sexta-feira, 20 de junho de 2008

Jornalismo (e) audiovisual V


Revisitamos hoje alguns dos principais "newspaper films" dos anos 60, 70, 80 e 90.

Texto Dina Cristo

The man who shot Liberty Valance” – um dos manifestos mais emotivos sobre a liberdade de imprensa – marca a década de 60. Com uma frase que ficou na história dos filmes de jornalismo (“Liberty Valance taking liberties with the liberty of the press), este wester de John Ford representa uma mensagem de resistência a todas as pressões, medos e acomodações da vida social a que pertence.
O jornalista é quem ousa enfrentar o tão temido Valance, publicando no jornal os assassinatos. Apesar de bebedor incurável, a regra que o orienta é o dever de informar e por ela sofre na pele as consequências: é espancado e vê o seu jornal destruído.
No final, após o assassinato de Liberty, o mito impõe-se sobre a verdade: o homem dado como assassino nada tinha feito além da tentativa; a concretização, essa, pertenceu a Tom. A verdade nunca foi reposta e a mentira sobreviveu; subsistiu a lenda baseada num facto nunca esclarecido.
“Cronaca familiare” dá um retrato incomum do jornalista: um homem pobre, triste, sofredor, mas que resiste à doença e à solidão; a redacção, desarrumada, suja e vazia, é desoladora. De facto – como escreve Cintra Ferreira – poderia falar-se de “radiografia” que revela a “complexidade política e cultural de um espaço de tempo e de um país”: a Itália, no tempo do fascismo. O filme é, aliás, uma adaptação de uma novela “mais ou menos autobiográfica” de Pratolini, onde a imagem do jornalista não vai para além de “uma pessoa que mete o nariz na vida das outras pessoas”.
Em “Schock corridor”, um jornalista enérgico entra num asilo de alienados com a finalidade de descobrir a identificação de um assassino. Acaba por conseguir e até obtém o prémio Pulitzer, como era seu objectivo, mas torna-se efectivamente louco e perde a voz. É a história do tudo por tudo por um furo jornalístico com a finalidade de autopromoção e de aquisição de prestígio, mais do que qualquer intenção eminentemente informativa.
Black like me” é uma variação de “Gentleman`s agreement” mas, neste caso, o objecto de investigação do repórter são os preconceitos raciais em relação aos negros. Disposto a fazer uma investigação profunda, o jornalista altera a pigmentação da pele, através de hormonas, e sai enfrentando todos os insultos, humilhações e desprezo. Desta forma, ele pode transmitir, com alguma fidelidade, o estado das relações entre os negros e os brancos nos Estados Unidos; ele vai relatar acontecimentos que não apenas testemunhou como participou, viveu e sentiu. “(…) Uma aposta num realismo “duro”, tanto mais gritante quanto é filmado a preto e branco (…) numa época em que o movimento dos direitos cívicos encabeçado pelo reverendo Martin Luther King estava a fazer História”
[1].
O fotógrafo de “Blow up” tem como meta atingir a verdade dos factos. Para tal, e de forma a dar um aspecto mais documental às fotos, percorre ruas, cafés, subúrbios e parques. Num destes, fotografa um casal que se beija – uma cena aparentemente anódina, que vem demonstrar-se repleta de violência, opressão e crime. Na ampliação que vai sendo feita, revela-se primeiro a presença de um homem nos arbustos, apontando uma pistola e, mais tarde, um corpo estendido. O que se vê, afinal, nem sempre é o que se passa; para perceber a realidade é necessário decifrá-la.
Anos 70
A sétima década tem como referência “All the president`s men”. Produzido quase em simultaneidade histórica, o filme aposta numa meticulosa reconstituição de factos e cenários como a redacção de “Washington Post”: “(…) resultou de centenas de fotografias (as secretárias dos jornalistas foram fotografas uma a uma), da recolha das papeladas que estavam por cima das mesas, seguida da sua expedição para Hollywood e da sua recolocação no cenário e da compra de todos os livros que estavam nas prateleiras da redacção. Foi tão fiel esta reprodução que quando o verdadeiro Bem Bradlee visitou a “set” foi capaz de saber a hora e o dia em que supostamente se passava a cena que estava a ser rodada: só às 10h30 de Sábado é que a redacção poderia ter aquela gente naqueles lugares (…)”
[2].
