domingo, 8 de fevereiro de 2009

Literatura II


Nesta segunda parte, iniciamos a abordagem da prosa portuguesa medieval. Começamos com a Demanda do Graal e o Amadis de Gaula.

Texto e fotografia Dina Cristo

A tradução portuguesa da Demanda do Santo Graal é o texto português em prosa literária mais antigo, embora não original.
No meio palaciano apreciava-se o relato de aventuras de amor e cavalaria. No último quartel do séc.XIII traduziram-se romances franceses, em prosa, do ciclo da Demanda do Graal: 1ª parte – José de Arimateia (é reelaborada uma versão no séc.XVI), 2ª parte – Merlim, 3ª parte em que é conservada uma tradução, com manuscritos do séc.XV. Esta última diz-se ser uma cópia do original, traduzida directamente do francês para português.
O ciclo pertence à última fase das sucessivas versões da matéria da Bretanha (que expressa, na figura lendária do Rei Artur, uma reacção dos celtas ao domínio da aristocracia anglo-saxónica) em que os efeitos de cavalaria e os enredos de amor foram adaptados a uma intenção religiosa. É uma história que conta a proveniência de um vaso que continha o sangue de Cristo, recolhido por José de Arimateia, que o transportou desde Jerusalém até à Inglaterra. São aventuras que servem para pôr à prova a virtude dos cavaleiros do Rei Artur, lançados na busca do Graal. Galaaz resiste. O Rei Artur morre no meio de sangue, traições e lágrimas.
Na linguagem, o vocabulário, construção sintáctica, locuções e ritmo são mérito do tradutor. Há uma perfeita fluência da prosa, boa ordenação sintáctica, flexibilidade estilística – ora narrativas movimentadas de combates, ora longas oratórias. É uma prosa destinada a ser ouvida: é em estilo falado, com frequentes interpelações ao ouvinte, largo recurso ao diálogo, abundante em interjeições exclamativas e tem um ritmo cantante destinado à leitura em público.
A tradução portuguesa da obra tem uma intenção religiosa e representa relativamente à moral cortês uma completa inversão de valores. No Graal, todo o amor é considerado pecaminoso e a virgindade recomendada como o estado mais perfeito. Galaaz e Lançarote (filho e pai) não conheceram mulheres. O romance exprime alegoricamente uma doutrina moral e religiosa, e tem um arcaboiço simbólico. É o extravasamento para os meios laicos dos problemas morais e religiosos.
A influência da vida do bretão, em Portugal, foi prolongada. Desde o séc.XV aos fins do séc.XIII a obra foi sempre lida. Fernão Lopes diz que Galaaz teria servido de modelo a Nuno Álvares Pereira.
Amadis de Gaula
Ao contrário da demanda do Santo Graal, o Amadis de Gaula tem referências muito escassas e não existiu na livraria de D. Duarte.
Há uma polémica quanto ao problema da língua em que foi escrito o original da obra: uns defendem a tese da autoria portuguesa, outros da castelhana. Não é fácil decidir. Contudo, é possível que antes da edição (a primeira em Saragoça por Montalvo) existissem várias versões da obra e que uma delas fosse realizada por portugueses, talvez sob patrocínio do “Infante de Portugal”. Montalvo suprimiu extensas partes do texto anterior e parece haver conhecimento de um texto antigo da obra.
Amadis é uma obra peninsular, da primeira fase da poesia de corte medieval, e ainda mais representativa da galanteria palaciana peninsular, idealizada nas cantigas de amor, do que a Demanda do Graal. Também o tema da sensualidade que percorre o Amadis traduz uma concepção de vida bem diferente daquela simbolizada na Demanda.
É o ideal do cavaleiro-façanhudo e generoso, combativo mas terno e suspiroso no amor, com desejos cruéis e mortais, mas fielmente casto. O preço do serviço a uma paixão bem humana é a vitória sobre infindáveis dificuldades de todos os géneros. No Amadis participa o bretão e a gesta francesa correspondente ao comedimento da aristocracia cada vez mais palaciana. Falta o picante do amor adúltero, o trágico de Lançarote, mas com claras influências do maravilhoso arturiano.
A obra integra-se no sistema social, dá um lugar ao amor na ordem estabelecida, fixa regras e concilia-o com o matrimónio. Contudo, esse casamento aparece como posterior união carnal dos amantes devido à fidelidade formal ao ideal amoroso da matéria da Bretanha. A virtude é premiada no “happy-end”. É um manual romanceado das virtudes do bom amador cortesão àquele tempo. Entre as aventuras empolgantes há modelos literários de vida fidalga. No séc. XVI a obra dá origem a um ciclo de doze novelas de cavalaria (ciclo de Amadises).
Amadis é o fruto dos amores clandestinos de Elisena e do Rei Perion. Estes abandonam o filho às águas do mar. É salvo por uma família que não lhe conhece a origem. Vem a ser escolhido para pajem da Infanta Oriana e desde logo se apaixona. Durante muito tempo, a timidez inibiu de se declarar; depois o amor entre os dois foi um segredo cuidadosamente guardado. Por ela, Amadis arriscava-se em combates assombrosos. Quando, por um mal-entendido, ela o acusa injustamente de infidelidade ele faz-se ermitão. Mas ele tem a recompensa carnal na floresta.

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