quarta-feira, 14 de maio de 2008

Vida(s) enquadradas

Fez na Sexta-Feira 78 anos. Chama-se José Ruy e desenha quadradinhos há mais de 60. Amadora, a sua terra natal, homenageou-o com uma exposição, no Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem (CNBDI). Segue parte de um texto escrito há mais de 20 anos, após uma conversa com o autor, quando ainda não possuía os actuais cinco mil originais de BD.

Texto e BD* Dina Cristo

A banda desenhada (BD) usa diversas “artes e manhas” que explicam o resultado final. Num primeiro passo esboça-se a lápis o desenho incluindo já pormenores para os quais foi necessário um trabalho de pesquisa. Pega-se depois na história que desejamos contar e faz-se o desdobramento do texto, o chamado “décapage”. A partir da espinha dorsal é possível fazer um cálculo preciso do espaço, atribuindo a cada história umas tantas vinhetas de modo a evitar, no final, apertar o texto, que não deverá ultrapassar metade da área disponível. Após estas operações, faz-se o desenho definitivo seguindo fielmente o esboço inicial. As falas e legendas devem ser sempre escritas à mão e não podem ser demasiadamente pequenas.
É desta forma que trabalha o mestre José Ruy, embora quando se iniciou nestas coisas de banda desenhada tivesse utilizado técnicas mais simples. De facto, as suas primeiras publicações foram no “Pagagaio”, quando tinha 14 anos. Na altura, fazia uns rabiscos coloridos com tinta da China, reproduzidos nos cadernos de BD, que tentam recuperar histórias antigas, dispersas por jornais e revistas.
A qualidade vai-se evidenciando nos seus posteriores trabalhos, tais como a biografia de Gutemberg, os elefantes em África, os Lusitanos, a invasão da Península, dos Romanos, o “Bobo” de Alexandre Herculano, a “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto. Trabalhou mais tarde para o “Tintim” da Bertrand e depois optou por temas didácticos, divulgando obras de grande vulto. Recupera temas históricos de autores portugueses, como os Lusíadas ou os Autos de Gil Vicente que, além de servir a disciplina de Português e facilitar o estudo dos alunos, incentiva à leitura.
“Homens sem alma” é já uma história de portugueses que aportam à costa de África e contactam com a escravatura negra. Em projecto está[va] a “História de Macau”, desde os relatos mitológicos até à passagem da administração para a República Popular da China. Para o efeito, o autor dispõe já de bastante material, inclusivamente o essencial, a observação in loco na Índia, China, Japão e - claro – Macau, onde captou todas as impressões objectivas. Esta é efectivamente a sua linha, aquela que tem por intenção contar apenas e somente a verdade, o que obriga a longos anos de investigação. Foram os casos dos Autos de Gil Vicente, em que foram pormenorizadamente estudados os trajes, a alimentação e outros costumes de há quatro séculos.
Sequência histórica
A história da banda desenhada reporta-se a um passado longínquo. Segundo a opinião de alguns historiadores, começou aquando das pinturas rupestres, onde se contavam cenas de caçadas em sequência. Mais tarde, estes desenhos são contornados com uma cor mais escura levando tinta no interior. Posteriormente, já nos séculos XIII e XIV aparecem, para além do habitual desenho, textos que são emitidos pelos personagens. Mas é efectivamente no séc.XIX que se dá o grande desenvolvimento da BD, começando a grande expansão da história aos quadradinhos como se conhece, isto é, editam-se os primeiros ensaios em jornal, já com balões que indicam a fala das figuras e o texto de suporte, como legenda.
Em Portugal foi Rafael Bordalo Pinheiro que iniciou esta arte, com publicações em jornais de carácter satírico como foi o caso da “Paródia”. Muito válidos foram os anos 30 e 40, altura em que o próprio Stewart Carvalhais se ocupa da banda desenhada. No entanto, quem realmente fez desta uma arte próspera foi Eduardo Teixeira Coelho, um homem que transformou todo o panorama nacional com a sua forma de trabalhar, séria. Chegava ao ponto de utilizar modelos vivos e tudo o que fosse susceptível de intervenção da BD era estudado directamente da natureza. De tal modo importante se apresenta a sua técnica que se transforma numa escola, da qual têm saído vários discípulos entre os quais José Ruy.

* Nos anos 70

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