Focalizada no modo como foi realizada a investigação do caso Watergate pelos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, a fita trouxe para as redacções inúmeras vocações e transformou-se no filme por excelência do jornalismo de investigação. “(…) a queda de Richard Nixon e a retirada do Vietname reforçavam a ala liberal” no sector cinematográfico norte-americano, possibilitando o surgimento de uma fita como “All the president`s men” onde dois insignificantes jornalistas abalavam as estruturas do “establishment” político”
[3].
A década foi ainda preenchida com um filme italiano e outro alemão que, ao contrário, pintaram de negro a face do jornalista: “Sbatti il mostro in prima pagina” e “Die verlorene ehre der Katharina Blum”.
O filme italiano aborda a forma como um jornal manipula a realidade. “Il Giornale”, de direita, desvia a atenção das questões levantadas com a realização de eleições, explorando de forma sensacionalista um caso de “fait-divers” – um crime sexual. Constroem a história, fabricam os culpados (os comunistas) e Roveda, o jornalista que se recusa a especular, é despedido. No jornal “Die Zeitung”, é tanta a quantidade de notícias falsas publicadas que a visada, numa atitude de desespero, acaba por matar o jornalista.
Em meados da década concretiza-se a terceira versão de “The front page” – uma fita onde se pretende assegurar a exclusividade da reportagem do evadido que escapa à sentença de morte. Nesta película, Hildy Johnson faz uma alusão mordaz ao culto das notícias de sensação e à falta de respeito pela pessoa humana: «Jornalistas? Um bando de malucos, com caspa nos ombros e buracos nas calças, a espreitar por orifícios de fechaduras, a acordar pessoas a meio da noite para lhes perguntar o que pensam de Aimee Simple McPherson, a tirar fotografias de velhinhas que são violadas no parque. E para quê? Para entreterem empregadas de balcão. E, no dia seguinte, alguém enrolar a primeira página em volta de um peixe»
[4].
Un linceul n`a pas de poches” veicula as pressões políticas a que um jornalista, que se bate pela imprensa livre, fica sujeito. Permanentemente em serviço, o profissional resiste a tudo – ofensas corporais, apreensão das edições – menos à morte, única forma encontrada para fazer calar a sua voz.
Em “The parallax view” surge-nos um jornalista a investigar as reais causas do assassínio de um senador que, oficialmente, tinha sido atribuído a um atirador isolado. “A polémica sobre os homicídios dos irmãos Kennedy e de Martin Luther King nos anos 60 influenciava directamente este filme de cariz ‘liberal’
[5].
A trabalhar numa estação em que a banalidade e o vedetismo, que fazem subir as audiências, são o fundamental, a reportagem de uma jornalista sobre um incidente é relegada para segundo plano; é que, como lhe dizem, não está ali como investigadora. Em “The China syndrome”, a televisão é sujeita a pressões e vencida na sua relação com o poder “(…) já que entraves de toda a ordem bloquearam as pesquisas para uma reportagem sobre uma falha no equipamento de uma central nuclear que está a ser encoberta pelas autoridades. Mais tarde, quando o caso está aparentemente adormecido o desastre acontece
[6].
Anos 80
A oitava década, assinalada com a quarta versão do texto original de Hecht e MacArthur, adaptado agora ao contexto televisivo, é marcada por “Absense of malice” – um dos filmes mais críticos sobre os jornalistas.
Numa resposta à exaltação provocada pelo caso Watergate e numa década pouco amável para com os homens da imprensa, nomeadamente a nível judicial, “Absense of malice” desencadeou uma reacção de indignação por parte dos jornalistas perante a imagem que deles o cinema estava a construir.
A jornalista, ao seguir a pista errada (maliciosamente exposta), acaba por caluniar um homem que estava inocente. Ao acreditar nas fontes de informação a que teve acesso, e sem a preocupação de confirmar os dados com a pessoa objecto da investigação, é usada para dar dos factos uma visão distorcida, verdadeiramente manipulada. Por outro lado, a sua ingenuidade, irresponsabilidade e o desrespeito pela ética profissional acabam por originar um suicídio de uma pessoa indirectamente relacionada com o caso relatado. “(…) não parte de qualquer caso verídico (embora escrito por um ex-repórter, Kurt Luedtke), mas expõe uma das realidades mais preocupantes do ofício de jornalista: a difamação de cidadãos, que mesmo involuntária (como é o caso), nunca poderá ser inteiramente corrigida”
[7].
