Quem deve governar a cidade?
Um monarca, timocrata, oligarca, democrata ou tirano? O melhor entre os mais velhos - filósofo, educado, justo, virtuoso e desapegado do poder - defende Platão, a quem recorremos para nos elucidar no voto, este Domingo, no âmbito das eleições autárquicas.
Texto Dina Cristo
Deve gerir a cidade quem melhor se governa a si mesmo, quem é capaz de ser Senhor de si próprio. Quando o Ser humano – homem ou mulher – atinge a Liberdade, ou seja, quando a sua melhor parte, a mais humana, superior, sensata, domesticada, a mais pequena, domina a pior, a mais animalesca, inferior, perversa, selvagem, a maior e mais corrupta. Tal atitude distingue um humano virtuoso - sábio, corajoso, moderado e justo -, dentro de uma minoria que identifica o bem com o saber, aspira à verdade e à salvação do mundo inteligível.
Um ser humano perfeito, com uma vida sóbria, tranquila e segura, que escolhe o melhor para os seus subordinados e se identifica com o Bem, o Bom e o Belo. É o que quer efectivamente ser bom (e não parecê-lo) e o que tem mais graça, ventura e felicidade: no caso de um filósofo-Rei será, segundo Platão, 729 vezes mais feliz que o tirano.
O filósofo, amigo do saber, é aquele que é capaz de contemplar o Ser, olhar para a verdade absoluta e julgar melhor. O que atinge o prazer real, sólido, puro e verdadeiro. Bem diferente do ambicioso, cujo prazer não passa de uma ausência de dor, de natureza colérica, irascível e violenta e que tende para dominar, vencer e ter fama. Mais distinto ainda do interesseiro, repleto de dor e com um apetite insaciável, caracterizado pela concupiscência e sensualidade, amigo do dinheiro, com desejos violentos e que olha para baixo.
O chefe deve ter tido uma educação equilibrada, para a alma, através da música, e para o corpo, através da ginástica - ambas simples. Baseada na dialéctica, geometria, astronomia e artes, de forma a olhar para as alturas e desenvolver o pensamento abstracto. O objectivo é atingir a contemplação da Ideia de Bem, paradigma a adoptar para ordenar a cidade, de acordo com a lei (como a piedade para com os deuses e os pais ou fazer silêncio e dar o lugar aos mais velhos).
Guardião
Desta forma o governante da cidade deverá ser um monarca, com acesso à contemplação do Ser, capaz de atingir o imutável e olhar para a essência, a verdade absoluta. Ao contrário do timocrata, amigo do poder, das riquezas e honrarias e do oligarca, avarento e dissipador do Estado, que despreza a virtude e a pobreza.
Também o democrata se torna perverso: ao ambicionar demasiado a liberdade e tornando-a excessiva abre caminho para a anarquia, quando os discípulos têm os mestres em pouca conta, os anciãos condescendem com os novos ou os cidadãos não se submetem às leis. Neste sistema, os trabalhadores, com mais poder, poucas vezes se reúnem, os ricos tornam-se parasitas e são os violentos que administram quase tudo. O protector do povo tornar-se depois seu tirano - o mais desgraçado, escravo, infeliz e injusto de todos e que acabará na pobreza, fuga ou mendicidade.
O guardião da cidade, que cuida e protege as leis e costumes, deve ser seleccionado entre o mais ágil (nos estudos e trabalho) até aos 20 anos, o mais sólido (nas ciências, guerra e leis) até aos 30, na capacidade dialéctica, de forma contínua e exclusiva, até aos 35 anos, e de experiência na caverna até aos 50. Serão enviados para os campos se ultrapassarem os dez anos na cidade e consagrar-se-ão à filosofia. Ensinarão outros a serem como eles e depois retirar-se-ão.
Qualidades
Será eleito entre os mais rectos, fortes, corajosos, generosos, livres, simples, verdadeiros, com memória, esforçados nos estudos e exercícios. O chefe da cidade é aquele que cuida do prazer da alma e será incompreendido e criticado pela multidão: «(…) são inúteis à maioria os melhores filósofos. Da sua inutilidade, manda, contudo, acusar os que os não utilizam, e não os homens superiores»
[1].
O filósofo-Rei será o melhor, entre os que procedem bem para com os demais, como no mito de Er, aquele que procura o melhor para os seus subordinados. O que despreza o poder político e o assumirá por necessidade e amor: (…) Ora a verdade é que convém que vão para o poder aqueles que não estão enamorados dele; caso contrário, os rivais entrarão em combate»
[2], escrevia Platão.
Fora do governo ficarão os viciosos, injustos, mal educados, ambiciosos, interesseiros, insensatos, cobardes, ricos, poderosos, perdidos, imoderados, ignorantes, lisonjeadores, invejosos, desleais, hostis, impiedosos, maldosos, opinativos, escravos, perversos, prisioneiros, desgovernados, fantasiosos, embriagados, violentos, insaciáveis, adúlteros, medrosos, irados, corruptos, orgulhosos, arrogantes, criminosos ou incapazes de actuarem em comum.
[1] Idem, p.274.
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