quarta-feira, 9 de julho de 2008

Leve-leve

S. Tomé e Príncipe comemora este fim-de-semana 33 anos de independência. Altura para passarmos em revista a situação política, social e económica do país.

Texto e fotografia Pascoal Carvalho

De um encanto, que se esperava sustentável e duradouro, a uma progressiva destruição, oportunismo, crucial e inevitável, dos mais dotados e bem situados.
Bem conhecido por um ditado popular, “leve-leve”, como que se dissesse (sem pressa, stress, grandes correrias), São Tomé e Príncipe (STP) tem vindo a deixar-se ir abaixo por um mundo ilusório, descansado, despreocupado, mas também muito burlão, porque assim nada vai adiante e, sem exigências de parte a parte, o país fica sem produção nem produtividade.
De Caué a Paquê
[1], do interior ao litoral, abandonando as águas tépidas do mar que banha toda a costa destas lindas ilhas de nomes santos, até ao interior das agradáveis, desfrutáveis e relaxantes cataratas que jorram das infindáveis capas verdes e naturais dividindo zonas e caracterizando-as até às cerradas matas muitas vezes montanhosas do ôbô[2].
Bem conhecida pelas maravilhosas praias requintadas com sombras que a natureza não se minora em presentear com os mais variados aforros, desde a terra fértil até à passividade populacional, São Tomé e Príncipe é um oásis situado no golfo da Guiné, que já teve em outros tempos bons momentos para satisfações saudáveis. Após a independência, em 12 de Julho de 1975, a qual muitos defendiam que não fosse total, como acabou por se concretizar, que até hoje este pequeno Estado nunca encontrou um válido. oriundo e genuíno filho seu que fosse capaz de levar este aconchegante canto do mundo para um desenvolvimento sustentável, estável e sólido que desse realmente gosto e gozo de (e para) viver.
Há quem diga que STP não encontrou a plataforma necessária que impulsionasse para uma futuro risonho pelo facto de se ter tornado independente num dia aziago. Por coincidência ou não, a verdade é que nesta data regista-se sempre inúmeros acidentes de viação, e não só, o que faz acentuar ainda mais este facto de grande valor para o senso comum.
Contradições sociais