Os jornalistas protestaram dizendo que o filme os descrevia de uma forma grotescamente distorcida; a repórter Lucinda Franks (galardoada com o prémio Pulitzer) assinalou a Howard Good que, tanto quanto sabia, nenhum crítico se queixara pelo facto da recolha da lista no FBI ser irrealista; pelo contrário, muitos repórteres na vida real haviam feito o mesmo
[8].
“Reds” é o retrato do jornalista John Reed – testemunha da Revolução Soviética – e das suas experiências contadas no livro “Dez dias que abalaram o mundo”; o filme, nas palavras de Joaquim Vieira, “(…) é sobretudo um fresco sobre a geração de Reed e as suas expectativas com a “nova aurora” anunciada pelo assalto ao Palácio de Inverno”
[9].
Em “Ploughman`s lunch” é o jornalista que, cansado da monotonia do seu trabalho e céptico quanto à versão institucionalizada sobre a crise do Suez, inicia, em paralelo, uma investigação sobre aquele período. James acaba por descobrir a manipulação desenvolvida pelo poder, alterando por completo a memória dos factos ocorridos em 1956 e tornando nebulosa a visão da sociedade em relação aos tempos actuais. A guerra das Malvinas é o pano de fundo que atrai todos os interesses do jornalista, num filme que inclui imagens da conferência de 1982 do Partido Conservador.
Também britânico, “Defense of the realm”, destaca a influência e a cumplicidade entre o poder e os responsáveis máximos dos jornais, permitindo que os superiores interesses da Nação sejam confundidos com os do partido no poder. As tentativas isoladas para divulgar verdades de interesse público, como a probabilidade de um desastre nuclear, são apagados pelo fogo e os jornalistas assassinados. É o preço que paga quem não se cala, não cede a pressões, chantagens ou ameaças.
Considerado um filme modelo do cinema de jornalistas dos anos 80, “The killing fields” baseia-se nos relatos de um jornalista real: Sidney Schanberg que acompanhou, para o New York Times, a ocupação do Cambodja pelos Khmers vermelhos. A fita mostra como é fundamental, para o desenvolvimento de um trabalho em terras desconhecidas, a existência de um guia, neste caso indígena, fotógrafo e amigo fiel do jornalista. Uma película que “(…) envolve por completo o jornalista nas causas “pós-modernas”; denúncia dos novos totalitarismos, garantia da dignidade pessoal, respeito pelas minorias, defesa dos direitos humanos”
[10] - uma história autêntica, contada em estilo de “cinema-vérité”.
‘Amoral’, ‘mercenário’ e ‘badalhoco’ são os adjectivos que Frederico Lourenço utiliza para caracterizar o jornalista de “Salvador”. Com pouca decência e poucos escrúpulos, a Boyle resta-lhe o seu colega fotógrafo que pelo menos se arrisca, até à morte, por uma boa fotografia. O filme apoia-se directamente na experiência do jornalista norte-americano Richard Boyle durante o período de 1980-81 e veicula uma visão crítica em relação à política americana na América Central.
Em “The mean season”, o jornalista no seu último trabalho ultrapassa a função de relator dos factos e integra-se no desenrolar dos assassinatos. Torna-se, a princípio, o elo de ligação entre o criminoso e o público, terminando por matá-lo, em legítima defesa. Aqui “a imprensa põe a legalidade antes da justiça, e a economia antes da ética”
[11], pelo menos o director, já que Malcolm preocupa-se com a responsabilidade da profissão e procura ser comandado pela ética: não traz a foto da rapariga assassinada para publicar, nem paga para lhe darem informações.
Switching channels”, a mais moderna versão de “The front page”, adapta o contexto inicial (de imprensa) para televisão, introduzindo alguns elementos como a substituição da escrivaninha por uma fotocopiadora. É o cinema a acompanhar as mudanças sociais e, portanto, a crescente importância da TV, transporta com cada vez mais frequência para o grande ecrã. “Linhas trocadas” retrata a televisão como mecânica de constante descentramento da verdade, paisagem povoada por mais ou menos alucinados “talking heads”, onde o que mais conta é tão só a possibilidade de continuar-a-emitir”
O filme traz-nos uma jornalista de televisão, cuja perspicácia torna possível uma entrevista em exclusivo com o condenado. Este, ao explicar os motivos que o levaram a disparar sobre um polícia, faz mudar a opinião pública. Ao apanhar os malfeitores, que pretendiam explorar o caso para fins políticos, a entrevista repõe a justiça.
