificam as Hierarquias Criadoras. A árvore torna-se assim um microcosmo, um reflexo do Cosmos em que “vivemos, nos movemos e temos o nosso ser”.
Ela representa em última análise, a unidade da vida, a unidade de todo o organismo vivo cósmico. Nada está morto, tudo pulsa com a vida divina. Do mais gigantesco astro à mais ínfima partícula subatómica tudo está prenhe do Espírito Santo.


* Teósofo e holista

[1] Génesis 3. 22. Repare-se na utilização do prenome plural “nós”(3) em vez do singular. Em rigor, não é Deus, o Senhor Supremo do Sistema, que cria o homem mas, as Hierarquias Criadoras, (Anjos, Arcanjos, Principados …) que criam o homem. Adão e Eva, personificações da humanidade colectiva, ao comerem o fruto da Árvore da Ciência do Bem e do Mal tornaram-se deuses. Ou seja, o despertar da mente na humanidade, tornou-a uma Hierarquia Criadora capaz de cultura, de ciência e de ética (distinção entre o bem e o mal). [2] Génesis 3. 21 [3] Paul Carus. Open Court. «The Gospel of Buddha» 4.5 [4] Ibid. 11.1 [5] Ibid. 96. 1-2

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