Depois de ter grandes esperanças na classe empresarial, o chefe de Estado, pensando que muito facilmente STP e os são-tomenses teriam e estariam em condições de saírem desta crise, os mesmos vivem agora uma fugaz dinamização jovem que o chefe do Governo quer implementar para já com certas agilidades, que focam bem estas intenções.
Vive-se em STP uma coligação quase impensável há pouco tempo atrás. Julga-se que a vontade de fazer crescer um país mais forte e desenvolvido, capaz de proporcionar aos seus filhos uma regular e saudável distribuição de riquezas e oportunidades, foi mais intensa e ultrapassou as barreiras e divergências político-partidárias trazendo ao de cima a vontade e consciência humana.
Inicialmente reconhecido por uma existência acentuada de indivíduos formados ainda na época do colonialismo, em que muito se falava da independência, a união São Tomé e Príncipe nunca esteve em causa, mas dado o progressivo e acelerado ritmo a que particularmente o Príncipe se encontra mergulhado eis que as contradições entre os oriundos tanto de uma ilha como da outra têm vindo a fazer-se sentir em diferentes frentes e grupos sociais, fruto das excessivas centralizações dos serviços e bens. Muitos são os quadros genuínos da ilha do Príncipe que se encontram em São Tomé por aqui encontrarem o que tarda a chegar à irmã, o que a tem deixado cada vez mais para trás no que toca ao desenvolvimento local.
Sociedade
Constituída por várias raças que estão distribuídas por diferentes regiões do país, de norte a sul, São Tomé e Príncipe ainda tem alimentado os seus filhos com a fertilidade do solo, ignorando o seu pouco empenho e dedicação. Desde os tempos mais remotos que se sabe que os foros nunca tiveram o gosto pelo trabalho das roças onde estão e das quais necessitam para a sua própria sobrevivência. Com isso, os colonizadores tiveram que importar gente de outras paragens luso colonizadas (Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau), para dar corpo ao cultivo das férteis terras. Entretanto, não obstante, este arquipélago foi em tempos dos maiores produtores de cacau e café.
Depois de tanto tempo de certas dependências desses produtos (que saibamos dizer nunca deixou ficar mal os seus filhos), eis que surge o petróleo que para muitos é, ou veio, amaldiçoado pelo facto de trazer consigo inúmeros problemas sociais, acordos e suas anulações, equipas e comissões, empresas e leis que fazem de STP hoje em dia um país que vive com imensos sobressaltos e inquietações do que por aí há-de vir com o refugiar esperançado na solução petrolífera milagrosa.
Actualmente, a sociedade são-tomense vive desfasada pelas irregulares faixas sociais. Para já ressaltemos os candongueiros que outrora algo afastados ou encostados pela sociedade mais intelectual ou académica, vieram a provar o seu valor pela inteligência e queda para o comércio, inicialmente informal e ambulante mas agora mais estável e concentrado; eles hoje tornaram-se numa classe económica que tem muito a dizer sobre o país e em prol do mesmo. Não obstante a este inclinar para os negócios, também têm vindo a conseguir concluir com êxito os seus estudos secundários, 11º ano, que é actualmente o máximo para quem não quer levar adiante o seu conhecimento académico, seguindo depois para o ensino superior ou curso médio.
É de salientar, ainda no campo da educação, que as gerações de 80 e mais acentuadamente de 90, actualmente detêm um certo comportamento de descrença total no país e seus governantes, em particular transportando consigo um pensar sólido de não ter esperanças nenhumas de ver melhorar o país, nem mesmo daqui a algum tempo. Tal contradiz com a maneira de ver e pensar dos que já têm mais tempo de vida: a de que ainda é possível mas que para isso os são-Tomenses teriam que tomar consciência e dar ao país aquilo que ele realmente quer e precisa (boa gente, com garra, vontade, fé e inovação); contudo, individualmente preferem estar no exterior, ignorando desta forma a realidade central da pátria.
Culturalmente, STP é um país rico e diversificado, muito por responsabilidade das influências coloniais. Cada cidade e região tem as suas manifestações culturais identificando-se assim por essas tradições e crenças o que vem encontrar depois no exterior uma espécie de fusão inovadora e algo defeituosa pelo querer representativo contrastando com o saber originário, o qual a mesma invoca.
Economia

Apesar de bom produtor agrícola, S. Tomé e Príncipe nunca foi capaz de se manter na vanguarda da produção ou conquistar um mercado sustentável para o escoamento. O comércio até hoje é baseado em vendas de artigos hortícolas, ainda frescos do dia, peixe pescado a poucas horas no mar, pão do dia e também guardado de dias anteriores (o pão comercializado pode ser acompanhado de outros condimentos como manteiga, marmelada, açucarinha, aranha, etc.), podendo ser encontrado no mercado formal, nas padarias, ou informal, no comércio ambulante, porta a porta, ou nos mercados.
Outros artigos, do tipo de géneros de primeira necessidade, são igualmente comercializados pelos bem conhecidos candongueiros, que por sua vez fazem sociedades com imigrantes, pequenos e grandes comerciantes que escolheram este pequeno país para viverem. As vendas a retalho se por um lado ajudam, e de que maneira, os que menos têm, prejudica e condiciona muito esta mesma gente quando casados.
Educação e saúde

A educação parece ficar para trás no que toca à prioridade dos sucessivos elencos governamentais que têm passado por estas terras. Outrora a educação, a par da saúde, estava no topo das atenções dos programas do Governo que hoje em dia parecem perder lugar para o tão anunciado petróleo que todos sonham poder ser a fórmula milagrosa para tirar este arquipélago da precária situação em que mergulhou.
Com uma população bastante jovem, os são-tomenses têm por hábito sempre se preocupar com a educação dos seus filhos. Mesmo aqueles que não têm uma condição financeira desejável nunca aceitam que os seus descendentes venham a ter uma vida sequer parecida com a deles, descarregando sobre os mesmos algum desabafo do querer e não poder proporcionar algo melhor que lhes pudesse garantir um futuro mais risonho e arrojado.
Para os que vivem mais distantes da capital é sempre um sofrimento poder dar continuidade aos seus estudos por causa das despesas relacionadas com as deslocações, primeiro, e depois com outros encargos.
A saúde é dos sectores mais afectados e preenchido de infelicidades pelo facto do mesmo não encontrar formas nem plataformas de sustentabilidade capaz de dar algum salto, nem ao menos passos. Bastaria olhar para o quadro numérico dos hospitais que havia aquando da colonização e actualizá-lo e veríamos a progressiva deterioração acentuada a que os mesmos foram sujeitos até ao seu desaparecimento, o que contrasta com o continuado crescimento da população. O Centro Hospitalar de S. Tomé é hoje o único hospital que ainda presta serviços gerais de saúde, ainda assim com enormes dificuldades multi-sectoriais e funcionais. Apesar de apoios e acordos constantes, apenas este centro tem conseguido à distância minimizar as necessidades da população que dia-a-dia vai sofrendo com este défice.

