São Tomé sentido
A sul da linha do Equador existem cores, olhares, sorrisos, vida, sabores, alegria, odores… uma ilha perdida no Atlântico que dá pelo nome de São Tomé e Príncipe. Visitamo-la agora que está perto de assinalar 34 anos sobre a sua independência.
Texto e fotografia Catarina TagaioO verde abundante forra árvores e montanhas, o azul imenso pinta céu e mar, há cheiros e sabores que pairam pelo ar… Os nossos sentidos ficam presos a este quadro; dezenas de olhares curiosos aproximam-se da pista do aeroporto onde malas e caixotes formam um “fora de quadro” insignificante quando comparado com a “verdadeira” obra de arte.
Uma visita ao mercado local é a primeira etapa da nossa estadia. Aqui há cores, há odores, há sabores… Aqui todos os nossos sentidos são “activados”. Cenouras, pimenta, coco, fruta-pão, matabala
[1], carambola, limas, jacas, bananas de vários tipos (banana-prata, banana michelle, banana-maçã, entre outras) enchem bancadas e são pretexto para ouvirmos um:
- “Amiga, dez mil dobras!”
Os olhares brilhantes das vendedoras e os sorrisos abertos das crianças que as acompanham levam-nos a conhecer toda a beleza da ilha. Nestes olhos podemos ver cascatas, roças, praias e gentes que vivem em todos os recantos.
À saída do mercado dezenas de táxis oferecem uma viagem diferente. Entramos no primeiro e rumamos até à roça de Bombaim. Aqui, provamos o famoso fruto mangustão e mergulhamos nas águas frescas e límpidas da cascata de São Nicolau. Seguimos caminho e encontramos a roça de Agostinho Neto. A casa grande da roça faz-nos sonhar e por momentos somos teletransportados até à década de 70 do século passado.
Vemos a produção do cacau a todo o gás, senhoras nobres passeiam com os seus guarda-sóis, crianças cantam e dão gargalhadas estridentes, o sol brilha… mas de repente uma nuvem tapa o sol. E o sonho acaba! Subimos à roça de São João dos Angulares onde João Carlos Silva
[2] nos aguarda com o seu famoso “calulu de peixe”.
Para finalizar a visita a estas “mini-ilhas” aceitamos o desafio do taxista: uma visita a uma “roça anónima”. Abade recebe-nos de braços abertos. Por momentos também nos sentimos parte desta grande família. Uma criança chora quando vê uma “branca” aproximar-se. Abade não conhece turistas nem “gentes do continente”. A cidade fica longe e a estrada que as liga é de difícil acesso. Mas há magia neste pedacinho de terra e é com saudade que deixamos esta nossa “nova” família.
Abandonamos o táxi e seguimos de boleia num jipe. O sul da ilha é a próxima etapa. Entramos num barco e em vinte minutos chegamos ao Ilhéu das Rolas. O resort do ilhéu oferece-nos um quadro diferente. O azul imenso e o verde brilhante mantêm-se mas como pano de fundo encontramos agora bungalows de madeira e piscinas povoadas de turistas. Visitamos o marco que traça a linha do Equador e é aqui que sentimos pela primeira vez o calor húmido que nos abafa. E é com um pé no hemisfério Norte e outro no hemisfério Sul que regressamos a São Tomé.
Há tempo ainda para um mergulho nas belas praias que cercam a ilha e são muitas vezes utilizadas como página principal do grande livro que é São Tomé. Sete-Ondas encanta-nos com a sua areia escura e com as suas conchinas originais; Micondô faz-nos entrar na história de Miguel Sousa Tavares e imaginar os encontros de Luís Bernardo e Ann; Jalé delicia-nos com as suas ondas enormes; Praia Piscina hipnotiza-nos com a sua beleza natural.
A nossa aventura por terras são-tomenses parece estar a chegar ao fim… Café & Companhia é uma das nossas últimas etapas. Bebemos um sumo natural de goiaba, de sape-sape ou de manga e comemos uma grande fatia de bolo de chocolate enquanto o ambiente é invadido por música ao vivo. Fora destas quatro paredes um grupo de crianças aguarda-nos com dezenas de colares feitos com sementes.
- “Amiga, colar por trinta mil dobras!”
-“Amiga, troco colar por esses ténis!”
- “Amiga, amiga, amiga…”
O sol começa a deitar-se… Ouvimos música ao longe e pé ante pé aproximamo-nos. Algumas crianças dançam “puita
[3]”. É delicioso ver a forma como sentem a música. Anestesiados com todo este ritmo continuamos a nossa viagem. O nosso jipe é levado por uma onda de carros até uma discoteca. Entramos e lentamente começamos a sentir a música. Experimentamos dançar tarrachinha[4] mas… a hora do voo aproxima-se. É preciso fazer check-in e regressar a Lisboa. Lentamente o céu cobre-se de nuvens e o cheiro a terra molhada invade-nos. Numa fracção de segundos relembramos toda a nossa aventura por terras são-tomenses e sentimo-nos plenos.
Já no céu vemos São Tomé adormecido. O pico do Cão Grande que ao longo do dia nos serviu de farol brilha com a luz da lua… e de forma “leve-leve” passaram seis semanas!.
[1] Planta geralmente utilizada na culinária são-tomense. Espécie de batata. [2] Apresentador do programa “Na roça com os tachos” [3] Dança típica de São Tomé. [4] Kizomba.
Etiquetas: Catarina Tagaio, Crónica, São Tomé sentido
1 Commentarios:
Se fosse uma ementa gastronómica, certamente que estaria em babado, mas como é um retrato escrito de quem esteve neste lugar que é um encanto, tudo que posso fazer é remoer de inveja e esperar para também um dia poder desfrutar deste aconchegante oásis. É pena que tal paraíso indiscreve o real quotidiano dos que por lá têm que ganhar o seu dia-a-dia.
Enviar um comentário
<< Página Inicial