Em “Under fire” um fotojornalista e uma repórter vão cobrir a guerra da Nicarágua, pensando apenas veicular os factos, sem qualquer interferência. No final, contudo, reconhecem que se envolveram demais, mas sem culpabilidade. Reticente, a princípio, o repórter fotográfico chega mesmo a fotografar Rafael de forma que este, já morto, parece vivo – é a clara tomada de partido.
«Filmado “on location”, o filme tenta uma reconstrução realista das semanas que precederam a vitória dos guerrilheiros, referindo-se explicitamente ao incidente em que o repórter Bill Stewart, da cadeia norte-americana de TV NBC, foi morto a sangue-frio por um soldado da Guarda Nacional (…)”
Em “the thin blue line” é feito, a partir do assassinato de um polícia em Dallas, um verdadeiro cinema de investigação de carácter marcadamente factual. Através da reconstituição do crime, de acordo com as várias perspectivas de testemunhas e protagonistas entrevistados, fica, no final, a ideia de que o condenado, que se reclama inocente, está a dizer a verdade.
“Tinikling” aborda os últimos dias da presidência de Marcos, durante a campanha eleitoral que o opõe a Corazón Aquino. Para cobrir o acontecimento, lá estão dois repórteres fotográficos a presenciar assassinatos, bombas, mortos e feridos – situações face às quais são impotentes, mais não fazendo do que testemunhar e gravar na objectiva, até mesmo por pressão, como acontece no início.
Os anos 90
A personagem do jornalista mantém-se presente na nona e última década do século XX. Só em 1993, por exemplo, a indústria cinematográfica americana apresentou dois filmes: “Hero” e “The public eye”.
Bernzy, o fotógrafo que prometia limitar-se a tirar fotografias ao que observava e não interferir na luta entre “gangsters”, acaba por quebrar ambas as promessas. É um homem da noite, apaixonado pelo seu trabalho e que, para conseguir fotografias com mais impacto, não hesita em “trabalhá-las” um pouco mais, à maneira dos fotógrafos de “La dolce vita”.
Em “The bonfire of vanities” um jornalista em decadência encontra, na cobertura de um homicídio, matéria que o tornará uma verdadeira celebridade. O filme não é suave para com os jornalistas, aqui identificados como jornaleiros, subservientes em relação ao poder, mais dados ao espectáculo do que à honestidade ou à verdade.
Oliver Stone, ao realizar “J.F.K.”, concretiza um filme de tese que vem pôr em causa toda a versão oficial sobre o assassinato de Kennedy e a influenciar a própria realidade já que, posteriormente, se passaram a encontrar disponíveis mais documentos sobre o crime. Coloca-se ao lado de um “The thin blue line” – também ele a questionar frontalmente a sentença final.
Hero” mostra como se fabricam os acontecimentos, a forma como se exploram e a quantidade de mentiras que são divulgadas com a agravante de que quando se descobre a verdade esta é ocultada – tudo fica “off the record”. Uma fita que marca a insensibilidade perante uma tragédia e onde o que interessa é o ângulo, a exclusividade e a espectacularidade das imagens.
“Não se pode acreditar naquilo que se vê na televisão”: eis as palavras-chave a resumirem um filme que é um autêntico cartão vermelho ao jornalismo televisivo. A própria repórter diz, a propósito do suicídio, que ali não se trata de uma história jornalística, mas da vida real.
“Hero” é um dos filmes mais actuais a tratar a problemática da televisão na sua vertente jornalística. No próximo artigo, vamos recuar um pouco, até 1987, e ver como “Broadcast News” abordou algumas das questões mais prementes em televisão, como acontece com a tendência actual para acentuar a importância da forma em detrimento do conteúdo.

[1] ANDRADE, José Navarro – Black like me//1964. [2] Idem – All the president`s man/1976. [3] VIEIRA, Joaquim – Mr. Gutenberg goes to Hollywood, p.22. [4] Idem, p.24. [5] Idem, p.22. [6] Suplemento de “A Capital”, Dez.1987, p.78. [7] VIEIRA, Joaquim – Mr. Gutenberg goes to Hollywood, p.24. [8] GOOD, Howard - Op, Cit, p.83 [9] VIEIRA, Joaquim – Mr. Gutenberg goes to Hollywood, p.22. [10] Idem, ibidem. [11] GOOD, Howard - Op, Cit, p.90. [12] LOPES, João – Demasiado próximo do amor, p.56. [13] IRA, Joaquim – Mr. Gutenberg goes to Hollywood, p.23.

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