[1] De ponta a ponta Caué, distrito de S. Tomé, e Pague, Distrito do Príncipe. [2] Mata serrada, revestida de forte densidade de arbusto e insectos, muitas vezes montanhosas e com chuvas abundantes.

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1 Commentarios:

Anonymous Anónimo disse...

Três foram os meses que o XII Governo constitucional são-tomense levou à frente dos destinos deste povo. Haverá alguma governação legislativa mais curta que esta? Composta por maioria dos partidos que integram a Assembleia, eis que estavam reunidas as todas condições para uma governação de salutar. Julgava-se que a vontade de fazer crescer um país mais forte e desenvolvido, capaz de proporcionar aos seus filhos uma regular e saudável distribuição de riquezas e oportunidades, fosse mais intensa e ultrapassasse as barreiras e divergências político-partidárias trazendo ao de cima a vontade e consciência humana. Mera ilusão isto porque tal não veio a suceder; com cerca de 90 dias de governação o maior partido da oposição que aliás chefia hoje o Governo, o Movimento para a Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP/PSD), pôs uma moção de censura ao supracitado Governo, em que muitos acreditavam ser infrutífera, mas mero engano. Com o apoio de um dos integrantes do elenco governativo que é o Partido da Convergência Democrática/Grupo de Reflexão (PCD/GR) faz cair o Governo.

Antes disso o país já tinha vivido governos de unidade nacional, de transição, de consenso e mais, mas nunca como o actual, que é liderado pelo segundo partido mais votado nas últimas legislativas. Coube ao mesmo juntar outras forças políticas e reunir consenso, sempre debaixo de fogo cruzado. Depois de vários avanços e recuos eis que ao fim ao cabo a figura desgastada de Joaquim Rafael Branco sobe ao trono como o novo Primeiro-Ministro chefiando assim o XIII Governo constitucional do país e VII da era do actual do presidente Fradique de Menezes, que já vai no seu segundo e último mandato.

Se um não tinha personalidade para o número um do Governo quiçá nem mesmo para ser algum ente de carácter político e público, a verdade é que o outro é mais uma figura desacreditada da nossa praça.

Pela primeira vez na sua jovem história após a independência os são-tomenses passaram essa data sem o Presidente da República, que alega razões de saúde para estar fora do país neste aniversário. Razões para esta saída de emergência para além da oficialmente anunciada são muitas, dentre elas uma hipotética possibilidade de golpe de Estado. Enfim, à poucas semanas atrás aquando da rubro divergência e crise políticas o chefe de Estado, ausente na altura, disse não dispor de meios para se deslocar com urgência a S. Tomé, agora a tal condição já existe para tratar de saúde pessoal, o que provoca sentimentos de revolta e descrédito na sua pessoa.

A única verdade indubitável é que o arquipélago formado por duas ilhas e mais sete ilhéus, vive num labirinto infindável de acentuada corrupção alarmante, hierárquica e contagiante, onde os jovens infiltram-se nessa teia e encontram um horizonte ou estão marcados e condenados para sempre pelo desespero, abandono, frustração e pela esperança de poder demonstrar o seu real valor e conhecimentos adquiridos em anos de formação.

Aos imigrantes resta-lhes apenas acreditar que isso tudo vai mudar, e que vale a pena trabalhar com cabeça de forma a enviar sempre algo para a sua terra natal.

sexta-feira, 11 julho, 2008  

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