quarta-feira, 15 de julho de 2009

Voz da liberdade

Pela morte de Palma Inácio, recordamo-lo nas acções das Brigadas Revolucionárias e cobertura da então Voz da Liberdade.


Texto e fotografia Tânia Santos


As rádios clandestinas desempenharam um papel preponderante no período de maior instabilidade do Estado Novo. A Voz da Liberdade gritou, encorajou, divulgou e lutou até à chegada do 25 de Abril de 1974.
Quarta-feira, 1h15m em Lisboa: começa mais uma emissão clandestina da Voz da Liberdade em directo de Argel, capital e maior cidade da Argélia. A luta contra o regime ditatorial português e o colonialismo continua com um novo programa de informação e de combate.
Ouve-se uma voz conhecida. É o político e poeta Manuel Alegre, um dos colaboradores mais ouvido da Voz da Liberdade e um apoiante das Brigadas Revolucionárias (BR).
Estamos em 1972 e Alegre entrevista o “camarada André Sérgio”, nome fictício de Carlos Antunes, o fundador e a força das BR em conjunto com Isabel do Carmo. Falam dos atentados levados a cabo pelas BR, organismo organizado que através das suas acções armadas inquietava o Estado Novo.
O “camarada André Sérgio” reforça a ideia de que não havia forma de salvaguardar os militantes forçados a lutar na Guerra Colonial. O objectivo das BR era abrir caminho para a criação de um exército revolucionário dos trabalhadores, mas sem se resolver o problema do “partido do proletariado” (organização revolucionária que integra todos os revolucionários) não era possível abrir esse caminho para a acção revolucionária socialista, concretiza “André Sérgio”. Aos milhares de militantes que congregam as brigadas juntam-se muitos pensadores.
O fundador das BR defende que a luta ideológica sem prática não tem significado, daí que todas as ideias das BR se transformassem em actos revolucionários. A força, coragem e iniciativa caracterizam os militantes das brigadas. Contrariam ao mesmo tempo que intervêm no campo. Arriscam a vida pela liberdade do país.
Uma hora e quinze minutos do dia 10 de Março de 1973, a Voz da Liberdade difunde três acções revolucionárias desenvolvidas pelas BR. Com estas acções, os militantes tinham como objectivo destruir documentos que obrigavam os portugueses a irem para a frente da guerra colonial. Estas e outras acções só viram frutos depois da queda do regime, a 25 de Abril de 1974.
Nas ruas da capital portuguesa assiste-se a várias explosões de comunicados das BR. Pequenos panfletos voam, caem no chão e nas mãos das pessoas. Vêm confirmar os atentados levados a cabo pelas brigadas. Os comunicados, tal como as rádios clandestinas, divulgavam as acções armadas de forma clandestina. Utilizavam técnicas de forma a não revelarem a identificação dos subversivos.
Apesar de clandestina, a rádio Voz da Liberdade tinha bem definido o seu objectivo e encontrava-se organizada como todas as rádios. Estava dividida por secções, maioritariamente, ligadas a assuntos antifascistas, nomeadamente as secções “resistência antifascista e lutas populares” e “os fascistas falam”.
As BR desabrocharam na década de 70, criando as acções armadas contra o regime ditatorial. Desencadearam a primeira operação a 7 de Novembro de 1971 que consistiu na danificação do comando de uma base da NATO, perto da Fonte da Telha (Lisboa). Antes desta acção já eram desenvolvidas muitas outras organizadas e não organizadas com a mesma finalidade: acabar com o regime.


O homem
Palma Inácio foi um dos homens de maior acção contra o regime ditatorial. Numa altura em que acções ainda não eram organizadas, esteve envolvido em vários atentados, que o levaram várias vezes à prisão.
Uma hora e quinze minutos, a Voz da Liberdade noticia a detenção de Palma Inácio. A 17 de Maio de 1967, o revolucionário participou no assalto à dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, sendo que confiscou cerca de 30 mil contos. Depois desta acção, fugiu para Paris, mas acabou por ser detido.
O Governo Português pediu à França a extradição de Palma Inácio, deixando o Governo francês no meio de um dilema: devolver o prisioneiro ao seu país de origem para ser lá julgado/censurado ou defender o revolucionário do regime do seu país, assumindo os seus ideais democráticos (liberdade e igualdade.
Em 1967, depois da detenção de Palma Inácio, a referida rádio emite vários noticiários relativamente à situação de Palma Inácio. Pede incessantemente a todos os democratas portugueses emigrados em França para se imporem e manifestarem contra o regime português: “A VOZ DA LIBERDADE saúda os democratas portugueses que se encontram em França a solidarizarem-se com Inácio Palma, a denunciarem as manobras da PIDE e a cerrarem fileiras na luta comum contra o fascismo” (emissão de 11/10/1967).
A luta armada, ou seja, acções contra o Estado Novo desencadeadas por militares ou grupos civis organizados de índole político-militar, aparece, em 1970, com o nascimento da Acção Revolucionária Armada (ARA). Auxiliar do Partido Comunista Português, a ARA impulsionou o aparecimento das BR, que se revelaram mais persistentes. A ARA suspendeu as suas actividades armadas em Maio de 1973. Contrariamente, as BR continuaram a actuar em força, e apenas desapareceram depois da destruição do Estado Novo. Concentraram-se, pela última vez, sete dias depois do 25 de Abril de 1974 no concelho de Torres Vedras.
A Voz da Liberdade surgiu em 1963, no contexto da Frente Portuguesa de Libertação Nacional (FPLN). Começou por emitir apenas às quartas-feiras e mais tarde passou a ter tempo de antena também aos sábados. Sempre à mesma hora, 1h15m, horário português. Lutou para travar a guerra colonial, terminar com a ideologia vigente e criar iniciativas contra a repressão. E conseguiu! Contribuiu para a consciencialização do povo português e da comunidade internacional.
Sábado, 14 de Outubro de 1967. Termina mais uma emissão com um apelo à população: “unamo-nos na acção contra a PIDE e contra o fascismo, unamo-nos na luta pela liberdade”.

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