quarta-feira, 11 de junho de 2008

Amar é preciso

Há – exactamente - um ano estava a ser lançado durante a conferência sobre Informação Solidária. Em jeito de comemoração, daquela que foi a promotora do “Aqui & Agora”, relembramos o conteúdo de um livro que reúne as respostas dos congressistas à pergunta da Cais sobre qual é o lugar do amor numa economia neo-liberal.

Texto Dina Cristo

O amor é uma necessidade básica de qualquer ser humano. Quando alguém em criança não aprendeu a amar, porque não foi amado, corre sério risco de se vir a tornar sem-abrigo.
A aprendizagem da competência amorosa ocorre na família - espaço afectivo por excelência, onde se vivência o nível mais elevado de gratificação e partilha sentimental. Ser amado é ter (tido em criança) um papel central na atenção, apreciação, admiração; é ter-se sentido único, especial, exclusivo; é ter sido querido, considerado, respeitado e valorizado na totalidade.
Esta experiência será vital para a auto-estima, sentimento de segurança, realização, felicidade, capacidade de sonhar, enfim, para a saúde, não apenas física mas também psicológica e mental de todo o indivíduo. Quando houve na infância uma “anemia” de afectos, a personalidade do futuro adulto ficará enfraquecida e (mais) vulnerável (à dor).
“Os consumos de álcool e drogas cruzaram-se com as suas vidas e são um penso rápido para uma ferida que não pode cicatrizar, impedindo apenas que o sangue se torne visível, isto é, que a maior dor de todas, a dor de pensar, não surja, porque ninguém suporta olhar-se completamente desprovido de amor”
[1], explica António Bento, psiquiatra, a propósito dos doentes mentais sem abrigo.
Sem-abrigo ou sem-amor?
Os sem-abrigo, mais do que não terem habitação, são essencialmente pobres física e, sobretudo, emocionalmente. Como anota Elias Barreto, psicólogo, “(…) antes destas pessoas se tornarem sem-abrigo já o eram interiormente”
[2]. Os sem domicílio fixo não têm onde se alojar afectivamente, carecem de laços psicológicos e sociais estáveis, pelo que o desalojamento exterior mais não é do que um reflexo do desabrigo interior. Os sem-abrigo são, na verdade, pessoas sem amor ou mal amadas.
Esta falta de filiação - traduzido, por exemplo, na ruptura conjugal e/ou parental, na débil ou inexistente rede de amigos - de ligações afectivas, conduz, com frequência, à reprodução do padrão de carência de amor (em relação a si próprio e ao outro), à escassez comunicativa, à depressão, ao delírio, à solidão, à auto-destruição.
A macro-economia, orientada para a produtividade, individual e competitiva, «(…) lucrativa (mas apenas para as pessoas mais “empregáveis”)»
[3], marginalizando uns, os antigos escravos, a quem hoje se retiram os direitos elementares, e excluindo outros, os pobres, amplia, no mercado de trabalho, estes problemas sociais. Aumenta o síndroma de dessocialização, a tensão social e impele à (sobrevivência na) clandestinidade. Amplifica a falta de laços sociais e comunicacionais, o sentimento de inutilidade, de não pertença e a falta de amor geral manifesta-se, então, no crime e na violência.
Problemas que não se resolvem com mais policiamento, controlo ou punição, mas através da responsabilização. Dar a alguém a possibilidade de (voltar a) ser útil, de fazer algo ou cuidar de alguém pode ser o primeiro passo. Parte da solução pode passar pelo restabelecimento de laços afectivos, quer com coisas, produzindo-as, criando-as, quer com pessoas, ou mesmo animais, cuidando deles
[4].
Cura amorosa
A resolução passará pela comunicação e pelo amor – a ligação a algo maior que a nossa única individualidade, separada – pela transição do egosistema, isolado, para o ecosistema, integrado e interdependente. É preciso dar a cada pessoa a oportunidade para encontrar o seu lugar e função neste mundo. Porque o trabalho, além de realização humana, é uma forma de servir os outros.
Numa época de desinvestimento afectivo, perante uma civilização de afirmação individual, com relações interpessoais mais exigentes e frágeis, onde o “nós” está em segundo plano e a pessoa improdutiva é non grata, só a disponibilidade interior poderá curar esta ferida social pois, como afirmou Gabriela Moita, psicóloga, “(…) só amor produz amor (…)”
[5] e o vazio afectivo só poderá voltar a ser (pre)enchido com afectividade.

Enquanto a sociedade privilegiar o mercado em detrimento da dádiva amorosa e a economia permitir será natural que prolifere a falha da auto-estima, a tensão económica, o conflito social e o mal-estar individual. Se persistir a insatisfação amorosa, a “anemia” de afectos - a âncora que representa a relação verdadeiramente humana - e os indivíduos não tiverem sucesso afectivo, os guetos continuarão, por mais que deles desviemos o nosso olhar.

[1] AAVV – Gostar de si – o lugar do amor numa economia neo-liberal, Lisboa, Padrões Culturais Editora, 2007, pág. 32. [2] Idem, pág.57. [3] Idem, pág. 17. [4] A história de sucesso do Fernando é um exemplo. Cf. pág. 61-63. [5] Idem, pág. 12.

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1 Commentarios:

Anonymous Anónimo disse...

Será que só uma crise financeira à escala global mostrará a vulnerabilidade do capital face ao amor, ao contrário do que até aqui se quis fazer crer? A solidariedade humana é a resposta à exploração incontrolada do meio ambiente e humano, mas parece que o Homem só aprende a mal...

domingo, 02 novembro, 2008  

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